Cientistas relataram na semana passada que descobriram os fósseis mais antigos de fungos de que se tem conhecimento, uma descoberta que pode mudar nosso entendimento de como a vida migrou pela primeira vez dos oceanos para o ambiente terrestre.
Esses organismos são os gigantes invisíveis do mundo natural, embora a maioria das pessoas apenas tome conhecimento deles ao avistar cogumelos em uma trilha ou fatiados em cima de uma pizza.
Até agora, os cientistas identificaram aproximadamente 120.000 espécies de fungos, mas estimam que existam até 3,3 milhões no total. Como base comparativa, todos os mamíferos vivos somam menos de 6.400 espécies.
Esse sucesso obtido pelos fungos decorre, em grande parte, da forma como se alimentam. Em vez de absorver a luz do sol, como as plantas, ou devorar outros organismos, como os animais, eles vomitam enzimas que quebram células, ou até mesmo rochas, que estejam próximas e depois as sugam.
A estratégia é usada de maneiras diversas. Alguns atacam o corpo humano, causando sérios riscos à saúde. Outros tipos prosperam na pele de sapos e salamandras, ameaçando centenas de espécies com o risco de extinção. As plantas também são vítimas: alguns fungos representam grande ameaça aos cultivos no mundo todo.
Contudo, muitos outros fungos são parceiros de animais e plantas. Alguns crescem na barriga de vacas para ajudá-las a digerir a grama dura que comem. Grande parte das plantas entrelaça suas raízes com redes de filamentos de fungos subterrâneos, que lhe fornecem nutrientes.
E, quando as plantas e os animais morrem, os fungos usam suas poderosas enzimas para decompor rapidamente o tecido morto, liberando nutrientes que podem ser aproveitados por quem segue vivo. O mundo se transformaria em uma casa mortuária fétida se os fungos desaparecessem.
[O]s esporos e as gavinhas produzidas pelos fungos geralmente não formam fósseis, o que torna essa história difícil de desvendar.
A importância ecológica desses organismos fez com que os cientistas se debruçassem sobre sua história evolutiva. Mas os esporos e as gavinhas produzidas pelos fungos geralmente não formam fósseis, o que torna essa história difícil de desvendar.
No início dos anos 1900, pesquisadores descobriram uma coleção de fósseis de fungos na Escócia que tinha 407 milhões de anos. Os organismos tinham se transformado em pedra em fontes termais ricas em minérios e até os detalhes mais microscópicos tinham sido preservados. Alguns deles parecem ter se associado a plantas, que também deixaram fósseis nas pedras. Outros aparentemente eram do tipo que decompunham matéria morta das plantas.
Até hoje, acreditava-se que esses fósseis eram a evidência mais clara e antiga dos fungos. Muitos cientistas os consideravam um retrato dos primórdios da ocupação terrestre. Fungos e plantas chegaram ao solo juntos como parceiros ecológicos, era o que parecia. Juntos, eles teriam transformado o terreno estéril que era o solo em um vasto habitat. Contudo, recentemente, alguns estudiosos ficaram insatisfeitos com esse cenário.
Ao compararem o DNA de diferentes espécies, os cientistas desenharam uma árvore evolutiva dos fungos. Se os fósseis escoceses estivessem entre os membros mais jovens do reino Fungi, seria de esperar que um fungo vivo tivesse um ancestral comum não muito mais antigo do que 407 milhões de anos. Mas não é isso que as árvores de DNA revelam. Os genes de fungos vivos indicam que seu ancestral comum viveu há mais um bilhão de anos.
Será possível que exista uma falha de 600 milhões de anos no registro de fósseis? Nos últimos anos, cientistas têm procurado fungos em pedras que sejam mais velhos do que os achados na Escócia. Eles encontraram um punhado de fósseis microscópicos que parecem ser de fungos. Entretanto, eram ambíguos demais para convencer muitos dos especialistas.
