
A circunstância que levou Cristiano Aquino, o Criba, 52 anos, a virar motorista de aplicativo em Porto Alegre não é inédita: o produtor e crítico de cinema se viu sem trabalho na pandemia, em 2020. Mas a mudança acabou o inspirando a escrever seu primeiro livro, chamado Cruber – Causos de um Motorista de Aplicativo e Outras Histórias. A obra, baseada em corridas reais com toques de ficção, passou pela fase de financiamento coletivo e tem previsão para lançamento em agosto.
A ideia surgiu logo nas primeiras corridas, quando chegava em casa e contava para a família o que tinha vivido ou escutado. Ficou pasmo como alguns passageiros ignoram a presença de um ser humano no banco da frente, fazendo ao telefone ou à pessoa que está junto “confissões de cair os butiás do bolso”. Por outro lado, também encontrou gente que valoriza demais a companhia do motorista. Como o seu João:
Paro no mercado.
Seu João embarca e cumprimenta.
Cumprimento e emendo uma conversa.
Seu João fala do calor dos últimos dias.
Eu falo do desconforto da máscara no calor.
Ele fala de como senta na sombra de uma árvore todos os dias.
Eu falo que isso é muito agradável.
Seguimos na troca de palavras.
Chegamos no destino quatro minutos depois.
Corrida dá cinco pila, seu João faz questão de dar R$ 10.
Eu insisto que é muito dinheiro.
E ele, com alegria e tristeza, responde:
— Tu é a primeira pessoa que conversou comigo hoje.
São 18h40min de uma terça-feira.
Histórias como essa fizeram Criba chorar. Sua vontade era de voltar e encontrar as pessoas todos os dias para conversar. Mas a natureza da profissão não é essa: o motorista faz imersões rápidas na vida de um passageiro e se despede, possivelmente, para sempre.
No entanto, houve situações em que o motorista de aplicativo resolveu intervir. No cruzamento da Oscar Pereira com a Aparício Borges, presenciou um linchamento na calçada: um homem deitado no chão “levando chutes e socos de pelo menos cinco pessoas”.
Desceu do carro e se colocou entre eles, ouvindo que o homem recém tinha roubado uma senhora. Criba convenceu os homens que nada justifica violência, e logo a Brigada Militar chegou. Depois disso, precisou se recompor, acalmar o coração e seguir a corrida até Belém Novo.
— A passageira foi me acalmando — conta.
Na seção de histórias leves, Criba lembra o dia em que uma galinha pulou de uma caixa que a passageira levava, indo para o banco da frente “com sérias intenções de acabar com o motorista”. Parou o carro e conseguiram dominar a bichana rebelde.
O motorista e escritor também discorre sobre os nomes inusitados de passageiros: já transportou Sunshine, Shay Anne, Shu, Kyssi e uma variedade de alcunhas que exigiram a máxima criatividade de mães e pais. Em uma última corrida do dia, foi chamado por Walter. Sempre se refere ao passageiro pelo nome e, no meio da conversa, veio a confissão:
— Na verdade, eu não me chamo Walter, mas o aplicativo não aceitou o meu nome no cadastro. Só vou te dizer que minha mãe é fanática por Guerra nas Estrelas.
— Darth Vader?
— Não.
— Obi-wan Kenobi?
— Não exagera!
— Han Solo?
— Errroooou!!!!
— Ewok?
— Cara, vamos ficar a noite toda nisso e tu não vai chegar nem perto.
Abriu sua mochila e pegou seu crachá. Estava escrito Skywalker.
Com o arrefecimento da pandemia e a retomada das atividades, a produtora de Criba voltou a ter demanda e ele passou a dirigir só algumas noites por semana. O aplicativo virou uma forma de complementar renda.
— E angariar testemunhos — acrescenta.
Criba ainda fica triste quando estaciona seu Geely EC7 na garagem sem ter ouvido uma história boa no dia.