Um dia depois de receber documento de uma coalizão de 230 organizações ambientais e empresas ligadas à indústria e ao agronegócio com propostas para coibir o desmatamento na Amazônia, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, fez uma reunião com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina na quarta-feira (16). Havia ainda participação de integrantes do Itamaraty.
No encontro, eles discutiram as demandas incluídas em documento elaborado pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. O grupo, em uma iniciativa inédita, reúne nomes da área ambiental — como WWF Brasil, WRI Brasil, TNC, Imazon e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) — e empresas do agronegócio e da indústria, como JBS, Klabin, Marfrig, Amaggi, Basf, Danone, Natura e Unilever.
Em geral ocupando posições contrárias sobre a definição de questões ambientais, todos se uniram para apresentar um plano com seis medidas para tentar reduzir a devastação da floresta. Entre essas medidas, está a suspensão de registros que incidem sobre florestas públicas.
A conversa também avaliou um segundo documento recebido ontem pelo governo — este enviado pela Parceria das Declarações de Amsterdã. Na carta endereçada a Mourão, que preside o Conselho Nacional da Amazônia, oito países europeus dizem que o aumento do desmatamento dificulta a compra de produtos brasileiros por consumidores do continente.
A parceria é formada por Alemanha (atualmente na presidência), Dinamarca, França, Itália, Holanda, Noruega e Reino Unido. Os sete países europeus dizem estar comprometidos em eliminar o desmatamento das cadeias de produtos agrícolas vendidos para a Europa. A Bélgica também assinou a carta aberta.
Ao discutirem o teor do documento da coalizão brasileira, o entendimento de Mourão e dos ministros foi o de que as propostas, de alguma forma, já estariam sendo tocadas pelo governo ou iniciadas recentemente. Seria o caso, por exemplo, do tema de regularização fundiária, sob responsabilidade do Ministério da Agricultura.
Situação delicada
A união de ONGs ambientalistas com empresas do agronegócio coloca o governo em uma situação delicada, ao tratar conjuntamente daquilo que o presidente Jair Bolsonaro mais tem repelido, as ONGs, e de uma das áreas mais elogiadas, o agronegócio.
Duas semanas atrás, ao ser criticado pela política ambiental de sua gestão, Bolsonaro chamou as organizações não governamentais que atuam na área de "câncer".
— Você sabe que as ONGs, em grande parte, não têm vez comigo. Boto para quebrar em cima desse pessoal lá, não consigo matar esse câncer, em grande parte, chamado ONG — disse o presidente, durante transmissão semanal nas redes sociais.
A aproximação do agro, indústria e setor financeiro das pautas ambientais, no entanto, estreitou os laços dessas instituições com as ONGs ambientais, com o aumento da pressão para ações concretas do governo. A reportagem questionou a vice-presidência da República sobre possíveis ações que pretenda tomar a partir das novas demandas que recebeu e de que forma viu a nova reação sobre a questão ambiental. Não houve resposta até o encerramento desta edição.
Questionado por jornalistas sobre o assunto, Mourão disse nesta quarta que o governo precisa, de fato, ampliar sua atuação na região, "principalmente a questão da recuperação da capacidade operacional" do Ibama, do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e da Funai.
— Temos de ter uma solução, porque se eu faço um concurso agora para aumentar a capacidade do Ibama e do ICMbio, não posso dizer que essa turma vai trabalhar só na Amazônia pelos próximos 10 anos, porque é contra a legislação atual. Então, tenho de criar um novo mecanismo para contratar gente, para que essa turma saiba que só vai para a Amazônia. Senão, fica dois anos na Amazônia e depois vai querer ir para Fernando de Noronha — disse Mourão, sem dar mais detalhes.
O vice-presidente disse que está planejando uma viagem à Amazônia com embaixadores e que isso vai ocorrer no fim de outubro. Mas Mourão voltou a criticar posicionamentos internacionais sobre o desmatamento.
— Faz parte da estratégia comercial dos países europeus essa questão da cadeia de suprimentos. Temos de fazer a negociação não só comercial, mas diplomática. É aquela mesma conversa que vocês já viram.