Cresce, no meio científico, um sentimento de insatisfação com o ritmo imposto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para análise e autorização de procedimentos e uso de vacinas em meio à pandemia de coronavírus.
O inconformismo com decisões demoradas e uma certa apatia da Anvisa ficou ainda mais evidente nesta semana, depois que agência fez pompa e circunstância para anunciar que havia removido a necessidade protocolar de realização de testes também no Brasil para análise de qualquer imunizante, mesmo que testado e com eficácia comprovada fora do país.
Uma destas vozes é a do professor de farmacologia da UFRGS Rafael Roesler. Pesquisador com doutorado, com atuação reconhecida em centros de pesquisa em fármacos até fora do país e ex-pró-reitor de pesquisa da universidade, Roesler questiona o excesso de burocracia imposto pela Anvisa, que, segundo ele, já poderia ter sido superado.
A remoção da necessidade da fase 3 para autorização do uso emergencial era dada como certa?
É importante notar que não foi abolida a exigência de estudos da fase 3 em geral, o que seria um erro. Foi removida a exigência de que os ensaios sejam realizados total ou parcialmente com pacientes brasileiros. Não tenho conhecimento de quando essa decisão foi tomada internamente na Anvisa. Até onde fiquei sabendo, essa exigência de estudo clínico com pacientes brasileiros é relativamente nova, como parte das normativas recentes para aprovação de vacinas para uso emergencial. Havendo ensaios de fase 3 internacionais de qualidade, não faz nenhum sentido científico. Seria uma barreira que criaria custos e atrasos inaceitáveis. A retirada da exigência foi anunciada com pompa, mas é o mínimo que se podia fazer, uma postura óbvia, bastando senso comum. O alarmante é que a regra tenha sido criada em primeiro lugar.
Tenho notado uma insatisfação crescente do meio científico com a a Anvisa. É impressão?
Esse desconforto sempre houve no meio científico, mas agora ganhou notoriedade pública com a pandemia. Há todo um histórico, por exemplo, de atrasos ou restrições simplesmente absurdas e injustificáveis por parte da Anvisa para importação de insumos simples e inofensivos de pesquisa. Todo laboratório de pesquisa biomédica do Brasil terá suas "histórias de horror" para contar. A insatisfação e a pressão são necessárias, porque cada dia de atraso por conta de burocracia significa cerca de 1.300 brasileiros mortos. Espero que a comunidade médica e científica, a população, o parlamento, o Judiciário, o Ministério Público e a imprensa estejam vigilantes para cobrar dos responsáveis diretos e indiretos todo e qualquer atraso desnecessário causado por falta de preparo ou burocracia.
O senhor pode dar exemplos de como a Anvisa poderia ser mais ágil?
Por exemplo, reciprocidade automática entre agências. Se agências internacionais plenamente reconhecidas e qualificadas como o FDA norte-americano e a Agência Europeia de Medicamentos já tiverem aprovado o uso emergencial de uma vacina, ainda resta realmente a necessidade de uma avaliação adicional pela Anvisa? Somos mais cuidadosos ou temos mais conhecimento do que os especialistas norte-americanos, europeus ou japoneses? Nesses casos, poderia haver uma pré-aprovação automática e imediata também no Brasil, e a Anvisa poderia ficar obrigada legalmente a liberar a importação em um prazo de, digamos, 24 ou no máximo 48 horas.