Conhecido pela sinceridade ao dizer o que pensa, o coronel Paulo Ricardo Quadros Remião talvez tenha se envolvido nesta semana na maior polêmica em seus 34 anos de Brigada Militar. Depois de ter apreendido em Guaíba um adolescente de 15 anos armado com uma pistola .380 no domingo (1º), viu o mesmo jovem ser pego novamente três dias depois, dessa vez com uma arma mais potente - uma pistola 9mm adaptada para dar rajadas como uma metralhadora. Quadros, como é conhecido o oficial, decidiu então desabafar. Gravou um vídeo que viralizou na internet, no qual chama à responsabilidade juízes e promotores.
— Cadê o Poder Judiciário? Cadê o Ministério Público? Cadê o juiz da Infância e da Adolescência? Ele está esperando morrer um inocente? É isso que o juiz está esperando, para depois a BM ter que dar explicação da morte de um inocente? Pergunto ao juiz: esse menor não tinha que estar preso? Será que não está na hora de alguém criar vergonha na cara? E não é eu, nem a BM e a Polícia Civil — diz o oficial no vídeo.
O desabafo gerou milhares de compartilhamentos na internet, notas oficiais da BM, do Judiciário, do MP e muito debate. A Justiça, por exemplo, diz que não libertou o menor - que ele foi solto ainda na delegacia, pela Polícia Civil (que não se manifestou).
Quadros exerce o Comando Regional Centro-Sul da BM, "responsável por 11 municípios, 11 presídios e 9 mil presos", salienta. Em entrevista exclusiva ao GaúchaZH, desde o sítio que mantém em Viamão, o coronel reiterou as críticas à libertação do menor infrator (a quem chamou "semente do mal") e diz que pegou sarna ao ir atrás dos criminosos - tendo o dissabor de ver eles soltos dias depois. Confira:
Como está o retorno ao seu desabafo?
Coronel Paulo Ricardo Quadros - Até agora, sem pressões. Estou tranquilo. Tenho 34 anos de BM, fui baleado três vezes em serviço e, graças a Deus, sempre tive apoio na comunidade. Dessa vez prendemos 12 bandidos, apreendemos oito armas e a comunidade da Vila São Jorge, em Guaíba, nos agradeceu.
Por que o senhor decidiu agir?
A associação de moradores da Vila São Jorge é presidida por um senhor que virou cadeirante em decorrência de um tiroteio. Era envolvido no crime, hoje ele é um trabalhador. Ele pediu nossa ajuda e fomos lá. Prendemos uma quadrilha oriunda da Vila Nazaré e da Cohab Costa e Silva, em Porto Alegre, que decidiu migrar para o outro lado do Guaíba. Eles disparavam à esmo na rua, em briga com outro bando de criminosos. Uma guarnição nossa foi recebida a tiros. Reforçamos o efetivo e, em duas ações, prendemos a maioria deles. A maior surpresa foi deparar na quarta-feira com o adolescente, que tinha sido preso domingo. Na segunda vez, com uma pistola que atira como metralhadora. Uma barbaridade. Como ele já estava solto? Alguém falhou e não foi a BM. A sociedade vai pagar um preço por isso, infelizmente.
O Tribunal de Justiça afirma que o adolescente nem chegou a ver um juiz. Ele foi liberado pela Polícia Civil, antes de sua prisão ser formalizada...
Não vou me manifestar aqui para dizer se o guri foi liberado na DP ou no Judiciário. Só sei que estava solto três dias depois de ser apreendido com arma. Não só ele, os outros da quadrilha também. Um dos bandidos, o Eric, me disse que até ele ficou surpreso ao ser libertado. Isso está gravado. Vou dar minha opinião, do Paulo Quadros, cidadão a serviço da lei: não pode acontecer isso. Os PMs trabalharam cinco dias e quatro noites atrás desse bando. Eu estava com eles. Peguei sarna, a região é de banhado...para ver depois que eles estavam soltos. É um retrabalho. Quem falhou tem de ser responsabilizado. Se eu falhei, que eu também seja responsabilizado.
O senhor não teme se incomodar com essa polêmica?
Não. Não sou demagogo, sou operacional. Sou hoje o quinto coronel mais antigo da BM. Tenho curso superior, de Direito, e pós-graduação em Segurança Pública. Sei o que estou falando.
Ajuris classifica vídeo como "vulgar"
Em nota, o presidente da Associação dos Juízos do Rio Grande do Sul (Ajuris), Gilberto Schäfer, classifica como "vulgar" o apelo do coronel e afirma que a provocação contra o poder judiciário é "inaceitável". Segundo o comunicado, na primeira apreensão do adolescente, não houve a sua apresentação perante o poder Judiciário.
"Tendo em conta a natureza do crime – porte de arma –, e a circunstância de o adolescente não ostentar quaisquer antecedentes, sua liberação, para os familiares, deu-se pela própria Delegacia de Polícia. Cumpriu-se, para este ensejo, a Lei 8069/90, que o Coronel aparenta desconhecer. Na segunda apreensão, igualmente a liberação foi determinada, independentemente de manifestação do Poder Judiciário", diz a nota.
Schäfer reforça que "não houve nenhuma atuação judicial no que diz respeito à liberação do adolescente, e, por isso, a afirmação do coronel é falsa."
O Comando da Brigada Militar também se manifestou por nota e afirmou que a fala do coronel Quadros trata-se de um posicionamento "absolutamente pessoal, sem qualquer vínculo com os ideais e as percepções da Brigada Militar."
A nota afirma ainda que a postura institucional da BM é de impulsionar parcerias com cada cidadão, órgão e poder.