David Coimbra

David Coimbra

Colunista de ZH e GZH e comentarista da Rádio Gaúcha, teve 18 livros publicados. Prêmios: 10 ARI, Esso de Reportagem, Direitos Humanos, Habitasul de Literatura, Erico Verissimo de Literatura, Açorianos de Literatura, entre outros. David faleceu em 27 de maio de 2022 após 10 anos de luta contra o câncer. Suas crônicas seguirão disponíveis em GZH.

Cotidiano
Opinião

Uma das tramas mais originais da história

Faço esse relato para reforçar que as pessoas que não tomam vacina ou não permitem que seus filhos tomem não são apenas obscurantistas; estão fazendo mal à sociedade

David Coimbra

Enviar email

Dia desses, o Fábio Emerim, famoso professor de inglês da praça, me enviou um vídeo em que um jornalista da Fox americana entrevista uma mulher chamada Lora, ou coisa que o valha. Não sei a respeito do que era a entrevista, mas, no vídeo enviado pelo Emerim, o jornalista cita um trecho da série You em que pessoas são contaminadas por sarampo. 

“You”, todo mundo sabe, significa “você”. Então, quando a entrevistada ouve “você”, pensa que o entrevistador está se referindo a ela. E se irrita: 

— Eu nunca peguei sarampo! 

— Sim, eu sei — responde o jornalista. — Estou falando de “Você”. 

— Mas isso é estúpido! — ela reclama. — Eu nunca tive sarampo! 

— Não, Lora — ele insiste. — Estou falando de Você! Você! 

— O que é isso? O que você está dizendo? 

— Estou falando da série da Netflix

— Como se chama a série? 

— Você! Você! 

— Eu nunca tive sarampo! 

O jornalista acaba desistindo da pergunta: 

— Não tenho como explicar isso... 

Parece uma anedota, mas é verdade. Lembrou-me de uma amiga minha que fazia um curso qualquer e, logo no primeiro dia, perguntou para uma senhora que se sentava ao lado dela: 

 — A senhora pode me emprestar uma caneta? A minha falhou. 

— Não tem problema — respondeu a outra. — Mas me chama de tu, tá? 

Da próxima vez que minha amiga foi conversar com ela, começou assim: 

— Ô, Tuta, tu sabes o que... 

A outra interrompeu: 

— Eu não me chamo Tuta. 

Minha amiga ficou constrangida. Tentou consertar: 

— Certo. A senhora, por acaso, sabe o que... 

A outra interrompeu de novo: 

— Me chama de tu, tá? 

Louca. Minha amiga teve certeza de que estava falando com uma louca. 

Mas voltando à série You, assisti até essa parte do sarampo, que achei muito interessante e até didático. 

Agora uma advertência: se você tiver medinho de spoiler, não vá adiante. Desista dessa crônica e vá ler o Peninha. Mas, se você souber enfrentar os dilemas da modernidade, sigamos juntos. 

Vamos lá. 

Essa série, You, acabou me surpreendendo. Fizeram algo que nunca foi feito antes na história da dramaturgia mundial. Sério. É uma virada espetacular na trama, mas que acontece paulatinamente, naturalmente e, o melhor, com verossimilhança.  Fiquei encantado com a criatividade do autor. Mas isso não conto, senão estragará um pouco do prazer que você terá ao ver a série. O trecho do sarampo, porém, tenho de narrar. 

Ocorre que o filho do casal protagonista pega sarampo. A mãe, desesperada, pergunta ao médico, no hospital: 

— Mas sarampo não era uma doença extinta? 

E ele: 

— Sim, mas mesmo nesse tempo de covid existem pessoas contra as vacinas, por isso a doença voltou. 

Em seguida, ela acaba descobrindo quem são os antivacina que contaminaram seu filho, e as consequências são graves. 

Faço esse relato para reforçar que as pessoas que não tomam vacina ou não permitem que seus filhos tomem não são apenas obscurantistas; estão fazendo mal à sociedade. Venho escrevendo a respeito e sempre recebo manifestações antivacina. É espantoso. E, pior, é impossível argumentar contra essa ignorância convicta. O que me convenceu: diante de tamanha legião de cegos, é fundamental exigir o passaporte vacinal. Fundamental. A lei também serve para proteger as pessoas da sua própria estupidez. 

GZH faz parte do The Trust Project
Saiba Mais
  • Mais sobre:
RBS BRAND STUDIO

Gaúcha +

15:00 - 16:30