Os novos fósseis vieram à luz durante uma expedição às orlas do Arquipélago Ártico Canadense. Em 2014, Robert Rainbird, cientista e pesquisador da Comissão Geológica do Canadá, notou manchas pretas sobre um pedaço de xisto. Ele sabia que, às vezes, manchas como aquelas podem ser fósseis. "Pensei: 'É melhor coletar um pouco disso, porque parece promissor'", relatou.
Rainbird enviou as amostras para Emmanuelle Javaux, paleontóloga da Universidade de Liège, na Bélgica. Ela, por sua vez, pediu a Corentin Loron, seu aluno, que as analisasse. Loron submergiu as pedras em um banho ácido para soltar os minerais. O que restou foi uma pasta preta de matéria orgânica, a qual ele espalhou em diversas lâminas. Ao analisá-las no microscópio, viu centenas de fósseis minúsculos.
Eram organismos unicelulares muito maiores do que bactérias. Mas Loron não conseguiu determinar com precisão o que eram. A análise de Rainbird sobre as pedras mostrou que eles tinham se fossilizado há um bilhão de anos em um estuário, local onde um rio deságua no mar.
Em uma expedição, em 2017, Rainbird, Loron e outros colegas descobriram alguns fósseis peculiares nas pedras. Eram compostos de esferas parecidas com esporos, geralmente ligadas a longos filamentos dos quais germinavam ramificações em forma de T – o tipo de forma encontrada hoje nos fungos.
Loron usou microscópios eletrônicos para investigar as estruturas e descobriu que as esferas e os filamentos tinham paredes duplas, marca distintiva dos fungos. Para ver quais moléculas estavam contidas nos fósseis, Loron e seus colegas acionaram raios infravermelhos sobre eles e mediram a luz liberada pelas estruturas.
Três fósseis produziram um padrão que coincide com o encontrado em uma proteína chamada quitina. Todos os fungos produzem quitina para construir suas grossas paredes. Os pesquisadores concluíram que haviam encontrado um fungo ancestral, o qual batizaram de Ourasphaira giraldae.
"Essa é a primeira evidência de que os fungos têm um bilhão de anos, embora já acreditemos nisso há muito tempo", disse Mary Berbee, micologista da Universidade da Colúmbia Britânica, que não estava envolvida na nova pesquisa. Entretanto, tanto ela quanto outros especialistas disseram que ficarão mais seguros sobre as descobertas assim que mais dados forem divulgados, especialmente sobre a composição química dos fósseis.
"Não tenho dúvida de que sejam fósseis, e isso basta para me fascinar", disse George Cody, geoquímico orgânico no Instituto de Ciência Carnegie, em Washington. Entretanto, ele acrescentou que os resultados dos raios infravermelhos poderiam ter sido produzidos por outras moléculas além da quitina.
Se os fósseis do Ártico são realmente fungos, o mistério passa a ser como esses organismos produtores de gavinhas conseguiram sobreviver. Hoje, esse tipo de fungo atinge grandes dimensões por se alimentar de matéria vegetal. Há um bilhão de anos, porém, os fungos não tinham plantas terrestres que os alimentassem. Os fósseis mais antigos de plantas de que se tem conhecimento não têm mais do que 470 milhões de anos.
"Os fungos provavelmente colonizaram a terra antes das plantas", afirmou Loron.
Mesmo assim, eles tinham de se alimentar de alguma coisa. Uma possibilidade: bactérias. Pesquisadores descobriram sinais de que crostas de bactérias cresciam na terra há 3,2 bilhões de anos.
É também possível que esses fungos ancestrais vivessem no fundo do estuário, talvez se deleitando nos tapetes de algas submarinas. As plantas terrestres evoluíram a partir das algas verdes e, por isso, talvez, o habitat do estuário pode ter sido onde os fungos e os ancestrais das plantas firmaram a primeira parceria.
Por Carl Zimmer