Um estudo publicado na revista Science Immunology por pesquisadores da Universidade Oregon Health & Science, nos Estados Unidos, aponta que a combinação da infecção natural com a vacinação contra o coronavírus, independentemente da ordem em que os eventos ocorrem, é capaz de criar anticorpos mais abundantes e mais eficazes contra a doença do que só a vacinação com duas doses. Segundo a pesquisa, publicada no dia 25 de janeiro, a quantidade de anticorpos neutralizantes presentes no sangue de indivíduos que foram infectados depois ou antes de receberem a vacina é dez vezes maior do que aquela gerada apenas pela imunização.
— O que é um avanço é eles terem documentado, de forma clara e elegante, a amplitude do estimulo imunológico: detectaram que tendo vacina mais infecção tu aumenta a amplitude das tuas defesas. A ideia básica é que a melhor forma de conseguir produzir anticorpos é que nossas células produzam defesas como reação a diferentes estímulos imunológicos. Dessa forma, essas defesas serão mais amplas e variadas. É como criar um exército com várias habilidades — afirma o chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Eduardo Sprinz.
Para conduzir o experimento, pesquisadores da Oregon Health & Science analisaram a reposta imunológica de 104 pessoas que estavam vacinadas contra a covid-19. Os participantes foram divididos em três grupos, compostos por 42 vacinados que não haviam sido infectados previamente pelo coronavírus, 31 que foram vacinados após uma infecção e outros 31 indivíduos que foram infectados depois de terem recebido imunizante.
Foram coletadas amostras de sangue dos voluntários, as quais foram expostas em laboratório às variantes Alfa, Beta e Delta. A variante Ômicron ainda não tinha sido detectada no momento do estudo e, por isso, não foi analisada.
Foi observado que os dois grupos compostos por indivíduos com “imunidade híbrida”, ou seja, que foram vacinados depois de terem passado pela infecção ou vice-versa, foram os que criaram mais anticorpos neutralizantes se comparados com o grupo que foi apenas vacinado. Para os dois grupos híbridos, a resposta imune medida no soro sanguíneo revelou anticorpos igualmente mais abundantes e pelo menos dez vezes mais potentes do que a proteção gerada apenas pela vacinação.
Ponderações
Tanto Sprinz como o infectologista Alexandre Zavascki apontam para algumas lacunas no estudo que devem ser levadas em consideração, como o fato de que ele analisou respostas à infecção com as variantes Alfa, Beta e Delta, e não com a Ômicron, predominante atualmente. Assim, não há como comprovar que os efeitos seriam os mesmos observados pelo estudo para outras variantes. Também não foram investigadas as defesas de pessoas vacinadas com três doses.
Zavascki ressalta que outros trabalhos, como alguns estudos publicados pela revista Cell, já demostraram que três doses de imunizante são equivalentes a ter tido uma infecção e mais duas doses de vacina no quesito produção de anticorpos neutralizantes.
— Também já se sabia que, se você vacina após ter tido uma infecção, o seu nível de anticorpos neutralizantes, que é só um ponto da imunidade que a gente monta, é superior ao nível de anticorpos neutralizantes de quem só tomou a vacina. Só que é inadequado chamar essa combinação de “superimunidade” pois ter um nível alto de anticorpos neutralizantes não quer dizer superproteção — explica Zavascki.
Os anticorpos neutralizantes, que foram produzidos em abundância nesse estudo nos casos de “imunidade híbrida”, não são os únicos responsáveis pela proteção dos indivíduos contra a covid-19.
— A contagem de anticorpos neutralizantes é importante, sim, pois são eles que ajudam a impedir a entrada do vírus na célula. Mas há um outro ponto importante da imunidade, a imunidade celular, mediada pelos linfócitos “T” que protegem do agravamento das doenças. Assim, mesmo que anticorpo entre na célula, ele não consegue se replicar e passar paras células. A imunidade celular não foi avaliada pelo estudo — afirma Zavascki.
O alerta é para que os resultados do estudo não sejam interpretados de forma incorreta, já que, como cita o próprio documento, a infecção natural por si só fornece proteção de curta duração contra infecções, o que reafirma a importância da vacinação, independentemente do histórico de contaminação. “Como a vacinação protege contra doenças graves e morte, é mais seguro que os indivíduos sejam vacinados antes do que após a infecção natural” diz a pesquisa.