Protagonista da retomada do crescimento da economia brasileira no primeiro trimestre do ano, após supersafra de grãos, o agronegócio se vê diretamente impactado pela crise que abalou as estruturas do poder e ameaçou jogar o país novamente em um poço profundo de recessão. Não apenas por envolver a maior empresa do Brasil, a JBS, mas também pela indefinição gerada em torno de pontos cruciais. A instabilidade do governo Temer emperrou o acordo da dívida do Funrural e da reforma da Previdência dos trabalhadores rurais, além de trazer incerteza sobre o câmbio e na decisão de investimentos. Para completar o cenário nebuloso, os mais de 14 milhões de desempregados deixam pouca expectativa de aumento de consumo de alimentos – pelo menos a curto prazo.
Previdência dos trabalhadores rurais
Na noite fatídica do dia 17 de maio, no exato momento em que a notícia sobre a delação premiada da JBS caiu como uma bomba no Palácio do Planalto, representantes da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (Contag) estavam reunidos com a equipe econômica do governo Temer para costurar um acordo sobre a reforma da Previdência. Com o impasse da idade mínima quase superado, após o recuo da proposta original de 60 anos para homens e 57 anos para mulheres, a discussão estava na forma de contribuição – individual ou sobre a comercialização da produção primária.
– Neste dia, o governo estava muito próximo de conseguir o número suficiente de votos para aprovação da reforma ainda em maio. Agora, não se tem mais certeza de nada, nem se haverá reforma – diz Jane Berwanger, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
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A insegurança causada pela crise política não se resume ao futuro da aposentadoria dos trabalhadores do campo, mas também à incerteza gerada pela situação econômica do Brasil – que já acumula mais de 14 milhões de desempregados.
– O desemprego tem efeito direto no consumo dos alimentos que são produzidos pela agricultura familiar, não tem como não relacionar uma coisa com a outra – diz Carlos Joel da Silva, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag).
Na opinião do dirigente sindical, não há mais ambiente para votação da reforma previdenciária após os escândalos políticos:
– Só em um próximo governo agora.
Sobe e desce do câmbio
Com os negócios de soja em marcha lenta no Brasil, devido ao preço pouco atrativo da commodity, os agricultores se veem agora diante de outra incerteza: o sobe e desce do câmbio. A instabilidade vem justamente no momento em que começa o custeio da próxima safra. A crise causada pela JBS elevou a moeda americana para a casa dos R$ 3,40. O problema não é a alta, que até estimulou vendas represadas, mas a ausência de previsibilidade de como a cotação irá se comportar daqui para frente. Essa situação aumenta o risco de descolamento da safra, ou seja, de formar as lavouras com o câmbio maior do que na hora da venda.
– A alternativa para minimizar o risco é fechar contratos futuros em momentos de repique de preço, causados pela variação do câmbio ou pela Bolsa de Chicago – orienta Índio Brasil dos Santos, sócio da Solo Corretora, de Ijuí.
A alta de quase 10% do câmbio, na semana em que a delação dos irmãos Batista foi divulgada, fez os negócios destravarem no Brasil. Em poucos dias, a venda cresceu 10 pontos percentuais – chegando a 40% da produção. Mesmo assim, o volume ainda é inferior aos 50% registrados no mesmo período de 2016. O atraso na comercialização retardou também a compra de fertilizantes para a safra de verão, em torno de 30% menor do que no ano passado.
– O marasmo de agora vai acabar gerando uma pressão lá na frente, o que normalmente não é bom para o produtor – resume Santos.
Dívida bilionária do Funrural
Muito próximos de fechar acordo com a Receita Federal sobre o Funrural, os produtores viram o impasse se arrastar após a crise política se instaurar no país. Na semana em que estourou a bomba JBS, o setor produtivo negociava os detalhes de Medida Provisória (MP) para definir a forma de pagamento da dívida bilionária acumulada por agricultores que deixaram de recolher o tributo após obter liminares na Justiça. Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em março, que tornou a cobrança constitucional, provocou rebuliço no campo.
