Oito mil frascos de medicamentos homeopáticos à base de cânfora foram adquiridos pela prefeitura de Marau, no norte do Rio Grande do Sul, para distribuição à população mais vulnerável às complicações do coronavírus. A medida, que tem como objetivo melhorar a imunidade de determinados grupos, foi tomada com base em um relatório feito em Itajaí, em Santa Catarina. Especialistas não homeopatas, no entanto, afirmam que não há comprovação de benefício do uso.
Para Ana Paula Hermann, professora do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), não há nenhuma evidência que comprove a eficácia da substância.
— Não há a menor probabilidade de que isso tenha eficácia. Não precisa nem fazer ensaio clínico — enfatiza.
Já o professor de infectologia da UFRGS Alexandre Zavascki, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia/RS, observa que a expressão "melhorar a imunidade" é muito vaga, pois o sistema imune humano é composto por muitas substâncias. Além disso, destaca, uma melhora da imunidade não teria efeito nenhum contra o coronavírus, pois ele infecta qualquer indivíduo, independentemente de ele ter alguma deficiência ou não no sistema de defesa.
— Ele afeta pessoas sem problema de imunidade. Estão mexendo com coisas que não vão afetar em nada. O que mexe no sistema imune são os tratamentos bem estabelecidos para imunodeficiências.
As entregas, feitas por agentes de saúde, iniciaram no último dia 27, contemplando idosos, profissionais da saúde e pessoas consideradas do grupos de risco, detalhou o secretário municipal da Saúde, Douglas Kurtz. Segundo ele, a aceitação dos moradores foi muito boa.
— Até nos surpreendeu. Entregamos e explicamos que não tem contraindicação, mas que não é um tratamento de combate ao coronavírus. É um tratamento para aumentar a imunidade — completa.
Profissional que auxiliou a administração pública no processo de escolha do medicamento, a farmacêutica homeopata Mariza Casagrande Cervi diz que a substância é bastante estudada na Índia e já teve seus efeitos observados no Brasil durante a pandemia.
— Em Itajaí, foi feito um trabalho em cima da cânfora e criou-se um protocolo que serviu de base nacional. Não é a bolinha de cânfora que se coloca nas roupas. Também não é vacina. Isso não impede de pegar o vírus, apenas favorece que a resposta do organismo seja melhor — justifica Mariza, acrescentando que um dos princípios da homeopatia é despertar a energia vital dos indivíduos.
Uma das autoras do trabalho mencionado por Mariza é a farmacêutica Karen Denez, diretora-secretária da Associação Brasileira de Farmacêuticos Homeopatas. Ela explica que a cânfora é uma substância usada há muito tempo dentro da homeopatia e que tem amplo espectro de atuação. O medicamento, afirma, cobre sintomas relacionados à covid-19, como tosse, falta de ar e febre, por exemplo.
— Não estamos prometendo que as pessoas vão ficar imunizadas. O objetivo é diminuir os agravamentos, minimizar o que a covid-19 provoca. Nossa terapêutica não elimina nenhum tipo de cuidado, nenhum tipo paralelo de outros medicamentos. Somos suplementares — defende.
Itajaí já havia entrado em evidência nos últimos dias, no país, pela posição do prefeito local, Volnei Morastoni. Médico, ele defendeu o uso de ozônio por via retal para combater o coronavírus, sem que esse tipo de tratamento tenha alguma eficácia comprovada contra a doença. O relatório sobre a cânfora desenvolvido no município catarinense se baseou em dados repassados pela prefeitura, explica Karen:
— Dos dados que a gente obteve em relação aos óbitos, vimos que houve 40% a menos de mortes na comparação entre o grupo que usou e o que não usou cânfora. Não evidenciamos isso como fato, colocamos como relatório. Não estamos prometendo nada, queremos mostrar que há possibilidade.
Karen prega que haja um diálogo maior entre as classes – homeopatas e alopatas – para que os protocolos possam ser ampliados, garantindo mais alternativas aos pacientes.
Conforme o secretário de Marau, o município do RS vem fazendo diversos investimentos na área da saúde em razão da pandemia, como um centro para atendimento de síndromes gripais, mais recursos para hospitais e sistema de teleagendamento de consultas. Para oferecer à comunidade outras alternativas, como as práticas integrativas e complementares, na qual a homeopatia se enquadra, a prefeitura buscou opções junto a profissionais que atuam nessa área, como farmacêuticos e médicos homeopatas. O investimento nas doses, de acordo com o secretário, foi de, aproximadamente, R$ 8 mil.
Município tem 19 óbitos
Marau, que conforme estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tem população superior a 44 mil habitantes, contabiliza 1.307 casos de coronavírus, segundo dados atualizados pela prefeitura às 17h de quinta-feira (6).
De acordo com a administração pública, já foram registradas 19 mortes. Quanto às hospitalizações, cinco pacientes estão em instituições de saúde no município e outros seis em Passo Fundo.
Dados do painel de leitos da Secretaria Estadual da Saúde, atualizados à 0h desta sexta (7), mostram que, em Marau, o Hospital Cristo Redentor tem sete leitos covid-19 fora de UTI adulto ocupados, de um total de 26. O número representa 26,9% da taxa de ocupação. Nessa instituição, não há pacientes em UTI. Já no Hospital São Lucas, não há leitos ocupados por pacientes com confirmação de covid-19.