Fizemos um amigo secreto virtual na Rádio Gaúcha. Alguns mal-humorados não gostam de amigo secreto. Eu acho divertido. Vibro com amigo secreto e festas de firma no final do ano.
Existe um ingrediente que torna as festas de firma de fim de ano especiais: é a sensação dezembrina que as pessoas têm de que uma etapa está se encerrando e que um novo ciclo começará. Ou seja: elas estão passando a régua, pagando a conta, indo em frente. O que aconteceu, aconteceu; está prescrito. Agora é a hora do alívio, de se desestressar.
Esse sentimento faz com que o sistema de vigilância das pessoas seja desativado nessas festas. Elas estão a fim de se divertir, não incomodem, malditos moralistas. E é aí que as coisas acontecem. Conheço casais que foram feitos em festas de final de ano, e outros tantos que foram desfeitos. Conheço sujeitos que, durante o ano, foram sisudos e formais e, na festa derradeira, se liberaram, subiram na mesa, gritaram que ninguém é de ninguém.
Certa vez, uma amiga me contou uma história deliciosa: ela bebeu demais, na festa de fim de ano da firma, e apagou. Quando acordou, estava nua, numa cama estranha, dentro de um quarto estranho, em um apartamento estranho, no qual ela nunca tinha posto os pés macios número 36 antes. Confusa, ela começou a procurar por suas roupas, que estavam espalhadas pelo lugar. Um sapato na sala, outro no banheiro, o sutiã pendurado no trinco, a calcinha presa na porta da geladeira por um imã com o distintivo do Grêmio. Ela foi catando tudo e se vestindo aos poucos. De quem seria o apartamento? Não havia ninguém lá, nem bilhete, nada. Não havia nenhuma foto ou porta-retratos que desse uma pista. Quem seria? Bem, ela não ficaria ali para descobrir. Queria ir para casa, tomar um banho, se recompor.
Então, saiu, tomou o elevador e desceu para a rua. Uma rua desconhecida, num bairro distante do seu. Não sabia de ninguém que morasse lá. Um táxi passou, ela fez sinal e o deteve. Entrou, deu seu endereço e foi embora.
Minha amiga jamais descobriu de quem era aquele apartamento. Tentou investigar com as amigas o que teria ocorrido na festa, mas elas davam informações desencontradas. Também tinham bebido seus drinques... Até hoje ela conta para os íntimos: “Um dia, acordei nua, numa cama estranha”. Não há remorso, quando ela repete essa história. Não há culpa. Há até um vestígio de orgulho. O que me encanta – minha amiga é uma mulher que comanda o seu destino.
Mas em 2020 tudo haverá de ser diferente. Essas festas memoráveis, que, por ironia, às vezes causam amnésia, não serão possíveis. Por isso, fizemos um amigo secreto virtual, via internet. Trocamos presentes enviados por tele-entrega e revelamos as identidades dos amigos secretos numa grande reunião on line, cada um com seu copo de vinho ou cerveja, todos se vendo na tela do computador. E foi muito legal! Conseguimos nos divertir. Talvez alguns tenham até bebido além da conta. Mas, se acordaram nus e com a memória deletada, estavam em suas próprias camas. O que é ótimo, em tempos de peste. Segurança acima de tudo. Vamos todos nós, amados leitores, nos preservar em 2020 para as grandes festas do fim de 2021.