Advogado e professor especializado em Direito Eleitoral, Antônio Augusto Mayer dos Santos acredita que é possível reduzir as doações irregulares de campanha. Mas considera que a dificuldade de fiscalização e os interesses ocultos nas eleições tornam muito difícil acabar de vez com esse tipo de irregularidade. Confira a entrevista concedida pelo especialista.
Leia a entrevista que o especialista concedeu a ZH
Por que os políticos usam tanto o Caixa 2 no Brasil, mesmo quando a lei permitia as doações empresariais com valores elevados?
Primeiro, porque quem cooptar mais colaboradores terá chances maiores de se eleger. Depois porque, para muitos, isso é um modo de vida. Como disse Henry Kissinger, o poder é o afrodisíaco mais forte do mundo. Conforme temos visto, muitos se arriscaram dessa maneira para amealhar fortunas enquanto exercem mandatos. Para esses, o Brasil e os brasileiros não tem importância, exceto o voto.
Por fim, porque sempre se soube daqueles doadores, tanto pessoas físicas quanto jurídicas, que não desejam ter os seus nomes associados a candidatos ou partidos políticos. Podem fazer isso para não ficarem atrelados a um candidato ao participar de futuros contratos ou licitações.
Havia dois projetos tramitando em Brasília para impedir que doadores participassem de licitações (promovidas por candidatos que apoiaram), mas não prosperaram.
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Desde o Mensalão, muitos políticos flagrados em irregularidade tentam enquadrar seus casos como caixa 2, em vez de outros crimes. Por que isso ocorre?
No Brasil não há uma tipificação criminal para a utilização de recursos clandestinos nas campanhas eleitorais. O que existe é um dispositivo do Código Eleitoral reprimindo com pena mínima de um ano a omissão de declarações obrigatórias nas prestações de contas.
Já os delitos de ocultação de bens e valores popularmente conhecidos como lavagem de dinheiro iniciam com a pena de reclusão de três anos. Portanto, a tentativa de enquadrar no caixa 2 é para obter a menor pena.
Há razões estruturais que estimulam o caixa 2 no Brasil?
Sim. Na medida que o Estado evoluiu e passou a intervir em aspectos vitais como economia, política e emprego, os grupos passaram a se organizar para defender seus interesses, alguns fazendo isso à margem da lei através do caixa 2. É muito difícil fiscalizar isso apenas através das prestações de contas.
A proibição das doações empresariais deve estimular ou desestimular as contribuições não declaradas?
Creio que vai estimular. Como não há mais possibilidade de doação, mas muitas empresas estavam habituadas a isso por interesses variados, deverão continuar. A proibição não intimida quem tem interesse.
Como o senhor resumiria o impacto do caixa 2 no país?
Isso responde por muitos mandatos advindos do poder econômico. É nefasto, é uma chaga. Infelizmente, acredito que o caixa 2 nunca será banido. Pode ser atenuado, caso seja reprimido, mas não creio que seja eliminado. Há, sempre, muitos interesses envolvidos.
Mas não há bons exemplos de combate a esse tipo de fraude em outros países?
Corrupção eleitoral é um tema global. Cada país tem o seu sistema de repressão para os ilícitos dos financiamentos de campanha. Nos Estados Unidos, determinadas violações às regras de financiamento eleitoral podem resultar em prisão.
Na França, se os deputados tiverem suas contas rejeitadas por omissões consideradas graves, podem perder o mandato. Todos os países têm os seus acertos e fragilidades neste setor.