Nova York – A maioria dos avanços da medicina beneficia os vivos.
Este é para os mortos.
Em breve, uma pessoa com morte cerebral, provavelmente um homem, será encaminhado para o departamento de cirurgia plástica do centro médico Langone da Universidade de Nova York em Manhattan. Lentamente, um técnico vai fazer um escaneamento de seu rosto, registrando os detalhes e contornos.
Então, cirurgiões cortarão o rosto da pessoa que está morrendo e irão anexá-lo a um homem desfigurado que vem esperando por um transplante de face desde o verão passado.
E no centro, em um porão que poderia facilmente ser confundido com uma loja da Kinko's, uma equipe de especialistas em impressoras 3D da Universidade de Nova York fará sua própria mágica. Eles pretendem gerar uma réplica tão realista do rosto escaneado do doador que seus familiares se sentirão confortáveis em usá-la durante o enterro da pessoa amada, mesmo com o caixão aberto.
Até hoje, o máximo que a medicina podia oferecer a um doador como substituição de face era uma máscara de silicone feita com um molde e as características pintadas.
"A máscara de silicone talvez tenha 75 por cento de precisão. A impressa em 3D pode ter cerca de 95 por cento", afirma Eduardo Rodriguez, diretor do programa de transplante de face do centro Langone.
Médicos do jovem campo de transplantes de face estão dados passos largos, enxertando pele, ossos, nervos e músculos para dar esperança e uma vida nova aos pacientes. Em 2015, Rodriguez realizou em um ex-bombeiro o mais extensivo transplante desse tipo feito até hoje.
Porém, os médicos não podem fazer nada sem um doador. E pedir para a família doar o rosto da pessoa que morreu não é como pedir um coração ou um pulmão. Os grupos de aquisição de órgãos para transplantes dizem que, para a maioria das famílias, remover a face da pessoa seria comparável a uma segunda perda.
A esperança da NYU é simples: um substituto melhor para o rosto vai encorajar mais famílias de doadores em potencial a dizerem sim, diminuindo o tempo de espera para os poucos, mas desesperados candidatos a transplantes faciais.
Helen Irving, presidente da LiveOnNY, uma rede que junta doadores de órgãos a quem precisa deles, diz que a máscara 3D pode "fazer com que o caminho da doação seja mais confortável, e talvez mais fácil, para os entes queridos dos doadores".
O centro de impressão em 3D da Universidade de Nova York, o LaGuardia Studio, alojado em um prédio parecido com um centro comercial no sul do Washington Square Park, imprime com mais frequência projetos para os departamentos de Artes e de Engenharia. O processo de imprimir um rosto, porém, é o mesmo, apenas mais acelerado, porque o hospital precisa devolver o corpo do doador para a família o mais rapidamente possível.
"Estamos essencialmente condensando o que gostamos de fazer em duas semanas em 36 horas", conta o gerente do estúdio, Andrew Buckland.
Funciona assim: o equipamento manual que escaneia o rosto do doador possui cinco lentes de câmeras que o capturam em ângulos variados. Ele projeta uma grade no rosto, permitindo que o escâner construa um mapa tridimensional.
Depois de escanear a face, os técnicos passam várias horas ajustando os arquivos nos computadores do estúdio – "o equivalente a arrumar a impressão com os dedos", diz Buckland – e os mandam para uma grande impressora cheia de cartuchos de um fotopolímero à base de acrílico.
A impressora deposita camadas tão finas que são necessárias 1.500 para fazer 2,5 centímetros. Um rosto pode exigir 10 mil camadas e leva mais de 24 horas para ser impresso.
A máscara plástica resultante é dura, não flexível, mas se o modelo em baixa resolução feito do rosto de um administrador do hospital servir como indicação, será incrivelmente realista. Mesmo em baixa resolução, a máscara captura as pequenas variações de cor, textura e reflexo de um milímetro para o outro que caracterizam a pele real: as inúmeras imperfeições que compõem a realidade.
"Com uma versão em alta resolução, é possível literalmente ver os poros", afirma Buckland.
Os técnicos então correm com a máscara para o hospital, onde o rosto do doador, como outros órgãos, terá sido removido enquanto ele está no suporte vital "porque queremos conseguir um rosto quando o coração ainda está batendo", diz Rodriguez. (Rodriguez afirma que regras de confidencialidade o impedem de revelar qualquer coisa sobre o paciente que está esperando por um transplante: "Ele tem danos significativos, é tudo o que posso dizer".)
Depois da morte do doador, os médicos colocam a máscara sobre a superfície do rosto e escondem a costura no local onde ela encontra o cabelo ou a pele com um curativo – "como uma incisão que foi coberta", diz Rodriguez.
Ele teve a ideia de imprimir o rosto em 3D em 2015 depois de fazer um transplante facial total – que incluiu couro cabeludo, orelhas, pálpebras, nariz e lábios – em Patrick Hardinson, um ex-bombeiro do Mississippi cuja face foi queimada em um incêndio em um trailer. Ele estava em uma lista de espera há mais de um ano.
O grupo de possíveis doadores era limitado. A permissão na carteira de motorista para doação de órgãos não se estende ao rosto, então os familiares precisam ser consultados diretamente, e a família de um possível doador retirou o consentimento no último minuto, segundo um artigo da New York Magazine sobre a cirurgia.
No final, Hardinson recebeu o rosto de um mecânico de bicicleta de 26 anos do Brooklyn chamado David Rodebaugh que entrou em coma depois de sofrer um acidente pedalando.
Quando Rodriguez se encontrou com a família de Rodenbaugh antes da operação, eles perguntaram como ficaria o corpo do jovem, e o médico explicou sobre a máscara de silicone e suas limitações, conta. Eles concordaram em remover o rosto. "Seu foco principal era que o filho ajudasse a maior quantidade de gente possível", conta Rodriguez.
A máscara impressa em 3D, segundo Rodriguez, mostraria gratidão pelo sacrifício da família.
"Tentamos respeitar a dignidade de um indivíduo que abriu mão de seu rosto", diz ele.
Por Andy Newman e Marc Santora