Um ano após a conferência global de combate ao tabagismo recomendar aos países apoio financeiro à diversificação da fumicultura, o Brasil, segundo maior produtor mundial de tabaco, não conseguiu liberar novos recursos para aplicar na política. A última chamada pública de assistência técnica e extensão rural, realizada em 2013, terminou de ser executada neste ano. A continuidade do trabalho que envolve quase 11 mil famílias no sul do país dependerá de verba federal em 2018. Enquanto isso, produtores buscam alternativas com recursos próprios ou por meio de iniciativas estaduais e municipais.
O programa nacional de diversificação foi criado em 2005, quando o Brasil ratificou a Convenção-Quadro para o Controle de Tabaco, primeiro tratado internacional de saúde aprovado por 192 países membros da Organização Mundial da Saúde (OMS). Desde então, foram lançadas duas chamadas públicas voltadas à assistência técnica _ em 2011 e 2013, somando mais de R$ 60 milhões. Uma nova era esperada para este ano, dando continuidade aos trabalhos em 2018.
– Não é possível assumir um compromisso global sem recurso para executá-lo. Em 2017, não tivemos nenhum centavo liberado para promover a diversificação – lamenta Alexandre Octávio Carvalho, integrante da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (Coniq), que ajuda a definir as ações prioritárias junto a seis ministérios.
Também para este ano era esperada a liberação de R$ 800 mil para projetos experimentais de pesquisa voltados à diversificação da produção de tabaco.
– A Anater (Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural) ficará responsável pela contratação, mas o edital nem chegou a ser publicado – conta Carvalho.
Governo promete liberar recursos no início de 2018
Documento aprovado na 7ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (COP7), em novembro do ano passado, na Índia, recomendou que os governos destinassem recursos para projetos pilotos, levando em conta não apenas aspectos de saúde pública, mas também sociais e ambientais da atividade.
– Toda aquela diversificação anunciada com pompa não avançou. A extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) foi muito ruim para os pequenos – confirma o presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), Benício Werner, acrescentando que o produtor precisa de duas ou três atividades econômicas para dar sustentabilidade à propriedade.
Com a extinção do MDA, as políticas do setor ficaram com a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead), vinculada à Casa Civil. Coordenador de Assuntos da Agricultura Familiar e Cooperação Internacional da Sead,
Hur Ben da Silva Correia esclarece que as recomendações da COP são inspiradas na experiência brasileira – de assistência, crédito e agroindustrialização.
– O Brasil é exemplo mundial no fomento de alternativas viáveis ao tabaco. Claro que a decisão de não plantar é do produtor, a nossa função é orientar e dar condições para ele seguir o caminho que escolher – diz Correia.
Sobre o atraso nas chamadas públicas de assistência técnica e extensão rural, o executivo justifica que o edital deve ser lançado no começo de 2018 – beneficiando quase 11 mil famílias integrantes do programa de diversificação. A chamada pública prevê R$ 1,1 mil por família para ações de assistência técnica e extensão rural, somando R$ 12 milhões no ano.
– Há uma decisão política de dar continuidade. A chamada já foi desenhada e encaminhada à Anater. Dependemos do orçamento geral do governo, mas estamos confiantes – informa Correia.
Em relação ao recurso de R$ 800 mil para projetos experimentais de pesquisa de diversificação, que também não foi liberado, o executivo argumenta que organizações não conseguiram se habilitar para captar a verba.
– Nesse caso, não houve contingenciamento. Não se conseguiu elaborar um projeto factível – reconhece Correia.
Dinheiro do fumo para investir no leite
Em agosto de 2010, o produtor Antônio Roberto Müller, 53 anos, comprou as primeiras vacas leiteiras para iniciar a diversificação na propriedade, até então dependente da renda do tabaco. Na época, o fumo ocupava quase cinco hectares da lavoura no interior de Passo do Sobrado, no Vale do Rio Pardo. De lá para cá, o rebanho cresceu para quase 40 animais e o fumo encolheu para um hectare.
– Sempre tive o sonho de criar animais. Vou continuar com o tabaco até pagar o financiamento do trator – conta Müller.
Para a transição, o produtor contratou um técnico que o ajudou na formação das pastagens e na escolha dos animais das raças jersey e holandesa. Tudo feito com o dinheiro do tabaco. Após sete anos, a produção de leite, entregue à indústria Lactalis, representa 80% da renda da propriedade, que tem os outros 20% ainda dependentes do tabaco. O estímulo para investir no leite vem da mulher, Clarice Weigner Müller, 53 anos, e do filho Felipe, 17 anos, que cursa técnico em agropecuária na Escola Família Agrícola, de Santa Cruz do Sul.
– Meu filho gosta da atividade. O leite não está no melhor momento agora, por isso ainda é importante manter o fumo, para ter uma garantia – diz o produtor, que nos últimos anos passou a receber suporte da Emater.
Iniciativas próprias, assistência técnica e apoio de programas estaduais e municipais estão ajudando a acelerar o processo de diversificação, destaca o diretor-técnico da Emater, Lino Moura. Em 2017, cerca de 1,8 mil projetos relacionados a atividades alternativas foram beneficiados com R$ 14 milhões do Fundo Estadual de Apoio ao Desenvolvimento dos Pequenos Estabelecimentos Rurais (Feaper) – 80% a fundo perdido e 20% financiado.
– Boa parte desses recursos foi destinada a propriedades que têm produção de tabaco – frisa Moura.
Outra iniciativa é a produção de mudas de batata-doce. Desenvolvida pela Embrapa Clima Temperado, a variedade é multiplicada pela Afubra e distribuída pela Emater.
_ Claro que se tivéssemos mais recursos do governo federal para assistência técnica, o processo de diversificação seria mais ágil e menos desgastante para o produtor _ pondera Moura.