Chegou a hora de tirar a poeira daquela cópia surrada de Cem Anos de Solidão que você guarda na estante desde o século passado (a minha, com duas cartas de Tarot na capa e ilustrações de Carybé, é mais velha do que boa parte dos meus amigos). Acaba de ser anunciada a data de estreia – 11 de dezembro – da primeira adaptação para as telas do romance que todo mundo vai querer ler (ou reler) nos próximos meses.
Em sete semanas, eu garanto, até o leitor mais vagaroso consegue dar conta das 400 páginas do livro de García Márquez, mas os japoneses se adiantaram. Uma edição em formato brochura, lançada no verão do Hemisfério Norte, tornou-se um fenômeno de vendas no Japão – muito provavelmente em função de uma série que nem sequer estreou ainda. O sangue dos Buendía tem poder: calcula-se que, desde o lançamento do romance, em 1967, mais de 50 milhões de cópias tenham sido vendidas. Em todas as línguas que você consegue imaginar – e nas outras também.
García Márquez mencionava pelo menos dois motivos para não vender os direitos de adaptação do seu best-seller, mesmo quando a oferta vinha de nomes como Werner Herzog ou Dino De Laurentis: 1) a narrativa não caberia em um único filme e 2) a história só poderia ser contada em espanhol.
Pelo menos nesses dois pontos, o fantasma de Gabo (não há a menor dúvida de que o autor de Cem Anos de Solidão, como tantos dos seus personagens, virou assombração) pode ficar tranquilo. A minissérie da Netflix foi toda rodada na Colômbia, em espanhol, e a série terá duas temporadas, com oito episódios cada uma. Os filhos do escritor, Rodrigo García e Gonzalo García Barcha, participaram do projeto como produtores executivos. O pai disse que eles poderiam fazer o que bem entendessem com o livro – depois que ele morresse, claro.
Dá um certo nervoso, eu sei, imaginar como um dos romances mais queridos do século 20, o Dom Quixote da América Latina, terá sido adaptado para atender ao paladar globalizado de uma plataforma de streaming. A série latino-americana mais cara de todos os tempos corre o risco de tornar-se uma decepção do tamanho da expectativa que foi capaz de gerar em fãs do mundo todo. É do jogo. A única adaptação infalível é aquela produzida de graça, para o deleite de um único espectador, na imaginação de cada novo leitor.