Armamento de guerra, carro protegido com placa de aço e operação de filme de ação. A cena foi protagonizada por um grupo de cerca de seis criminosos na tarde de segunda-feira, na altura do km 54 da BR-116, rodovia federal de pista simples que corta o município de Vacaria, na Serra.
Divididos em dois carros – um Sorento e um Vectra –, criminosos arquitetaram o mais ousado assalto a carro-forte já visto pela Polícia Civil em solo gaúcho. Nos últimos episódios registrados no Estado, os assaltantes só conseguiram parar o carro blindado porque provocaram uma colisão com caminhão de grande porte. Desta vez, o transporte de valores foi interceptado por tiros de calibre .50 – munição que pode superar mil metros de distância e tem capacidade de perfurar tanques de guerra e derrubar aeronaves.
Segundo o coordenador da do Instituto-geral de Perícias na Serra, Airton Kraemer, os criminosos fizeram os disparos com uma metralhadora .50. A arma, de grande poder ofensivo, é restrita às Forças Armadas. Ainda não se sabe se é de fabricação nacional ou estrangeira.
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Quanto às munições, a perícia conseguiu identificar que são de fabricação nacional. Portanto, só podem ter sido furtadas do Exército ou da Companhia Brasileira de Cartuchos – empresa responsável pela fabricação.
A perícia pretende identificar se as munições são originais ou foram recarregadas. Durante a ação, um caminhão-tanque foi atravessado na pista junto com três veículos incendiados. As pessoas que ocupavam os carros não se feriram, uma vez que o objetivo era parar o trânsito. Quando o carro-forte se aproximou da trincheira, os tiros foram disparados de dentro do Sorento contra o motor do transporte de valores da Brinks.
Os vigilantes foram rendidos e o cofre, dinamitado. Após a explosão, os bandidos roubaram o dinheiro e fugiram. O Sorento, deixado no local do crime, foi adaptado para a ação. Chapas de aço foram instaladas para proteger os ocupantes de um possível confronto. O banco traseiro foi arrancado e substituído por uma haste de ferro que, segundo a polícia, foi usada para apoiar a metralhadora. Dois cartuchos da munição .50 foram encontradas dentro do carro.
– Estavam encapuzados e usavam luvas. A ação foi bem-sucedida. Demonstraram ser criminosos experientes na utilização de armamento pesado e de explosivos – avaliou o delegado Joel Wagner, da Delegacia de Repressão a Roubos, do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
Apreensão de munição .50 no RS inédita
O delegado espera que investigações antigas e estruturadas de organizações criminosas especializadas em assalto a banco e a carro-forte ajudem a identificar os responsáveis pelo inusitado roubo de
segunda-feira. Wagner não descarta a possibilidade de haver financiamento do tráfico de drogas para o uso de armamento tão pesado. Até então, o policial não tinha visto apreensão de munição .50 no Estado. Até o fechamento desta edição, ninguém havia sido preso.
Reportagem recente do Fantástico mapeou a apreensão de apenas 11 armas desse tipo ao longo de nove anos em seis Estados brasileiros. Segundo o editor-chefe do Portal Defesanet e especialista em defesa, Nelson During, esse tipo de equipamento não é usado pela tropa comum, apenas por atiradores de elite de forças especiais.
Tanto o especialista Nelson During quanto o delegado Joel Wagner acreditam que a arma .50, raramente apreendida no Brasil, pode ter entrado no país pelas fronteiras de Paraguai, Argentina ou Uruguai. Segundo During, a munição foi criada pelos americanos durante a Segunda Guerra Mundial.
Inicialmente, era utilizada para grandes rajadas de metralhadora. Com o tempo, os militares descobriram novas possibilidades e criaram o fuzil .50, capaz de atingir o alvo a longa distância, e que passou a ser utilizado em tanques de guerra e em aviões das forças aéreas.
Para efeito de comparação, enquanto um tiro de revólver calibre 38 alcança cerca de cem metros, o de fuzil .50 pode ultrapassar mil metros com razoável precisão. Além disso, a munição pode perfurar blindados e derrubar aeronaves.
– As armas apreendidas com criminosos normalmente estão descalibradas e não tem boa aferição. O tiro sai e não se tem certeza de onde vai acertar. Agora, se pega alguém que tenha conhecimento e acesso a material bom, aí temos um problema e tanto – ponderou During.
Outros roubos emblemáticos
Dezembro de 1995 – Ladrões liderados por Cláudio Adriano Ribeiro, o Papagaio, renderam policiais rodoviários no antigo posto da corporação na ERS-122, na entrada de Farroupilha. Os criminosos usavam a farda dos servidores e simularam uma blitz na rodovia. Motoristas de carros de passeio foram rendidos. Um caminhão foi atravessado na pista para bloquear a passagem de um blindado da Prosegur. A quadrilha abriu fogo contra o veículo e roubou o dinheiro que seria usado no pagamento de funcionários de duas grandes empresas. A partir desse ataque, as investidas contra blindados se tornaram rotina no Estado. Papagaio está preso em Charqueadas.
Setembro de 2002 – O bando comandado por Charles Robsen Ferreira Kaiser, o João Loucura, parou um carro-forte pela primeira vez utilizando um caminhão na BR-116, em Galópolis, interior de Caxias do Sul. João Loucura era apontado pela Polícia Civil como um dos mais temidos bandidos do Estado. Natural de Porto Xavier, foi criado em São Leopoldo e mudou-se ainda na adolescência para Caxias do Sul. Antes de atacar na BR-116, já havia assaltados bancos em Caxias do Sul, Guaporé, Bom Jesus e Nova Roma do Sul. Acabou tornando-se mentor de um dos maiores assaltantes do RS, José Carlos dos Santos, o Seco. João Loucura morreu em 2003 na prisão em Caxias.