Após a morte por espancamento de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, outro relato de uma abordagem por funcionários a uma pessoa negra em um hipermercado Carrefour em Porto Alegre veio a tona. A aposentada Mara Yone Ferraz, 58 anos, processa a rede na Justiça e diz ter sido acusada do roubo de uma garrafa d'água que alega ter comprado.
O fato ocorreu por volta das 17h30min de 18 de abril deste ano. Mara conta que foi à filial da Avenida Bento Gonçalves para comprar água após ir ao médico porque precisava tomar um medicamento. Ela relata que pagou o produto no caixa, abriu a garrafa e tomou. Em seguida, diz ter lembrado que precisava fazer outras compras no mercado, onde era cliente assídua por morar no bairro Intercap.
Segundo a aposentada, ao voltar para o interior da loja, colocou a água na bolsa e pôs no carrinho os outros produtos que precisava. Ao chegar em outro caixa e pagar as compras, um funcionário perguntou: "e a água?". Conforme Mara, ela explicou que havia comprado mais cedo, passou as compras e seguiu em direção a saída, quando passou a ser seguida.
— Começou aquelas pessoas atrás de mim, falando que eu tinha roubado a água, que quem roubou foi a mulher negra. A sorte que eu não tinha colocado fora a minha nota — diz a aposentada.
Nervosa, Mara passou mal e desmaiou. Ela conta que foi socorrida por clientes, já que os funcionários teriam se negado a aferir sua pressão arterial.
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e a Brigada Militar foram acionados e conduziram a ocorrência, com o atendimento médico. O fato foi registrado em um boletim na Delegacia Online.
Após o ocorrido, Mara diz ter ficado traumatizada e afirma não conseguir mais entrar no supermercado — sente-se ameaçada quando está em um ambiente com a prevalência de pessoas brancas:
— Desse dia em diante, não entro mais no Carrefour. Tenho pânico, tenho problema de depressão. Estou sofrendo muito, muito, muito.
Mara entende que houve racismo em seu caso:
— Tenho orgulho de ser negra, mas estou muito triste. Eles precisam entender. Eu tenho a pele preta, eles têm a pele branca, mas somos todos iguais.
O advogado de Mara, Marcos Sidinei Da Silva Soares, informa que foi marcada audiência de conciliação para 4 de fevereiro. Nas duas outras audiências que ocorreram, a rede de supermercados não havia sido notificada.
Mara diz ter ficado em choque ao saber da morte de João Alberto dentro do mercado da mesma rede onde conta ter sido vítima. Ela o conhecia. O filho de Mara jogou nas categorias de base do Esporte Clube São José, time da zona norte do qual Beto era torcedor.
— Ele era um queridão, um ser humano iluminado. Eu pensei: e se eu não fosse mulher, o que teria ocorrido comigo? — questiona.
O que diz o Carrefour
O Carrefour foi procurado por GZH para falar sobre o caso e ainda não se manifestou.
Sobre a morte de João Alberto, a rede enviou nota em que informa que romperá contrato com a empresa que responde pelos seguranças, que o funcionário que estava no comando da loja será desligado e que entrará em contato com a família da vítima para oferecer suporte.