Seguindo o exemplo de países como Israel e Chile, o Ministério da Saúde publicou, nesta quarta-feira (23), uma recomendação para que Estados e municípios brasileiros disponibilizem a quarta dose da vacina contra a covid-19 para pessoas com 80 anos ou mais. A medida com foco nesse grupo é considerada necessária e adequada por especialistas, que apontam que, diante do atual cenário da pandemia no Brasil, ainda não seria preciso oferecer o segundo reforço para toda a população. Isso porque, antes dessa preocupação, é fundamental aumentar o nível de adesão à terceira dose, que ainda nem atingiu 35% do público no país.
Para definir essa nova orientação, o Ministério da Saúde considerou dados epidemiológicos do país e do mundo, além da tendência de perda de proteção contra o vírus em idosos adequadamente vacinados e de estudos que demonstraram uma redução da efetividade dos imunizantes meses após a última injeção. Até então, a recomendação do governo federal era para que apenas brasileiros imunossuprimidos recebessem a quarta aplicação.
Alguns Estados, entretanto, já haviam definido por conta própria oferecer mais uma dose do imunizante para idosos — entre eles, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Amazonas, Rio Grande do Norte e Pará.
Em outros países, a quarta dose também é direcionada majoritariamente à população mais velha: na França, é para pessoas com 80 anos ou mais; na Dinamarca, a partir de 60 anos; no Chile, com 55 anos ou acima; em Israel, desde 60 anos e profissionais da saúde de qualquer idade; no Reino Unido, 75 anos ou além e moradores de asilos; e, na Coreia do Sul para residentes de asilos.
Eduardo Sprinz, chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e professor de Infectologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), comenta que há poucos estudos sobre a aplicação da quarta dose contra a covid-19 e que os existentes são limitados, já que se referem a pequenos grupos. É de entendimento dos especialistas, contudo, que uma aplicação extra para pessoas com algum grau de imunodeficiência é válida, pois esse grupo demora mais para desenvolver um estímulo antigênico — que induz a formação de anticorpos.
— Não temos estudos que abranjam a população geral. O que temos de forma clara é que pessoas com imunodeficiência se beneficiam de uma quarta dose. Também sabemos que, nos idosos, o estímulo imunológico diminui mais rápido do que na população em geral. Por isso, em pessoas mais velhas, depois de um certo tempo, vale a pena uma nova dose de reforço (a quarta aplicação) — explica.
O especialista cita também um estudo divulgado pelo governo de Israel, em fevereiro. A pesquisa em questão foi realizada com profissionais de saúde vacinados com três doses de Pfizer e, entre seus resultados, aponta que a quarta aplicação de imunizantes de RNA mensageiro (Pfizer e Moderna) restaura os níveis de anticorpos no organismo equivalentes ao pico da terceira dose, mas adiciona baixa eficácia na prevenção contra casos leves ou assintomáticos da variante Ômicron.
Para Sprinz, considerando as vacinas disponíveis atualmente, é provável que toda a população precise receber um segundo reforço em algum momento. Isso porque o organismo começa a apresentar uma queda nos anticorpos contra o vírus a partir de quatro meses após a última aplicação. Mas isso não significa necessariamente que uma pessoa com seu esquema vacinal atualizado será contaminada ao ter contato com o vírus no quinto mês.
Diante disso, o infectologista não considera correto dizer que a quarta dose não ajudará, mas acredita que talvez quatro meses não seja o intervalo mais apropriado para a aplicação em todas as pessoas:
— Talvez, se esperar seis meses, estimule ainda mais o sistema imunológico. Acho que nós iremos na direção de ampliar o público da quarta dose, mas ainda precisa de tempo para estudar e ver qual é a sua influência na população geral. E esse é um estudo que pretendemos fazer.
Medida é ainda mais necessária para quem recebeu CoronaVac
A médica infectologista Andrea Dal Bó cita um estudo brasileiro, publicado em janeiro na revista científica The Lancet, para defender que a quarta dose é ainda mais necessária para pessoas que receberam três doses da vacina CoronaVac. De acordo com a pesquisa, o índice de aumento da concentração de anticorpos após o primeiro reforço (terceira aplicação) foi de apenas 12% com o imunizante do Instituto Butantan, enquanto com a da Pfizer, da AstraZeneca e da Janssen foram de 152%, 90% e 77%, respectivamente.
— Isso mostra que realmente precisamos fazer a quarta dose, porque a maioria das pessoas com mais de 80 anos recebeu a CoronaVac no Brasil, já que foi a primeira vacina disponibilizada — argumenta, salientando que considera correta a posição do Ministério da Saúde.
Mas, além deste grupo, a especialista acredita que é preciso avaliar a oferta de um segundo reforço, com um imunizante diferente, para a população com mais de 60 anos que fez as três doses de CoronaVac. Ela também destaca que os anticorpos precisam ser mantidos em níveis altos, a partir de doses frequentes, quando há uma grande circulação do vírus. Entretanto, no cenário atual, a ampliação da oferta dos reforços não seria necessária para todas as pessoas:
— Com a diminuição da circulação do vírus, não vejo necessidade de ampliar a oferta da quarta dose para toda a população adulta. Vejo necessidade em idosos, principalmente naqueles com comorbidades, e em pessoas imunossuprimidas, observando também aqueles acima de 60 anos que fizeram as três doses da CoronaVac.
Para Andrea, é fundamental que as autoridades sanitárias permaneçam atentas ao aumento da circulação e ao cenário epidemiológico para que, caso ocorra uma nova piora na pandemia, se verifique a possibilidade de oferecer a quarta dose para quem foi vacinado há mais tempo (quatro ou seis meses), priorizando os idosos, as pessoas com comorbidades e, somente depois, a população geral. Além disso, é necessário resgatar as pessoas que ainda não fizeram o primeiro reforço.
Novas faixas etárias serão avaliadas conforme a necessidade
Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), destaca que a recomendação do Ministério da Saúde foi embasada pelos dados epidemiológicos que mostraram uma redução da proteção em uma determinada faixa etária. Segundo o especialista, já era esperado que o primeiro grupo a demonstrar uma perda de anticorpos fosse o dos idosos acima de 80 anos, não apenas por ser o mais vulnerável, mas também por ter sido o primeiro a receber doses de vacinas contra a covid-19.
— Por enquanto, ainda não há uma outra faixa etária que demonstre sinais de perda de proteção, mas vamos continuar acompanhando se este fenômeno vai acontecer em outras idades. Se notarmos que há diminuição em outros grupos, vamos usar esse mesmo critério para a adoção da dose de reforço: havendo perda de proteção, a indicação é necessária — esclarece.
Kfouri complementa que, provavelmente, essa diminuição dos anticorpos ocorra de forma escalonada, assim como foram os períodos de vacinação. Desta forma, ainda não há certeza sobre para quem e em que momento o segundo reforço será necessário, mas, por enquanto, a medida está atendendo quem precisa.