Os sapatinhos vermelhos usados por Alice Beatriz Rodrigues na festa de aniversário de um aninho estão entre as recordações guardadas pelos familiares da criança, executada a tiros junto dos pais Douglas Araújo da Silva, 29 anos, e Sabrine Panes Rodrigues, 24, em setembro de 2018, no mesmo dia em que o aniversário foi celebrado. Nesta quinta-feira (23), cinco réus vão a julgamento pelo crime.
Cinco anos se passaram entre a noite na qual a família deixou o salão de festas na zona norte de Porto Alegre e foi perseguida por criminosos armados. O carro em que eles estavam foi alvo de mais de 50 disparos de fuzil e pistola, matando a bebê e os pais.
Vão a júri Maycon Azevedo da Silva, 28 anos, Leandro Martins Machado, 33, Nícolas Teixeira da Rosa, 28, Anderson Boeira Barreto, 31, e Michel Renan Bragé de Oliveira, 26. Os cinco negam envolvimento na execução. Há ainda um sexto réu, em processo separado, sem previsão de julgamento.
Este julgamento deveria ter ocorrido no fim de setembro, mas precisou ser adiado em razão da falta de jurados. Eram necessários, no mínimo, 25 possíveis jurados, mas somente 22 pessoas convocadas compareceram. Desta vez, segundo o Judiciário, no mês de novembro, além do sorteio mensal, houve dois sorteios suplementares de jurados. A expectativa, então, é de que a situação não se repita.
Os avós paternos de Alice também esperam que dessa vez o julgamento chegue ao final. Desde que o filho, a nora e as netas — Sabrine estava grávida — foram mortos, o casal vive com medo. Mudaram-se de residência diversas vezes ao longo desses cinco anos. Os dois estão entre as testemunhas de acusação a serem ouvidas durante o júri.
— Quando eu escutei (os tiros), ainda estava uma chuva, eu pensei: o que será que estão comemorando com essa chuva? Estavam matando meu filho, minhas netas, minha nora. O dia mais triste da minha vida. E eu convivo com isso — disse a avó paterna, logo após o júri cancelado em setembro.
Segundo a investigação da Polícia Civil, Douglas, que estava foragido, era integrante de uma facção criminosa, e foi executado por um grupo rival. Áudios obtidos durante a apuração indicaram, no entanto, que os atiradores sabiam que a bebê e a mulher estavam no carro, e chegaram, inclusive, a cogitar invadir o salão onde era realizada a festa, mas refutaram em razão da presença de muitas pessoas, inclusive outras crianças.
— Eles destruíram tudo. Perdi tudo, na verdade. Não tenho mais nada — desabafou o avô de Alice, aos 56 anos.
O papel de cada um
Michel Renan, Maycon e Anderson são acusados de planejar o crime com os comparsas e ir até o local da festa da criança armados. Após perseguição, teriam sido os responsáveis por atirar contra o carro onde estavam os pais e a bebê. Nicolas é apontado como o responsável por fornecer e dirigir um dos veículos usados na execução. Os quatro estão presos na Penitenciária Estadual do Jacuí e na Penitenciária Modulada Estadual de Charqueadas. Leandro Martins Machado, suspeito de ter vigiado as vítimas durante a festa e alertado os demais sobre a saída delas, segue foragido.
— A expectativa é de condenação, uma vez que as provas são claras, no sentido da culpa dos réus. Esse processo é realmente diferente, pelo resultado que foi causado pelos réus. E é, infelizmente, mais uma consequência da guerra entre facções criminosas que assola Porto Alegre e o Rio Grande do Sul. São três vítimas inocentes se considerarmos que a Sabrine, que é companheira do Douglas, estava grávida. Pessoas que não têm qualquer relação com o tráfico e também têm suas vidas ceifadas pela guerra de facções — afirma o promotor de Justiça Octavio Cordeiro Noronha.
O júri
A sessão está prevista para começar às 9h15min, no plenário da 3ª Vara do Júri de Porto Alegre. A expectativa é de que o júri se estenda até a sexta-feira (24).
A primeira etapa será o sorteio dos sete jurados — defesas e acusação podem recusar até três, sem justificativa. Após ser formado o Conselho de Sentença, serão ouvidas 12 testemunhas.
Pelo Ministério Público, foram indicadas cinco pessoas para falar no plenário, entre elas os pais de Douglas e a mãe de Sabrine. Também pela acusação estão previstos o depoimento do delegado Cassiano Cabral, na época titular da 3ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e responsável por investigar o crime, e uma perita criminal, que produziu um dos laudos do caso. As demais testemunhas devem falar pelas defesas.
Por fim, os réus devem ser interrogados — eles podem optar por permanecer em silêncio, se preferirem. Logo depois, o julgamento entra na fase dos debates entre acusação e defesas. Em razão do júri de mais de um réu, o tempo é estendido. Na primeira fase dos debates, tanto o MP quanto as cinco defesas juntas terão duas horas e meia cada. Caso haja réplica, a acusação poderá usar até mais duas horas e na tréplica as defesas juntas têm direito ao mesmo tempo para apresentar os argumentos.
