Empréstimos informais e juros mais que abusivos, intermináveis. Essa é parte do relato de uma das quatro vítimas que tiveram coragem de registrar ocorrência na Polícia Civil sobre a ação de três agiotas de Canoas. Além das dívidas que se tornavam impagáveis, motoristas de aplicativos e comerciantes passaram a ser ameaçados e, em alguns casos, agredidos.
Para coibir essa prática criminosa, uma operação foi deflagrada nesta quarta-feira (28) em cinco municípios da Região Metropolitana. Dois suspeitos foram presos e um segue foragido. Após a ação, a polícia espera que as dezenas de vítimas dos investigados consigam enfrentar o medo e denunciar os fatos.
Após quatro meses de investigação coordenada pelo delegado Thiago Lacerda, da Delegacia de Repressão de Ações Criminosas Organizadas (Draco) de Canoas, foi descoberto o esquema de empréstimos de dinheiro realizado pelas redes sociais. Os alvos eram basicamente motoristas de aplicativos, mas havia também alguns comerciantes de Canoas e da zona norte de Porto Alegre.
— Sempre pessoas que não tinham crédito para procurar instituições financeiras legalizadas e acabavam recorrendo a meios considerados ilegais — explica Lacerda.
Como os agiotas possuíam uma rede de criminosos para fazer ameaças e até agredir as vítimas, eles se baseavam no fato de ter todos os dados das pessoas, o que era uma exigência na hora de fazer o empréstimo. Lacerda confirma que a dívida se tornava impagável porque era cobrada em pequenos valores e, em vários casos, chegava a ser até sete vezes maior do que a quantia do empréstimo, ficando em muitos casos como se fosse uma prestação por meses ou anos.
Como funcionava
Os agiotas publicavam postagens nas redes sociais e ofereciam várias vantagens, como valores em pequenas parcelas. Depois que as pessoas procuravam os criminosos, eles exigiam todos os dados possíveis. Lacerda diz que já previam entrar em contato em caso de atraso, não pagamento, mas também para começar a extorquir.
Os valores oferecidos variavam entre R$ 1 mil e R$ 10 mil. A regra era favorecer no início e começar a cobrar mais veemente depois, passando para a aplicação de juros mais abusivos e elevando o valor da dívida.
A polícia descobriu um detalhe que ocorreu em todos os casos investigados: logo após as pessoas contraírem a dívida, os suspeitos desapareciam e só retornavam, em algumas das apurações feitas, um ou até dois meses depois. Segundo Lacerda, uma estratégia para que o valor da dívida aumentasse. Como geralmente as vítimas ficavam sem ter como arranjar tanto dinheiro ou gastavam o que tinham guardado, começava a ocorrer uma série de ameaças e até agressões.
As ameaças ocorriam geralmente pelo WhatsApp, tanto em áudio quanto em texto. Em um dos casos, por exemplo, o criminoso diz que iria tocar fogo na casa do devedor e, em outro, diz para ele não pagar a prestação do carro usado nas plataformas de aplicativos e usar o dinheiro para quitar a parcela da dívida.
Juros impagáveis
Segundo a polícia, são dezenas de vítimas, mas por medo, a maioria não registra ocorrência. Apenas quatro motoristas de aplicativos foram até a delegacia, justamente os que foram agredidos ou ameaçados várias vezes. Um desses quatro motoristas de aplicativo esteve na Draco de Canoas nesta quarta-feira e reconheceu os dois suspeitos presos. Com a condição de não ter seu nome publicado, aceitou dar um relato. O condutor confirmou que soube do empréstimo pelas redes sociais e por colegas, pedindo para os agiotas o valor de R$ 1 mil.
— Após um mês eu procurei os contatos dos criminosos para pagar os valores, mas haviam sumido, e dois meses depois retornaram me cobrando uma dívida de R$ 7 mil. Na primeira investida deles, levaram meu videogame, um som, o qual foi ofertado em venda por aplicativos de rede social, inclusive. Após muitas ameaças, entendi que a dívida nunca iria parar de crescer e que eu nunca conseguiria pagar — diz o motorista de aplicativo.
Segundo o condutor, foram meses de tensão e pânico, mal conseguindo trabalhar. Ele chegou a oferecer R$ 2 mil para estancar a dívida, um dinheiro obtido com sua mãe, uma senhora aposentada.
— Mas a quadrilha não quis, sempre dizendo que era R$ 7 mil e que só aumentaria ou então que eu ou minha mãe iríamos pagar com a vida — desabafa o condutor.
Operação Cobrador
Na manhã desta quarta-feira, a polícia de Canoas prendeu na cidade dois suspeitos de agiotagem durante a Operação Cobrador. Os nomes deles não foram divulgados. Também apreendeu celulares e vários documentos que comprovariam as extorsões, ameaças e cobrança de juros abusivos. Foram cumpridos três mandados de prisão e seis de busca. As ações ocorreram em Porto Alegre, Canoas, Cachoeirinha, Viamão e Gravataí.
Um terceiro investigado está foragido e outros suspeitos são investigados, principalmente os responsáveis pelas agressões e ameaças. Os crimes apurados são extorsão e organização criminosa, podendo ser incluído também o delito de lesão corporal.
— Temos tudo comprovado, já que eles praticavam atos violentos para obter valores bem acima do acordado, ameaçando e agredindo não só as vítimas, mas familiares delas. Eles ameaçavam de morte mesmo — diz o delegado Mario Souza, diretor da 2ª Delegacia Regional Metropolitana.
A polícia investiga alguns casos em que comparsas dos agiotas rondavam as casas e pontos onde os motoristas costumavam estacionar seus veículos.
Riscos
O delegado Souza destaca os seguintes riscos de se obter dinheiro com agiotas ou, como ele diz, informalmente:
- Cobrança indevida e juros abusivos
- Mudanças de termos combinados sem aviso ao devedor
- Sem garantia de comprovante de quitação
- Exposição dos dados pessoais
- Bens confiscados
- Ameaças pessoais e a familiares
- Agressões
- Morte
Souza diz que, nestes casos, procurar a polícia pelo site ou pelos telefones: 181, (51) 34259056 e (51) 984590259.
Recomendações
Assim como Souza, que lembra o fato da polícia também poder ser procurada sobre consulta envolvendo financiamentos feitos por pessoas jurídicas, especialistas no assunto informam:
- Não se preocupar em procurar a polícia após problemas com empréstimo informal
- Se lembrar que, nestes casos, a pessoa é considerada vítima
- Verificar dados da empresa ou do responsável pelo empréstimo
- Conferir se tem autorização do Banco Central
- Procurar a polícia quando for necessário
- Sempre buscar financiamento com bancos ou empresas tradicionais e autorizadas
- Pesquisar por taxas reduzidas de juros
- Mesmo em urgência, sempre optar antes em vender um bem do que contrair dívida grande