Ser vegetariano ou vegano é uma decisão individual à qual não cabe contestação. Respeito a posição manifestada pela jornalista Claudia Laitano em seu artigo “Verde é a cor mais quente” no caderno Doc. de Zero Hora do último fim de semana. Mas, para isso não se deve culpabilizar hábitos alimentares que acompanham o ser humano ao longo de sua evolução. Somos milenarmente onívoros, pois nossos genes se adaptaram a diversificados hábitos alimentares através de pelo menos 100 mil gerações como caçadores-coletores, e mais 500 gerações como também agricultores. Não mais do que 10 gerações decorreram depois do advento da moderna sociedade industrial.
E o mais dramático ocorreu nas duas últimas gerações, isto é, menos de 50 anos, quando passamos a ingerir alimentos cada vez mais processados (açúcar refinado é um bom exemplo). Nosso genoma precisará de outras milhares de gerações para se adaptar a essa nova condição. A dieta de nossos ancestrais continha de cinco a 10 vezes mais fibras, ácidos graxos n-3, antioxidantes, vitaminas e outras substâncias nutricionais valiosas, além de três vezes mais proteínas. O verdadeiro problema então não é o consumo de carnes, mas sim a dieta desequilibrada destes tempos do “tudo pronto”. Obviamente que a qualidade da carne depende fundamentalmente da dieta dos animais e das condições de processamento e conservação, da mesma forma que a dos vegetais depende de como foram cultivados e também processados e conservados.
Além do mais, cabe lembrar que a alimentação humana sempre esteve ligada às ofertas do território em que vivemos. Os dois biomas presentes no território rio-grandense ou são eminentemente herbáceos (Pampa) ou contém encraves também campestres (Mata Atlântica), ou seja, são pastoris. Foi essa condição natural o determinante para que a pecuária se tornasse a principal atividade econômica pós-colombiana e também a nossa base alimentar. E isso sem necessidade de desflorestar, pois o pasto já estava pronto e naturalmente equilibrado pela presença de uma riqueza ímpar no mundo.
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Nessa condição, em que os animais são criados de forma extensiva, com possibilidades de selecionar uma dieta muito diversificada, a composição da carne é altamente salutar, com uma relação n-6, n-3 (ácidos graxos) similar a de alguns peixes, com alta proporção de CLA (ácido linoleico conjugado), com proteína de alta qualidade e nutrientes fundamentais como ferro, zinco, magnésio, vitaminas E e do grupo B. Os produtos assim obtidos, desde que certificados, provêm de animais criados dentro de regras das boas práticas agropecuárias (que não incluem confinamentos), abate humanizado, sob rígidos padrões sanitários e sem prejuízos ao ambiente. Essa pecuária, bem praticada, é mitigadora de impactos ambientais causados por outras atividades antrópicas, sobretudo as urbanas. E ela provém do verde de nossos campos, ou seja, daquela que “é a cor mais quente”.
Queiramos ou não, somos seres heterotróficos e dependemos de outros seres vivos: plantas e animais. E quem pode afirmar que vegetais não sofrem, que foram produzidas sob as mais rígidas condições sanitárias e que não possuem resíduos tóxicos? Portanto, nem tanto ao céu e nem tanto à terra: precisamos de uma dieta equilibrada e sem riscos para a saúde. Carne não pode ser comparada ao cigarro. Essa figura de linguagem, utilizada pela ilustre jornalista, provém de um documentário nada científico e altamente tendencioso. Sua utilização é irresponsável, sensacionalista e traz e pouca reflexão sobre o que isso pode significar para o público leigo.
Carne não é veneno: cigarro sim!
Carlos Nabinger é mestre em Fitotecnia e doutor em Zootecnia, professor da Faculdade de Agronomia da UFRGS