– A MP está praticamente fechada, faltando apenas pequenas pendências que a Frente Parlamentar Agropecuária estava tentando resolver. Depois disso, parou tudo – relata Gedeão Pereira, vice-presidente da Federação da Agricultura no Estado (Farsul).
Pelo acordo, previsto para entrar em vigor em janeiro de 2018, os produtores que não têm débitos com a Receita passarão a pagar 1,5% sobre a receita bruta. Aqueles que deixaram de recolher o tributo nos últimos anos continuarão pagando 2,3% até quitar a dívida. Os pontos pendentes se concentram no pagamento de 5% da dívida ainda neste ano, e na tributação em cascata – quando a cobrança incide em mais de uma etapa da produção, como na cria, recria e terminação de animais. Com a ameaça de descontinuidade do governo Temer, o receio é de que o acordo fechado não seja cumprido.
– O que já está resolvido não pode cair por terra. Foi a melhor fórmula que conseguimos chegar em uma questão que precisa ser resolvida para não inviabilizar o setor – afirma Pereira.
Receio de investir
Após quase dois anos de retração nos negócios, a indústria de máquinas e implementos agrícolas vinha retomando o ritmo normal de vendas nos últimos meses – até estourar o escândalo da JBS.
– Foi um balde de água fria na fervura. Alguns compradores chegaram a desistir de pedidos – lamenta Claudio Bier, presidente do Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas do Estado (Simers).
O dirigente conta que, mesmo modestamente, a indústria vinha contratando para dar conta de um novo ciclo que se formava até então.
– Quando a coisa começou a andar, voltou toda a incerteza do investidor. Essa instabilidade politica é ruim para todo mundo – avalia Bier.
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Nem mesmo o juro menor para o crédito agrícola, que deverá ser confirmado na próxima quarta-feira, no anúncio do Plano Safra 2017/2018, deverá ajudar a estimular investimentos se o clima de instabilidade persistir.
A taxa do Moderfrota, principal linha de financiamento para máquinas e equipamentos agrícolas, deverá cair um ponto percentual – de 8,5% a 10,5% hoje para 7,5% a 9,5% ao ano. Para as linhas Inovagro e PCA (armazenagem), a redução será de 2 pontos percentuais, de 8,5% para 6,5% ao ano. O corte previsto, ainda a ser confirmado oficialmente, frustrou as expectativas do setor, que esperava uma redução maior diante das quedas da inflação e da Selic.
– O juro é elevado para a inflação acumulada nos últimos 12 meses. Somado a isso, o fato de que as pessoas não investem quando não têm segurança. Em ambientes como o de agora, a melhor postura é a conservadora – recomenda Antônio da Luz, economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado (Farsul).
Agro e política abalados
Responsável por popularizar a qualidade da carne brasileira em campanhas com artistas famosos, a JBS provocou efeito inverso agora ao se envolver em um dos maiores casos de corrupção da história do país. Além de arranhar a imagem do agronegócio, por se tratar de uma das maiores empresas do ramo no mundo, a crise gerou incerteza no mercado de carnes.
– Muitos pecuaristas estão resistindo em fazer operações com a JBS. Grandes varejistas também estão buscando alternativas para compra de carne – diz Alex Lopes, consultor da Scot Consultoria.
A resistência é maior no mercado bovino, onde criadores estão buscando frigoríficos alternativos para entregar a produção. O receio quanto ao futuro da empresa tem gerado medo de calote entre os pecuaristas, especialmente nas compras feitas a prazo.
– Esse movimento fez aumentar a oferta de carne nos frigoríficos, pressionando os preços para baixo – completa Lopes.
Em 32 praças do país analisadas pela Scot Consultoria, 29 registraram queda do valor pago ao produtor na semana seguinte à divulgação da delação premiada dos empresários Joesley e Wesley Batista. A desvalorização média no país foi de 1,6%.
No Rio Grande do Sul, onde a JBS não tem frigorífico bovino, os preços permanecem estáveis. O impacto tende a ser mais sentido nos mercados de carne de frango e suína. Somente no Estado, são mais de 5 mil funcionários em 12 unidades de produção – a maioria herdados da antiga Doux Frangosul, arrendada pela JBS em 2012.