A alta abstenção nas últimas eleições municipais reacendeu o debate sobre a eficácia do voto obrigatório no Brasil. Os críticos do sistema argumentam que a apatia dos eleitores indica a necessidade de rever a natureza jurídica do ato de votar, passando de dever a direito.
Nesse contexto, o voto facultativo representaria um avanço democrático ao respeitar a liberdade individual e incentivar a participação consciente. Uma eventual redução do número de votantes poderia ser compensada por um eleitorado mais engajado, resultando na escolha de candidatos mais comprometidos com os anseios da sociedade. Além disso, a fiscalização dos eleitos seria intensificada, pois seus mandatos estariam ligados a cidadãos politicamente ativos. Outro argumento aponta que o voto obrigatório, na prática, já é facultativo, tamanha a facilidade encontrada pelo eleitor para se ausentar. Com efeito, neste ano, a punição máxima para quem não justificou a ausência é uma irrisória multa de R$ 3,51.
Num cenário de livre escolha, a tendência é de maior mobilização da classe dominante e de aumento na abstenção entre os menos favorecidos, que enfrentam desafios como distância das urnas, dificuldade de transporte e desconhecimento do processo eleitoral
É óbvio que toda essa argumentação ignora os perigos por trás da mudança. Um deles é o possível aumento da elitização. Num cenário de livre escolha, a tendência é de maior mobilização da classe dominante e de aumento na abstenção entre os menos favorecidos, que enfrentam desafios como distância das urnas, dificuldade de transporte e desconhecimento do processo eleitoral. Essa combinação pode resultar na escolha de uma representação política distorcida, que não contemple os interesses da maioria.
O voto facultativo também tem o potencial de aumentar a despolitização. Sem a obrigação de votar, muitos brasileiros simplesmente vão ignorar as eleições. Também precisam ser considerados dois pontos negativos que persistem nas eleições brasileiras: a compra de votos e o voto de cabresto. Com menos votantes, menos pessoas terão que ser compradas para garantir um mandato. O mesmo raciocínio vale para a pressão exercida por coronéis, fazendeiros, patrões e até facções criminosas, cada vez mais imiscuídas no meio político.
Por fim, como a livre escolha deve aumentar a abstenção, quem garante que a maioria ausente não se atreverá a contestar o resultado das urnas, sob argumento de que foi determinado pela minoria? Por entender que os riscos são maiores do que as vantagens, acho que ainda não estamos preparados para a mudança. Antes, precisamos evoluir como país, para ser uma nação mais igualitária, educada e justa. Aí, sim, poderemos transformar o voto em direito. Por enquanto, é mais seguro que continue sendo um dever. Dever de todos.