Morador de área conflagrada pelo tráfico de drogas na zona norte de Porto Alegre, um comerciante decidiu há sete anos que precisava encontrar um meio de se proteger da violência. Cumpriu as exigências legais para ter uma arma, tornou-se frequentador de clubes de tiros e atualmente participa de campeonatos estaduais. Na manhã do dia 16 de abril, saía do mercado do pai, no bairro Mario Quintana, quando deparou com os mesmos assaltantes que haviam atacado o estabelecimento dias antes. Reagiu e matou um dos ladrões a tiros.
Desde o assalto, segundo o comerciante, de 32 anos, que pediu para ter a identidade preservada, a rotina mudou. Redobra os cuidados ao sair de casa e se mantém alerta no trabalho. A porta permanece trancada. As imagens daquela manhã são repassadas com frequência na memória.
— Preferia que eles nunca tivessem voltado no mercado. Não era para eu estar passando essa situação. Mas o Estado não consegue garantir a segurança às pessoas. A sensação hoje é de que fiquei ainda mais refém da violência — lamenta.
O comerciante frequenta clubes de tiros a cada duas semanas e participa de competições Rio Grande do Sul afora. Conta que naquela terça-feira pretendia passar no estande para treinar. Também programava ir a uma agência bancária. Estacionou o veículo ao lado do comércio, do qual o pai dele é proprietário, por volta das 11h30min, e entrou para ir ao banheiro. Quando saía, deparou com os dois assaltantes ingressando no mercado. Um deles com um revólver calibre 38 na mão. “É um assalto! Fica quieto!”, gritava o ladrão, com a arma apontada para o comerciante. Nenhum tinha o rosto coberto.
Para o comerciante, os ladrões eram os mesmos que haviam atacado o estabelecimento dias antes. No assalto anterior, levaram cigarros, dinheiro, mercadorias e celulares. No roubo, renderam a irmã dele, que atendia no balcão, e revistaram clientes para saber se algum estava armado.
Sempre morei aqui no bairro. Foi por conta da violência que decidi ter uma arma.
COMERCIANTE
— Fui o primeiro que eles encontraram. Foi tudo muito rápido. Pensei que iam encontrar minha arma e me matar. Era eu ou eles. Num momento de distração dele, fui para trás do pilar, saquei a arma e disparei — recorda.
Atrás da estrutura de concreto, o atirador disparou cerca de 12 vezes com a pistola 380. O assaltante deu dois tiros de volta, antes de tombar, ainda com o revólver na mão. Ele foi alvejado por quatro, dois no peito. O outro ladrão, logo atrás do comparsa, saiu correndo, assim como os quatro clientes que estavam no mercado. O comerciante não sabe se o outro foi atingido.
— Sempre morei aqui no bairro. Foi por conta da violência que decidi ter uma arma. No meio dessa guerra do tráfico, a vontade que a gente tinha era de fechar o mercado. De se mudar, mas não pode. No outro dia (após o assalto) já tinha de estar trabalhando — relata.
Legítima defesa
O morto foi identificado como Rafael dos Santos Bezerra, 35 anos. Segundo a Polícia Civil, estava foragido da Justiça e tinha antecedentes por roubo a estabelecimento comercial, porte ilegal, homicídio, assalto a casa lotérica, roubo a motorista particular, roubo de veículo e a joalheria.
— Não reagiria se não tivesse preparo. Mas a gente fica repensando. Faz sete dias e essa imagem fica passando na cabeça — relata.
Segundo o delegado Newton Martins, da 5ª Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa, a investigação tenta identificar o segundo ladrão, que escapou. O policial confirmou que o comerciante entregou as documentações referentes ao porte da arma.
O comparsa, quando identificado, será enquadrado por tentativa de latrocínio.
— Com relação à vítima ter reagido, tudo indica, até o momento, legítima defesa. Entregou a documentação, está tudo regularizado, tanto que a arma já foi devolvida — afirma.
Quatro meses, quatro casos
Segundo levantamento da editoria de Segurança de GaúchaZH, nos quatro primeiros meses deste ano foram registrados quatro casos de pessoas que reagiram e mataram assaltantes na Região Metropolitana — número idêntico ao do mesmo período do ano passado.
Em 2019, foram dois casos em Porto Alegre, um em São Leopoldo e outro em Viamão. Um deles aconteceu no dia 10 de abril, quando um atirador reagiu a um roubo dentro de um ônibus em Viamão e atirou contra os ladrões. Em entrevista a GaúchaZH, ele relatou que, em oito anos, “nunca havia puxado a arma para ninguém”.