Fundos de investimento que gerenciam ativos que somam mais de US$ 3,75 trilhões (mais de R$ 20 trilhões) pediram ao Brasil nesta terça-feira (23) que suspenda o desmatamento na Amazônia em uma carta aberta na qual alertaram que a perda da biodiversidade e as emissões de carbono representam um "risco sistêmico" aos seus portfólios.
Gerentes de fundos de países europeus, asiáticos e sul-americanos expressaram o temor de que o governo do presidente Jair Bolsonaro esteja usando a crise sanitária da covid-19 para avançar sobre a desregulamentação ambiental, o que poderia "comprometer a sobrevivência da Amazônia".
"Estamos preocupados com o impacto financeiro do desmatamento, bem como as violações dos direitos dos povos indígenas, os quais implicam em potenciais consequências para os riscos de reputação, operacionais e regulatórios de nossos clientes e empresas investidas", diz a carta.
Enquanto as medidas de quarentena relacionadas com a pandemia do coronavírus provavelmente deverão resultar numa queda de alguns pontos percentuais nas emissões mundiais de carbono, o desmatamento crescente na Amazônia poderia elevar a contribuição anual do Brasil ao aquecimento global.
Ambientalistas alertam que 2020 está em vias de se tornar o ano mais destrutivo de que se tem registro para a maior floresta tropical do planeta, com inclusive mais perdas do que nos incêndios devastadores que geraram indignação em todo o mundo no ano passado.
Um total de 829 quilômetros quadrados da Amazônia brasileira, 14 vezes a área da ilha de Manhattan, em Nova York, foram perdidos para o desmatamento só em maio, segundo dados de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
A cifra corresponde a um aumento de 12% com relação ao desmatamento do ano passado e marca o pior mês de maio desde que os registros começaram a ser feitos, em agosto de 2015.
Ativistas acusam o presidente Jair Bolsonaro, um cético das mudanças climáticas, de incentivar os responsáveis pelo desmatamento com pedidos para legalizar a agropecuária e a mineração em terras protegidas.
Uma das ações do governo federal que geram preocupação dos investidores é o Projeto de Lei (PL) 2633/2020, que trata da regularização fundiária e é apelidada de "PL da Grilagem" por ambientalistas.
"Estamos profundamente preocupados com a Medida Provisória 910 (recentemente alterada para PL 2633/2020), (...) que legalizaria a ocupação de terras públicas, principalmente concentradas na Amazônia" e colocaria "em risco a sobrevivência da Amazônia e o cumprimento das metas do Acordo de Paris, prejudicando também os direitos das comunidades indígenas e tradicionais", emendaram.
O PL já foi alvo de ameaças de parceiros comerciais do Brasil. Em maio, as principais redes de supermercados britânicas ameaçaram em carta aberta a deputados e senadores boicotar produtos produzidos no Brasil, ao se manifestarem "profundamente preocupados" com uma medida que, se aprovada, provocaria mais desmatamento.
Em junho, um grupo de legisladores americanos, liderado pela representante indígena Deb Haaland pediu ao Congresso brasileiro que rejeite o projeto de lei, por considerá-lo "muito prejudicial" para a Amazônia.
Direito dos povos indígenas
Agora, os gestores dos fundos, que coletivamente controlam mais de US$ 3,75 trilhões em ativos, solicitaram ao governo Bolsonaro que demonstre um "compromisso claro" com a redução do desmatamento e a proteção dos direitos dos povos indígenas.
Seiji Kawazoe, do japonês Sumitomo Mitsui Trust Asset Management – uma das mais de duas dezenas de empresas que assinaram a carta aberta desta terça-feira – disse que evitar os impactos negativos das mudanças climáticas se tornou a preocupação principal da holding.
— A Amazônia é uma das áreas primárias de floresta tropical que impactam o clima global e nos unimos à carta para pedir uma ação urgente do governo para que evite adotar ações que tenham um impacto negativo para as mudanças climáticas — disse ele à AFP.
A maioria dos signatários são membros da Investor Initiative for Sustainable Forests (Iniciativa de Investidores pelas Florestas Sustentáveis), da qual participam empresas expostas ao desmatamento por seus investimentos na produção de soja e criação de gado.
Os fundos representados na carta incluem a britânica LGPS Central, a francesa Comgest e o KLP, o maior fundo de pensões da Noruega.
"Como instituições financeiras, que têm o dever fiduciário de agir no melhor interesse de nossos clientes a longo prazo, reconhecemos o papel crucial que as florestas tropicais desempenham no combate às mudanças climáticas, na proteção da biodiversidade e no fornecimento de serviços ecossistêmicos", escreveram.
"Queremos continuar investindo no Brasil e ajudar a mostrar que o desenvolvimento econômico e a proteção do meio ambiente não precisam ser mutuamente exclusivos. Portanto, instamos o governo do Brasil a demonstrar um claro compromisso com a eliminação do desmatamento e a proteção dos direitos dos povos indígenas", solicitaram.