No fim, os jurados se reúnem em sala secreta e definem se os réus são culpados ou não pelos crimes. Cabe ao juiz que preside o julgamento, Marcos Braga Salgado Martins, titular do 1º juizado da 3ª Vara do Júri, em caso de condenação, estipular as penas.
Os crimes
Os cinco serão julgados por três homicídios triplamente qualificados e associação criminosa. Pela morte da criança ainda há possível aumento de pena, em caso de condenação, por se tratar de menor de 14 anos.
Entenda as qualificadoras dos assassinatos:
- Motivo torpe — Segundo a acusação, o crime foi motivado por desavenças envolvendo disputas pelo tráfico de drogas. Douglas é apontado como o alvo da ação, porque, segundo o Ministério Público, integrava facção rival à dos atiradores. Ele já havia sido preso por tráfico e, quando foi morto, estava foragido.
- Emboscada — Os executores vigiaram a movimentação das vítimas, aguardando o momento para o ataque, além de estarem em maior número e portando armas.
- Perigo comum — Isso porque foram disparadas dezenas de tiros contra as vítimas no meio da rua, colocando em risco a vida de outras pessoas.
Contrapontos
O que diz a defesa de Anderson Boeira Barreto
A defesa sustentou à Justiça a ausência de provas da autoria dos crimes. Pediu, com base nisso, a absolvição sumária ou impronúncia. Também pediu afastamento das qualificadoras e a concessão ao réu do direito de apelar em liberdade. Quando interrogado, Anderson negou envolvimento. A Defensoria Pública do Estado, que representa o acusado, informou que irá se manifestar somente no plenário do júri.
O que diz a defesa de Leandro Martins Machado
À Justiça, a defesa sustentou que não havia provas nos autos da participação do cliente. Durante a instrução, a defesa apresentou testemunhas que informaram que Leandro estaria trabalhando na lancheria da mãe na noite do crime. Ainda assim, a Justiça entendeu que esses relatos não permitem afastar de forma imediata a acusação contra o réu. Leandro não pôde ser ouvido durante a instrução processual para apresentar sua versão, por estar foragido. O advogado Marcelo Wojciechowski Dorneles enviou nota sobre o caso:
"A defesa de Leandro manifesta que o cliente não tem nenhuma relação com os fatos. Desde 2019 sofre com uma acusação injusta por fatos graves, havendo provas que serão demonstradas neste sentido, excluindo a sua participação. Aguardamos pelo julgamento com serenidade e que a devida justiça possa ser feita."
O que diz a defesa de Maycon Azevedo da Silva
A defesa pediu a absolvição sumária ou impronúncia do acusado, e alegou que não há provas da participação dele nos crimes. Em seu interrogatório judicial, o réu se reservou ao direito de permanecer em silêncio. A Defensoria Pública do Estado, que representa o acusado, informou que irá se manifestar somente no plenário do júri.
O que diz a defesa de Michel Renan Bragé de Oliveira
A defesa alegou à Justiça total ausência de indícios de que ele seja o autor do crime. Pediu a impronúncia ou absolvição sumária, além do afastamento de qualificadores e revogação da prisão preventiva. O réu optou por não se submeter ao interrogatório judicial. GZH entrou em contato com a advogada Tatiana Vizzotto Borsa, que informou que não pretende se manifestar à imprensa.
O que diz a defesa de Nicolas Teixeira da Rosa
À Justiça, a defesa sustentou que não existem provas do envolvimento do réu no crime e pediu a absolvição do cliente, além da revogação da prisão preventiva. Quando interrogado, Nicolas negou participação. A advogada Hevelin Ferreira enviou nota sobre o caso:
"A Defensa de Nicolas Teixeira da Rosa vem a público esclarecer que até o presente momento, o que se tem nos autos são suposições da acusação. Não se tem provas concretas da participação de Nicolas Teixeira da Rosa no crime em questão, mantendo-se, assim, a coerência com base no princípio constitucional da presunção de inocência.
Importante esclarecer, que quem vai decidir se o réu é ou não culpado, serão os jurados, com base nas provas que instruem o processo o que será comprovado que o mesmo não teve qualquer participação no crime."
O que diz a defesa de Émerson Alex dos Santos Vieira
Émerson é o sexto réu, que responde a processo separado, e é apontado como mandante. O advogado Rodrigo Schmitt da Silva informou que a defesa de Émerson recorreu da decisão de enviar o réu a júri, e o caso aguarda decisão sobre o recurso. Ainda não há data para este julgamento. Confira a manifestação:
"Quanto ao Emerson Alex dos Santos Vieira, o Egrégio Tribunal de Justiça ainda não analisou um recurso de Embargos Declaratórios proposto pela defesa. Por esta razão, o julgamento dele deverá ser aprazado para outra oportunidade."