A escritora Roseana Murray, de 73 anos, acabou cruelmente agredida por três cães da raça pit bull no bairro Gravatá, em Saquarema, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro, enquanto fazia uma inofensiva caminhada na manhã de sexta-feira (5). Perdeu um braço e teve uma orelha decepada no episódio que quase abreviou a sua existência.
Ela não entrou na residência do vizinho, não pulou nenhum muro, não ameaçou a segurança de outro terreno, apenas seguia ordeiramente pela calçada, na rua comum a todos, durante sua andança matinal, em que costuma arejar as ideias antes de sentar diante do computador e elaborar suas histórias infanto-juvenis de grande sucesso.
O que aconteceu com ela poderia ter acontecido com qualquer criança do bairro indo para a escola (com pouquíssimas chances de sobrevivência). Afinal, os cães não defendiam um local, encontravam-se apenas soltos. Existiu a inconsequência letal de um portão aberto.
Antes de demonizá-los, temos que responsabilizar os tutores dos animais. Os bichos esfomeados, estressados e maltratados só conseguiriam ter uma reação de ataque e de fúria. Foram aculturados ao ódio, deram de volta apenas o que receberam.
O que não é possível mais admitir é cachorros pit bull ou rottweiler passearem sem focinheira. Não há como descobrir se eles serão dóceis ou não pela aparência, já que jamais saberemos como são tratados pelos seus criadores no interior de seus lares.
A princípio, eles não são perigosos. Pertencem a raças trabalhadoras, dependendo de treinamento e sociabilização.
Na dúvida, a adoção do acessório deve ser obrigatória e geral, para não existir risco de ataques gratuitos. Não vale explicar que o cachorro é inofensivo e carinhoso. Explicações chegam sempre tarde demais. Não vale mais alegar que a violência é uma exceção entre tantos casos de aproximação mansa.
A imolação pública e sangrenta de coliseu envolvendo Roseana se mostrou escandalosamente anunciada. Outros vizinhos tinham feito ocorrências porque os animais já haviam mordido e assustado moradores. Nada foi feito. Tanto que três testemunhas relataram que os cães rotineiramente saíam para a via pública desprovidos de vigilância e avançavam contra as pessoas.
A vítima da sanha da matilha é, paradoxalmente, uma devota dos bichanos. Fez um livro terno sobre uma menina que busca convencer os pais a ter um mascote (Um cachorro para Maya). Entre os motivos, a personagem destaca que está cansada de ser sozinha. Não tem como não se emocionar lendo a obra e lembrando o incidente. No atentado dos pit bulls, eles é que estavam cansados de ser sozinhos, de se sentir excluídos e torturados.
Autora de 100 livros, largamente premiada e adotada como leitura obrigatória nas escolas, Roseana Murray deu uma prova de amor incondicional à vida. Numa situação de absoluta desvantagem, combateu bravamente as três feras famintas, dispostas a matá-la, protegendo-se com o cotovelo.
Ao receber a notícia da amputação do braço direito, o que usava para escrever, ela apenas disse:
— Paciência, vou ter que aprender a escrever com a mão esquerda.
Roseana nos alfabetiza para a esperança. Transformou a tragédia em ode de resiliência.