Um tucano-toco com o bico quebrado, um sagui-de-tufo-branco obeso, uma fêmea de macaco-prego sem uma das patas dianteiras, um cardeal-amarelo ameaçado de extinção e um graxaim sem parte do rabo e com uma grande ferida nas costas. Estes são alguns dos cerca de 250 animais que estão atualmente em tratamento no Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em Porto Alegre. Até terça-feira (20), havia exemplares de pelo menos 35 espécies no local, sendo a maioria vítima de tráfico e apreendida em operações policiais.
Com sede no bairro Cidade Baixa, o Cetas não é um zoológico, nem um centro de reabilitação de animais ou clínica veterinária. Funciona, basicamente, como um hospital de guerra, como define o responsável pelo local, Paulo Wagner, onde o objetivo principal é reduzir o risco de morte, que é permanente para esses bichos. No Rio Grande do Sul, há um segundo centro de triagem, na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), na região Sul, e outros dois Centros de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras), um em Imbé e outro em Rio Grande.
— Os centros de triagem até recebem animais de resgate, mas o nosso grande foco trabalho é com os animais de apreensão, de ações fiscalizatórias. Os animais que são trazidos para cá pelos diferentes órgãos de polícia. Nossa função é receber, tratar e destinar. Não temos controle sobre quantos animais entrarão aqui: posso ter uma semana supercalma ou semanas com seis entradas em uma tarde, porque órgãos de diferentes cidades fizeram ações e apreenderam animais — explica Wagner.
A média do Cetas varia de 5 mil a 8 mil animais recebidos por ano — a quantidade é bastante aberta devido às apreensões de tartarugas-tigre-d'água, que são traficadas em centenas e até milhares por vez. Wagner identifica padrões entre os bichos recebidos anualmente: até 80% são aves, 10% mamíferos e outros 10% répteis. Mas as espécies variam muito, sendo mais de cem a cada ano.
Entre as aves, a maioria são passarinhos, mas também são recebidas araras, papagaios e corujas. Além de espécies comuns do Estado, já foram encontrados animais de outras regiões do país, como um macaco ameaçado de extinção de Minas Gerais, um bicho-preguiça e uma jiboia, segundo o responsável pelo Cetas.
Wagner também ressalta que nenhum dos animais chega ao local em boas condições: eles sempre estão estressados, mal alimentados e, muitas vezes, lesionados. Ele cita como exemplo um sagui que está obeso. Mantido em cativeiro, o animal recebia alimentos muito calóricos, que não buscaria na natureza, o que pode gerar problemas de saúde, como diabetes, descompensação metabólica e até levar à morte.
— Então, infelizmente, devido ao comportamento das pessoas, os animais que recebemos são animais que sofreram maus-tratos. E a nossa função, em primeiro lugar, é conseguir que eles sobrevivam. Depois, reabilitá-los e devolvê-los à natureza, que é o lugar deles — comenta, enfatizando que a reabilitação pré-soltura, depois que o animal recebe alta clínica, é feita em locais regulados, que são parceiros do Cetas.
Nenhum bicho pode ficar abrigado no local de forma permanente, por isso, o fluxo é constante. Alguns, no entanto, precisam permanecer por mais tempo devido ao tratamento ou quando há necessidade de repatriação — quando o animal não é típico do Rio Grande do Sul e precisa ser devolvido para seu Estado de origem. Aqueles que não podem voltar para a natureza por algum motivo de saúde, como lesões que os impeçam de buscar alimento sozinhos, são encaminhados para um cativeiro legalizado ou zoológico que possa recebê-los.
— Mas não existe superlotação, a gente se adequa. Não podemos nos negar de atender um animal que chega aqui. Estamos em transição para uma outra estrutura melhor, que vai nos dar capacidade de receber além do Rio Grande do Sul. Vamos receber também animais de Santa Catarina e do Paraná, nos tornaremos um Cetas regional. Isso é algo que já está sendo estruturado — afirma Wagner.
A estrutura atual tem cerca de 800 metros quadrados e existe desde a década de 1990, atendendo principalmente animais apreendidos em toda a metade Leste do Estado. O novo local, no Jardim Botânico, terá uma estrutura de 2 mil metros quadrados, que aumentará a capacidade do centro de triagem. De acordo com Wagner, o projeto está pronto e a ideia é dar início à obra até dezembro deste ano, com a expectativa de entrega em oito meses.
