
O furto de cabos de energia elétrica cresceu 43,6% nos primeiros três meses de 2021 em Porto Alegre. Levantamento da CEEE feito a pedido de GZH, de janeiro a março, registra 349 ocorrências — no ano passado foram 243 ocorrências. A estimativa é de que 15 mil metros de fios tenham sido furtados somente nos três primeiros meses do ano, média superior a 166 metros por dia.
Não há uma única explicação para o fenômeno, mas fatores como o preço do cobre e a atual situação financeira do país, especialmente no período de pandemia, são indicados pelas autoridades como causas para a elevação nas ocorrências.
O furto não é motivado pela borracha que envolve e protege a fiação, e sim pelos fios de cobre. Esse metal tem boa condução de eletricidade e é altamente maleável e resistente à corrosão, o que o faz ser muito utilizado em redes elétricas, que ficam bastante expostas nas ruas. Isso faz também com que o material tenha um bom valor de mercado, atraindo criminosos que furtam o material e geralmente revendem para empresas de compra e venda de metais.
Levantamento de GZH aponta que o quilo de cobre vale, em média, R$ 37,85, podendo chegar aos R$ 43. Sete locais foram consultados. Vários estabelecimentos solicitam informações sobre a origem do material que oferecido, mas nem agem assim, o que abre brechas para a receptação.
Em 2020, as autoridades voltaram a ficar em alerta em razão do aumento dos casos em Porto Alegre. O principal transtorno é na rede elétrica da Capital, que ainda possui boa parte de sua composição interligada por fios de cobre. Para o gerente de Relacionamento da CEEE, Alessandro Trindade, o aumento dos casos no último ano pode ter relação direta com a pandemia e a instabilidade econômica do país:
— Provavelmente um dos motivos do acréscimo de furtos é a própria situação econômica do país, além do isolamento social. Não é um fator determinante, ou que haja um estudo sobre isso, mas contextualizando a situação do país, a gente crê que isso leva a esse tipo de crime.
Com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), a reportagem de GZH teve acesso também aos registros de furto de cabos em Porto Alegre feitos à Polícia Civil. Conforme a corporação, foram 121 casos nos três primeiros meses de 2021, contra 108 casos em 2020, alta de 12%. É importante frisar que além dos cabos de energia elétrica, há também o furto de cabos de telefonia. Muitas vezes, as companhias não registram os furtos e apenas fazem o reparo da rede, sem formalizar um boletim de ocorrência.
De acordo com informações da Delegacia de de Repressão aos Crimes contra o Patrimônio e Serviços Delegados (DRCP), até o dia 31 de março deste ano, 20 prisões haviam sido efetuadas em decorrência do furto de fios. O delegado Luciano Peringer pondera que o aumento dos preços dos metais na pandemia levou mais criminosos à cometerem esses crimes:
— Na verdade, esse aumento começou desde o ano passado em decorrência da crise que vem assolando o país em razão da pandemia. Os metais ficaram muito caros, principalmente o cobre, mais que dobrou o preço nesses últimos tempos e isso gerou um aumento na subtração desse tipo de material e a escassez do material também.
Para o delegado a principal dificuldade de fiscalizar e punir essas práticas é a identificação do produto, pois nem todo material é identificado, o que dificulta bastante o trabalho. Um ponto que chama atenção é o perfil dos envolvidos nos crimes. Engana-se que são somente moradores de rua e pessoas com baixo poder aquisitivo que cometem esses atos.
— Quando são grandes volumes, normalmente são técnicos ou ex-técnicos que trabalharam para as empresas ou então trabalharam para empresas terceirizadas. Eles precisam ter um know-how nesse ramo. E quando são pequenas quantidades normalmente são usuários de droga, que, para manter o vício, acabam subtraindo esse material que é trocado por um valor. Principalmente se verifica que as zonas de maior incidência de furto em Porto Alegre e Região Metropolitana são próximas a vilas onde também há comércio de entorpecentes, de drogas — detalha Peringer.
Transtorno para a população
Os dados que GZH teve acesso através da LAI mostram também os principais locais com furtos de cabos entre primeiro de janeiro de 2020 e 31 de março de 2021 em Porto Alegre. Nos 15 meses analisados, foram 541 ocorrências. É importante destacar que, nem sempre, as autoridades fazem o registro dos casos, e por conta disso, os dados da CEEE e da Polícia Civl são diferentes.
Conforme o levantamento, os crimes ocorreram, principalmente, nos bairros Floresta, Navegantes, Azenha e Partenon. De acordo com a CEEE e a Polícia Civil, esses locais ainda possuem fiações mais antigas, com composição de cobre, o que atrai mais criminosos.
