Leia mais:
Em agosto, uma mudança nos termos de serviço do WhatsApp acendeu um alerta. A empresa anunciou que passaria a compartilhar os dados dos usuários com o Facebook, empresa dona do serviço desde 2014. O assunto gerou curiosidade entre os usuários e preocupação entre autoridades internacionais e nacionais, que afirmam que essa medida fere diretamente a privacidade e os direitos de quem usa o aplicativo. Nesta quarta-feira, a imprensa internacional noticiou que, na Europa, o Facebook interrompeu o compartilhamento de dados com o WhatsApp para fins publicitários.
O aplicativo de mensagens atingiu a marca de 1 bilhão de usuários em 2016 – cerca de 100 milhões deles estão no Brasil. Para se ter uma ideia, segundo o Google, no país, os termos "dados" e "WhatsApp" atingiram o pico da popularidade de buscas na época do comunicado (veja o gráfico abaixo).
O Brasil ainda não tem uma lei de dados em vigor que possa ser aplicada para proteger o usuário. Soma-se a esse cenário os pedidos de investigação de órgãos como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) que ainda não foram respondidos pelo governo, não há perspectiva (pelo menos a curto prazo) para frear o compartilhamento de dados do WhatsApp com o Facebook no país.
Na economia da reputação, qual é a sua nota?
WhatsApp suspende repasse de dados de usuários europeus ao Facebook
WhatsApp muda termos de uso e compartilhará dados com Facebook; entenda
Uma das preocupações de especialistas em privacidade, foi o prazo dado pela empresa para os usuários do aplicativo, que deveriam optar pelo não compartilhamento de suas informações pessoais. Para quem perdeu a chance de dizer não e não concordaria com a troca de informações do WhatsApp com as demais empresas de Mark Zuckerberg, restaria apenas deletar o app.
Com essa mudança nos termos de uso, o Facebook e outras companhias do grupo podem trocar informações de conversas de usuários – mas não as mensagens em si, que são criptografadas – para fazer sugestões de contatos, conteúdos "interessantes" ou mostrar ofertas e anúncios "relevantes". Isso significa que a rede social pode usar os dados que coletou para mostrar anúncios de acordo com o comportamento de cada pessoa no aplicativo de mensagens. É possível que quem optou por compartilhar seus dados veja mais anúncios e sugestões de amigos com base nos seus contatos.
– O conteúdo da mensagem em si não pode ser acessado, mas os metadados, sim, e esses são mais baratos e eficientes para fazer a mineração, traçando consistências e padrões. Não é preciso ter o conteúdo da mensagem, mas podendo ver a hora, quanto tempo dura a conversa e os horários, já se pode ter uma ideia do teor e do perfil das conversas – afirma Paulo Rená, chefe de pesquisa do Instituto Beta Para Internet e Democracia (Ibidem).
Em entrevista a Zero Hora, o americano Mark Weinstein, ativista e especialista em privacidade e criador da rede social MeWe, critica a postura do WhatsApp, que teria "fugido" de sua missão inicial.
– Isso é chocante, porque o WhatsApp construiu toda sua reputação baseada na privacidade e na segurança, mas agora o aplicativo rastreia com quem você fala, quanto tempo e onde. E tudo isso, junto a outros dados, vai para um grande centro de dados que é usado, transferido, vendido e usado para anúncios. No capitalismo, empresas nunca precisaram espionar seres humanos para ganhar dinheiro – afirma.
No Reino Unido, o escritório do comissário de informação (ICO, na sigla em inglês), um órgão independente responsável por promover e proteger os direitos relacionados à privacidade e a informações, exigiu que o WhatsApp parasse de compartilhar dados dos seus cidadãos, o que foi atendido no começo deste mês. A comissária de informação Elizabeth Denham escreveu um artigo para o jornal The Guardian dizendo que esse seria um problema crescente no mundo atual. "Há uma tendência de grandes empresas de tecnologia em comprar serviços menores de olho nas informações dos seus usuários", diz. Nos Estados Unidos, ONGs como a Electronic Privacy Information Center (Epic, na sigla em inglês) também já requisitaram medidas contra essa mudança nos termos de uso do WhatsApp.
No Brasil, o projeto de lei 5.276/2016, que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, tramita no Congresso desde maio. Elaborado pelo Executivo, com participação popular, prevê a criação de uma agência reguladora para o assunto e de parâmetros de privacidade e proteção, dizendo quais informações e como as empresas e o poder público podem tratar e coletar dados de usuários. Nisso, entraria o caso do WhatsApp, mas também outros em que o consumidor fica exposto, para dar mais segurança e rumo para as empresas e startups brasileiras que trabalham com dados de usuários.
– Você vai no posto de gasolina e abastece seu carro e paga com cartão. O que o posto faz com os seus dados? Programas para incentivo de tributos, por exemplo, não há regulamentos expressando o que o Estado pode fazer com esses dados, se poderia cruzar com informações do Imposto de Renda. Essa lei vai estabelecer uma norma expressa e detalhada sobre isso – diz Rená.
Junto a esse projeto de lei, outro, elaborado pelo deputado João Derly (REDE-RS), quer incluir um inciso específico ao Marco Civil, a "Constituição da internet", prevendo que empresas não possam compartilhar dados pessoais, exceto mediante consentimento. Para Rená, porém, o consentimento em si do usuário não seria suficiente.
– E se você usa para o trabalho? O que vai fazer, deletar o aplicativo que é usado por milhões? – questiona Rená.
Idec vai ao Ministério da Justiça
Em setembro, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) enviou um ofício à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacom) do Ministério da Justiça pedindo uma investigação sobre o compartilhamento de dados do WhatsApp com o Facebook. Nesta semana, o Idec reforçou o pedido. Para Rafael Zanatta, pesquisador em telecomunicações do órgão, que também assinou o documento, houve clara violação dos direitos do usuário e ausência de informações claras de como acontece a coleta e o tratamento de dados. Segundo o Idec, WhatsApp e Facebook também não explicitaram que o uso das informações seria para fins comerciais e houve consentimento forçado para os usuários. Segundo ele, não houve uma manifestação da pasta sobre o caso.
– Várias autoridades do mundo concordam e suspeitam que os usuários do WhatsApp não foram informados. Se tivéssemos a lei e um órgão regulador, esse trabalho seria iniciado imediatamente, mas nós já temos uma estrutura que vinha funcionado para realizar medidas cautelares com base no Marco Civil e com o Código de Defesa do Consumidor. A Senacom já tem experiência para atuar nessas questões, pois já atuou em outros casos de violação de privacidade – afirma Zanatta.
Na última sexta-feira, a assessoria de comunicação do Ministério da Justiça e Cidadania afirmou, por meio de nota, que respondeu à correspondência do Idec em 3 de outubro. O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) afirma que o Facebook enviou uma resposta ao governo, que está sob "cuidadosa" análise. No país, a relação das autoridades com as empresas de Zuckerberg tem um histórico conturbado, tanto é que, em alguns casos, juízes interromperam o serviço temporariamente.
"Desde o recebimento da Carta, o DPDC vem se empenhando em apurar os fatos informados pelo Idec. Tanto é assim que três dias depois o Departamento notificou o Facebook – na falta de representantes diretos do WhatsApp no Brasil – para que a empresa, que controla o grupo econômico do qual o mensageiro faz parte, pudesse prestar esclarecimentos acerca do que foi levantado pelos representantes dos consumidores", dizia o comunicado da pasta.