Se boa parte do mundo se viu cativada pela história de vida e morte de Charlie Gard, o bebê britânico com uma doença incurável cujos pais travaram uma batalha legal contra um hospital para que ele fosse tratado, para Stephanie Nimmo, o assunto a tocou de maneira profundamente pessoal.
Como os pais de Charlie, Connie Yates e Chris Gard, Nimmo buscou um tratamento experimental nos Estados Unidos para sua filha, Daisy, que sofria de uma condição genética rara chamada Síndrome de Costello, que a tornou parcialmente cega e incapaz de falar mais do que algumas palavras. Ela também lidou com promessas de pesquisas médicas sedutoras, mas não comprovadas, e com uma série vertiginosa de diagnósticos tirados da internet.
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As duas crianças doentes foram até tratadas no mesmo hospital londrino, o Great Ormond Street, que se opôs à petição judicial dos Gard para buscar tratamento no Exterior e, depois, a mandar Charlie para casa para morrer – assim como não aceitou o pedido de Nimmo, seis meses antes, para que os sistemas de suporte à vida de Daisy fossem removidos em casa.
– Charlie estava no mesmo departamento de cuidados intensivos de Daisy – conta Nimmo, uma das principais defensoras de pais de crianças com doenças terminais.
– Foi chocante ver o circo maluco da mídia, e esses pais presos ali no meio tentando salvar seu filho.
Charlie, que nasceu com uma doença mitocondrial rara que o tornou cego, surdo e incapaz de se mover, morreu em 28 de julho, dias antes de seu primeiro aniversário; Daisy chegou aos 12 anos, correndo por aí em uma cadeira de rodas com luzes intermitentes, apreciando unhas pintadas e palhaçadas. E enquanto os pais de Charles se engajaram em uma batalha legal dolorosa e prolongada para tentar mantê-lo vivo, a mãe de Daisy explica que acabou percebendo que sua maior conquista seria dar à filha uma "morte boa":
– Tive uma jornada mais longa que me fez aceitar o diagnóstico de Daisy. Algumas vezes, discordei dos médicos, mas nunca houve uma quebra total na comunicação como aconteceu com os Gard.
Os especialistas dizem que casos como o de Charles Gard são raros e que a maioria dos pais de crianças cronicamente doentes e os médicos que tratam delas chegam a um consenso sobre quando e como interromper o tratamento. A Cafcass, uma instituição independente que representa crianças em questões judiciais na Inglaterra, contabilizou 18 casos no ano passado de disputas entre médicos e pais que acabaram nos tribunais.
Outra dessas batalhas está começando. Um grupo que se autointitula Exército de Charles começou a se mobilizar em favor da família de Alfie Evans, um bebê de 14 meses muito doente de Liverpool. Alfie, cujo problema ainda não foi diagnosticado, está em coma desde dezembro, e seus pais estão lutando contra a decisão do hospital de tirá-lo do sistema de apoio vital; como no caso de Gard, vários hospitais dos Estados Unidos se ofereceram para ajudar.
O pai de Alfie, Thomas Evans, argumenta que o filho mostrou sinais de melhora e que é sua obrigação fazer todo o possível para salvar a vida do menino.
"Não queremos deixá-lo morrer quando pode haver alguma coisa para ajudá-lo", escreveu ele em um site de financiamento coletivo onde está recolhendo dinheiro para o tratamento do filho.
Mas Dominic Wilkinson, neonatologista e professor de Ética Médica na Universidade Oxford, diz que os médicos e os hospitais algumas vezes precisam se sobrepor aos desejos dos familiares.
– Os pais não deveriam ter permissão de tomar decisões que podem ter sérios riscos de causar danos graves a uma criança – afirma ele, como, por exemplo, recusar um tratamento ou exigir cuidados que não trarão benefícios óbvios.
Sacha Langton-Gilks, professora de música cujo filho David morreu de um tumor no cérebro em agosto de 2012, diz que aceitar que não havia cura foi o desafio mais difícil.
Ela estava determinada a encontrar uma solução para o tumor de David, um meduloblastoma, depois que recebeu o diagnóstico. Mas, após duas recaídas, 11 operações no cérebro, anos que quimioterapia, um transplante de células-tronco e um tratamento experimental que queimou o esôfago de David, conta Langton-Gilks, ela decidiu focar em dar ao filho, que estava com 16 anos, um final de vida e uma partida felizes.
– Como os pais de Charlie, no início eu achei que era meu direito como mãe decidir sobre o tratamento do meu filho. Eu pensava: 'Como eles se atrevem a me dizer o que fazer!' – lembra ela.
– O grau de pressão sobre os pais é difícil descrever. Você não pode desistir da esperança quando ela é definida apenas como a cura. Mas é preciso redefinir a esperança como alguma outra coisa quando não há cura. Você precisa aceitar que seu filho vai morrer para lhe dar uma boa morte, para parar de sofrer e lutar pela qualidade de vida ao invés de manter a vida a qualquer custo.
David passou seus últimos dias em casa, onde Langton-Gilks organizava festas com seus amigos e ele brincava com suas corujas, seu animal favorito, que tinham permissão de voar pela cozinha. Ele se tornou budista, meditava e escreveu um testamento, deixando seu banjo para um amigo da família, uma bandeja de balas de goma para a irmã e uma espada cerimonial chinesa para seu irmão.
Daisy também ficou anos lutando contra sua doença, tendo passado por 50 procedimentos cirúrgicos em seus poucos anos de vida. Ela ainda precisou suportar a morte do pai, de um câncer de intestino, uma semana depois de seu aniversário de 11 anos. Pouco tempo mais tarde, sua condição piorou, ela entrou em choque séptico e teve uma parada cardíaca, conta sua mãe.
Depois disso, foi colocada em um sistema de apoio artificial, e Nimmo conta que decidiu que havia chegado a hora de deixá-la ir.
– Como mãe, a decisão de tirar a criança do sistema de apoio é a coisa mais generosa que você pode fazer, porque tudo o que queremos é que nosso filho
sobreviva. Mas você precisa se perguntar: 'Para quem eu estou fazendo isso?'.
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Por Dan Bilefsky