A Polícia Civil segue tentando identificar o motorista da Uber que mudou o trajeto de uma corrida e ameaçou deixar a passageira em uma rua deserta na Vila Cruzeiro, em ponto conhecido pela presença de grupos que dominam o tráfico de drogas, em Porto Alegre. Segundo a mulher, o comportamento do condutor se tornou agressivo depois que ele soube a posição política dela. O caso aconteceu há cerca de um mês, na noite de 11 de outubro, entre os dois turnos das eleições.
O episódio foi registrado pela passageira e é investigado pela 20ª Delegacia de Polícia da Capital. De acordo com a delegada Luciana Smith, as equipes buscam identificar o condutor responsável pela ação.
— Essas empresas de aplicativo costumam demorar para nos dar qualquer tipo de resposta. Então tentamos obter as informações também pelos nossos meios, para agilizar. Pela placa do carro, conseguimos chegar ao proprietário do veículo, mas não conseguimos contato com ele até o momento. Esse proprietário não era quem estava dirigindo, provavelmente o carro foi locado por esse condutor que fez a viagem.
As equipes tentarão ouvir o motorista para verificar o que ocorreu. A passageira também ainda deve ser ouvida. O caso deve ser investigado por ameaça, segundo a delegada. Não há previsão para conclusão do inquérito.
A Uber se manifestou por meio de nota, afirmando que "não tolera qualquer forma de discriminação" e que essa conduta pode levar a desativação de condutores da plataforma. Disse ainda que respondeu ao ofício da Polícia Civil na última quinta-feira (10). A empresa não informou se o motorista segue ou não trabalhando pelo aplicativo (confira o posicionamento completo abaixo).
Passageira relata crises de ansiedade e dificuldade para dormir
Um mês após a corrida, a passageira, que prefere não se identificar, conta que ainda lida com os efeitos deixados pela conduta do motorista. Ela relata que tem problemas para dormir e enfrenta ansiedade no dia a dia:
— Nunca mais consegui chamar Uber. Desde aquele dia tenho crises de ansiedade, dificuldade para dormir, tenho tomado medicamentos para isso. Acordo com sobressaltos. Foi algo muito assustador.
Ela conta que a corrida daquele dia começou na Cidade Baixa, depois saiu do trabalho, e tinha como destino o bairro Santa Tereza, próximo à UniRitter, na zona sul de Porto Alegre, onde ela mora.
Segundo a mulher, o homem teria ficado agressivo e mudado o trajeto da corrida após ouvir uma conversa dela com um amigo por telefone.
— Eu recebi uma ligação de um amigo que estava me cumprimentando pelo meu aniversário. Conversamos sobre várias coisas, inclusive sobre as eleições (o caso ocorreu antes da votação do segundo turno). O motorista ouviu nossa conversa, chegou a conclusão que eu era eleitora do Lula e aí resolveu não cumprir o combinado.
Conforme o relato, o motorista entrou em uma rua que não fazia parte do trajeto de forma brusca, derrubando as bolsas dela, que estavam sobre o banco.
— Ele passou a dizer que se eu voto em bandido, eu deveria me juntar a eles, não ter medo. Passou a dirigir de forma muito agressiva e a me xingar. Foi para dentro da Cruzeiro, falou que a corrida estava encerrada e me mandou descer. Eram 21h30min, não tinha ninguém na rua, estava escuro. Para uma mulher sozinha aquela hora, eu não via como descer ali e pedir socorro, ia ficar muito exposta. Eu disse para ele que meu endereço não era ali, que nao ia descer.
A passageira contou que, diante da negativa, o homem teria passado a rodar com o carro pela região, afirmando que estava "passeando para ver onde iria deixá-la".
Só depois ela a levou ao endereço de destino. A passageira acredita que isso só ocorreu porque ela se negou a descer em outro local.
— Inclusive quando ele então decidiu me levar em casa, disse: "Eu sou um eleitor do (presidente Jair) Bolsonaro bonzinho, porque vim te deixar aqui. Se fosse eleitor do PT, tinha te obrigado a descer na Cruzeiro". Quando cheguei em casa, tive uma crise de pânico, precisei ser socorrida pela minha família — lembra a passageira.
A mulher afirma que, para não ficar sozinha naquela noite, voltou para a Cidade Baixa para ficar na casa de familiares. No dia seguinte, ela registrou o boletim junto a polícia.
O que diz a Uber
Procurada pela reportagem, a Uber se manifestou por meio de nota, sem informar se o motorista foi ou não desativado da plataforma. A empresa disse que respondeu ao ofício da Polícia Civil na última quinta-feira (10). Confira o texto na íntegra:
"A Uber oferece opções de mobilidade eficientes e acessíveis para todos e não tolera qualquer forma de discriminação em viagens pelo aplicativo. A empresa defende o respeito à diversidade e reafirma o seu compromisso em promover o respeito, igualdade e inclusão para todas as pessoas que utilizam o nosso app.
Os motoristas parceiros da Uber são independentes e, como todo brasileiro, têm direito a ter sua posição política. No entanto, negar-se a atender uma pessoa em razão de seu credo, raça, nacionalidade, religião, necessidade especial, orientação sexual, identidade de gênero, estado civil, idade ou inclinação política configura violação dos termos de uso e ao código de conduta do aplicativo, e pode levar à desativação da plataforma.
Todas as viagens realizadas com o aplicativo da Uber são registradas por GPS, o que permite verificar o trajeto realizado. A Uber está à disposição das autoridades para colaborar no curso das investigações.
A Uber possui uma equipe especializada que está sempre à disposição para colaborar com as autoridades e possui um portal exclusivo para solicitação de dados no caso de investigações ou processos de persecução criminal, que está disponível 24 horas por dia, sete dias por semana para processar as demandas, permitindo que informações importantes sejam repassadas com segurança e rapidez, isso tudo respeitando as leis de privacidade exigidas no país, em especial o Marco Civil da Internet."