No bairro Azenha, comerciantes convivem com a preocupação diariamente. Em uma clínica veterinária na Avenida da Azenha, o vendedor Leonardo Quintana afirma que, nos últimos dois anos, em pelo menos três vezes o local ficou sem luz devido ao furto de cabos — em uma das vezes, a loja funcionou o dia todo sem energia elétrica. A veterinária tem preocupações, porque além de realizar a aplicação de vacinas nos animais, recentemente começou a vender peixes. Esses animais precisam ficar em aquários onde é necessário bombeamento de oxigênio via energia elétrica.
— O que nos preocupa a vacina veterinária tem sempre que estar em uma temperatura certa. E agora temos os peixes. Essas espécies duram, no máximo, três horas sem oxigênio. Se a gente ficar sem luz um dia inteiro, vamos ter que levar para outra loja — diz Quintana.

Os furtos de fios e cabos também geram transtornos à prefeitura de Porto Alegre. Em 2020 e 2021, ações de vandalismo provocaram danos à rede elétrica das imediações do Túnel da Conceição, deixando a passagem e os acessos às escuras. Entretanto, a principal preocupação da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos de Porto Alegre (SMSUrb) é em parques e praças.
Além do furto de cabos, o vandalismo também prejudica as fiações, o que provoca a troca dos materiais. Apesar da prefeitura ter uma empresa terceirizada contratada para fazer reparos e manter os locais em funcionamento, é comum verificar pontos públicos sem luz devido às ações criminosas.
Segundo o secretário Marcos Felipi Garcia, uma das principais dificuldades enfrentadas é a reincidência, o que gera, além de prejuízos, problemas para a segurança pública, tornando os espaços mais propícios para assaltos devido à escuridão. Os locais que têm apresentado maior ocorrências são os parques, praças e viadutos, com destaque para o Marinha do Brasil. Porém, os bairros Centro Histórico e Praia de Belas também registram um número elevado de furtos.
Desde outubro do ano passado, a prefeitura paga cerca de R$ 870 mil por mês para uma empresa terceirizada realizar a manutenção da rede elétrica. De acordo com a concessionária IPSul, de janeiro a março de 2020, o valor gasto apenas com furtos de materiais de iluminação pública foi de quase R$ 190 mil. Ainda não há dados fechados sobre o prejuízo nesses três meses de 2021.
— Tem pontos de iluminação que a gente dá uma manutenção rápida, mas tem alguns que não pode mais ficar enxugando gelo, a gente troca e furtam no outro dia. Às vezes, eles vandalizam uma subestação, que é um serviço muito maior, que demanda muito tempo — diz Garcia.
Estratégias
Duas medidas são apontadas pelas autoridades como fundamentais para diminuir e até mesmo evitar o furto de cabos de energia elétrica: troca da fiação de cobre por fios de alumínio, de valor mais baixo no mercado de metais, e a aplicação de penalizações mais duras a quem comete o crime.
De acordo com a CEEE, em 2015 a rede de baixa tensão elétrica, que é a responsável por entregar energia nas residências com eletricidade nas voltagens de 127v e 220v, começou a ter a fiação trocada de cobre por alumínio, material até seis vezes mais barato. Atualmente, a companhia estima que 70% da rede de baixa tensão em Porto Alegre já tem fiação de alumínio. A CEEE projeta que, até 2024, toda rede elétrica de residências já tenha esse material. De acordo Trindade, a qualidade do material é a mesma.
A prefeitura de Porto Alegre também entende que, além de reforçar a fiscalização da Guarda Municipal, é necessário investir em planejamentos a longo prazo. Um projeto piloto antifurto de equipamentos de energia para o Parque Marinha do Brasil, área apontada pela prefeitura como campeã de furtos, que também prevê a troca da fiação de cobre por alumínio, está sendo pensado ainda para este ano. A troca da iluminação por LED também gera expectativa de que os transtornos diminuam, pois o material tem menor custo de revenda e é identificado com a marca da prefeitura, facilitando investigações futuras.
— Também vai ser feita a concretagem em alguns pontos do percurso, assim como vamos colocar postes altos — afirma Garcia.

Apesar das medidas adotadas pelas autoridades, fiscalização e punição a criminosos e receptadores são medidas importantes para combater esse tipo de delito. A Polícia Civil realiza uma ação permanente chamada de Operação Metal. Conforme o delegado Peringer, o intuito é fiscalizar os envolvidos na cadeia de crimes, combatendo a receptação de fios, cabos e baterias estacionárias.
Entretanto, por ser não envolver violência física, o crime geralmente é descrito como furto simples ou qualificado. As penas são baixas, entre um e quatro anos em furtos simples, e dois e oito anos em casos de furto qualificado. Muitas vezes, os envolvidos nem ficam presos, o que dá ainda mais trabalho para a polícia.
O delegado também reforça que a população pode contribuir com a operação fazendo denúncias anônimas sobre o furto de cabos através do telefone 0800 510 2828.
*Colaborou Rochane Carvalho