Tratamentos
Com quatro tratadores, uma equipe técnica de oito profissionais, funcionários do setor administrativo e estagiários, o Cetas realiza diferentes tipos de procedimentos, mas serviços de alta complexidade, como cirurgia ortopédica, por exemplo, são feitas em parceria com a Faculdade de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Um dos tratamentos feitos no local, e destacados por Wagner, envolve o uso de laser e foi aplicado em um graxaim que chegou ao Cetas em maio, em uma situação crítica. Ele foi atropelado — algo que também acontece muito no território gaúcho, segundo o responsável pelo centro — e perdeu grande parte do rabo:
— Toda a parte de trás do corpo dele, das costas, estava necrosando. Ele chegou quase para eutanásia, achamos que não teria o que fazer aqui, por mais que a gente entrasse com medicamento, com o tamanho da lesão e trauma, dificilmente ele sobreviveria. Mas já estamos há alguns meses com ele, é uma batalha.
Wagner conta que, logo no início do tratamento, também descobriram que o graxaim é cardíaco: ele teve uma parada cardiorrespiratória na mesa, mas, com reanimação, voltou a respirar. É possível que consiga voltar para a natureza, mas é necessário que esteja com todas as feridas cicatrizadas, para evitar novas lesões. Ele também faz ozonioterapia e acupuntura.
Aves são maioria no local
Entre os animais abrigados até terça-feira, quando a equipe de GZH visitou o local, destacavam-se os passarinhos. Segundo Wagner, há muita demanda pelas espécies, devido ao canto. As espécies mais numerosas são trinca-ferro, cardeal-de-topete-vermelho e azulão.
A quantidade de caturritas também chamava a atenção. Muito disseminado no Estado, esse animal sobre bastante tráfico, afirma o responsável pelo centro de triagem, pois as pessoas querem tê-lo em casa. Muitas delas, devido ao estresse, se mutilam, arrancando as penas.
— O fato de existir um monte não dá direito de retirá-los da natureza. E aí cortam as penas, cortam as asas, mutilam o animal e ele nunca mais voa. Fica impossibilitado de voltar para a natureza — comenta, ressaltando que nenhum desses animais deveria estar no local.
— Eles estão aqui porque alguém errou, porque alguém tomou esses animais sem autorização. Eles estariam melhor na natureza, que é onde deveriam estar — diz o responsável pelo Cetas, Paulo Wagner.
Ele destaca, porém, que é possível ter um animal silvestre de forma legal em casa, desde que a pessoa obtenha uma licença do Ibama, busque um criador legalizado e mantenha o bicho em boas condições, com alimentação e ambiente adequados.
Outro pássaro destacado por Wagner, entre os atendidos no local, é um cardeal-amarelo, uma espécie criticamente ameaçada de extinção. De acordo com ele, estima-se que no Rio Grande do Sul haja menos de 50 animais deste tipo na natureza. Pela beleza, o cardeal-amarelo é alvo constante do tráfico. O cardeal-de-topete-vermelho, típico do Estado, também chega em grande quantidade ao Cetas, em função do comércio ilegal.
Araras trazidas do Norte, um filhote de coruja resgatado e um quero-quero também estão entre os abrigados, assim como papagaios do Nordeste, papagaios-charão, maitacas-roxa e um tucano-toco com o bico quebrado — o que faz com que tenha dificuldade para se alimentar.
Entre os mamíferos, além de dois graxains, o Cetas abriga macacos-prego que foram apreendidos, todos com problemas comportamentais, e saguis-de-tufo-branco. Vinda de São Sebastião do Caí, uma das macacas teve a pata dianteira amputada quando chegou ao local. Conforme Wagner, o membro não tinha movimento e ela começou a se automutilar. É provável que tenha sofrido um choque e, apesar de ter perdido a pata, está bem e tem condições de voltar para a natureza.
— A taxa de reinserção na natureza é muito variada. Para passarinho é altíssima, mas mamífero é mais complicado. Aves conseguem dispersar mais rápido e chamam menos atenção, as pessoas não matam cardeal como matam graxains ou gambás, por exemplo — aponta.
O que fazer ao encontrar um animal silvestre
Ao localizar um animal silvestre ferido ou que precise de resgate, entre em contato com a Divisão de Fauna da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), pelos números:
- (51) 3288-7434
- (51) 3288-7430
- (51) 98593-1288 - via telefone e WhatsApp, em horário comercial
A Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) de Porto Alegre também atua com resgate de animais machucados, manejos e orientações sobre fauna silvestre. Contato pelos telefones:
- 156, disponível 24 horas por dia
- (51) 3289-7517 - Equipe de Fauna, atuante somente em dias úteis