Criamos uma família, organizamos espaços para abrigá-la, passamos por situações agradáveis, por outras complicadas ou, então, simplesmente não idealizamos essa família e ela acontece e nos surpreende.
Eles chegam de mansinho. Aqueles seres minúsculos que abrigamos durante meses dentro da nossa barriga. Tirados de seu primeiro abrigo, já demonstram independência. Se não nas vontades, nas necessidades. Logo estão exibindo que possuem mais do que urgências fisiológicas como fome, sede e dor. Possuem, sim, vontades individuais e únicas. Possuem seus próprios desejos.
Quando pequenos, contornamos a fissura por doces, o sonho por cada brinquedo novo que a televisão mostra ou o amiguinho ostenta, a falta de vontade de escovar os dentes a cada refeição ou de lavar as mãos antes delas. Mas, de repente, somos surpreendidos por novos anseios _ tão grandes quanto sua própria altura ou idade. Eles já estão adolescendo _ o florescer do ser humano.
Amigos que insistimos que não são boas companhias, festas que teimamos em tentar proibir, roupas que olhamos com desdém, celulares que rezamos para que sejam atendidos ao primeiro toque. Quando nos tornamos pais ou mães, se antes sem fé, passamos a acreditar em algo, nem que seja só para pedir proteção a eles.
O que fazer quando eles crescem? O que fazer com aquele pedaço da gente que criou personalidade e, volta e meia, nos afronta?
Chega um momento em que não interessa o quanto somos parceiros, carinhosos, bons ouvintes, animados, modernos, corujas. Eles vão preferir os amigos!
Chega uma fase em que não importa quantos conselhos, pedidos e conversas tivemos. Eles irão tomar suas próprias decisões (e elas muitas vezes não serão as melhores _ aliás, alguém conhece um outro jeito de aprender a tomar decisões certas sem ser tomando várias erradas antes?).
Esse é o futuro de todos os pais e mães: em algum momento, sentir-se órfãos de seus próprios filhos. Faz parte do amadurecimento deles enquanto cidadãos do mundo. Faz parte do nosso, enquanto genitores e cuidadores.
Por mais cansativa e batida que seja essa afirmação, devemos repeti-la a nós mesmos todos os dias: nossos filhos não nos pertencem. Eles criarão asas e voarão, tecendo seus próprios destinos por meio de suas escolhas (independentemente de serem boas ou não, independentemente de concordarmos ou não, independentemente de estarmos perto ou não). Ser mãe e ser pai é também nos despirmos um pouco da nossa mania de soberania, propriedade, superioridade.
Quem pensa que ser mãe ou pai é ser instrutor não sabe de nada. Na maioria das vezes, é ser instruído, ser desacomodado em suas certezas, ser instigado a mudar convicções.
Nossa possibilidade vai até ali, onde começa a liberdade de escolha que demos a eles ou os privamos. Por isso, a necessidade de ensinar a selecionar, discernir, classificar. Dá trabalho, mas vale a pena.
E, independentemente da fé, rezemos sempre! Nessas horas, de uma ajudinha celestial não se abre mão.