A face mais visível da estratégia para salvar o projeto de revitalização do Cais Mauá é o lançamento do marco zero, batizado de Cais Embarcadero, realizado na segunda-feira (22). Mas a mudança de rumo também envolve novas formas de captar recursos e busca de parceiros. A nova expectativa, se o governo do Estado confirmar a manutenção do contrato com o consórcio, é de finalmente começar a reforma dos armazéns tombados no segundo semestre deste ano — etapa que deveria ter se iniciado em março do ano passado, quando o Piratini concedeu autorização definitiva.
Os desafios herdados pelo consórcio Cais Mauá do Brasil e pela LAD Capital, empresa de São Paulo especializada em dar fôlego a negócios cambaleantes, que administra o fundo de investimentos do cais desde o ano passado, não são poucos. O mais urgente é manter o contrato com governo do Estado, que analisa eventual rompimento por razões como a demora para iniciar as obras e a falta de pagamento pela concessão da área. O governador Eduardo Leite deverá se pronunciar nas próximas semanas.
Outro entrave é a falta de recursos. O caixa da Cais Mauá está zerado e necessita de novos aportes para conseguir restaurar os armazéns históricos. Para isso, os atuais administradores traçaram um plano de emergência: lançar o marco zero como forma de recuperar credibilidade e, além disso, alterar a fórmula para captar recursos. Um dos princípios básicos é não apostar mais em uma única fonte, que vinham sendo os fundos de pensão. Além disso, inverteram a ordem entre a busca de dinheiro e a comercialização dos espaços dos armazéns.
— Antes, a linha era "vamos fazer captação de R$ 100 milhões, fazer o restauro de todos os armazéns e aí vamos comercializá-los". Isso demoraria dois, três anos. Quando a gente entrou, em outubro, vimos que não pode esperar. Não temos tempo. Assim nasceu o marco zero — afirma o presidente da Cais Mauá, Eduardo Luzardo.
O marco zero é uma espécie de sublocação de uma área de 19 mil metros quadrados para a DC Set e a Tornak Investimentos e Participações, que vão implantar um espaço de gastronomia e lazer, com restaurantes, parque infantil, beach club, entre outras atrações. É uma intervenção temporária prevista para durar quatro anos, e depois dar lugar a um centro de comércio e serviços.
A intenção da Cais Mauá não é utilizar o espaço para capitalizar o restante do projeto, já que a expectativa é faturar R$ 200 mil a partir do décimo mês — montante insuficiente para tocar o restante da revitalização. O objetivo é encher o cais de gente, dissipar a desconfiança e convencer mais empreendedores a investir.
— Chega um cara, olha o marco zero, olha as empresas que estão lá e diz "eu conheço esses caras, eles não entram em roubada. Eu tenho interesse, como faço?" — diz Luzardo.
Segundo o presidente do consórcio, já há empreendedores atraídos nos armazéns A6 e A5 (localizados mais ao sul). Um dos sócios da DC Set, Eugênio Corrêa afirma que os responsáveis pelo Embarcadero também estudam participar da etapa de revitalização dos armazéns:
— Temos preferência, e isso está em análise.
Luzardo sustenta que o marco zero não é uma solução mágica, mas a melhor aposta possível para manter o atual projeto em pé.
— É o primeiro batimento cardíaco de um cara que entrou numa UTI com uma parada cardiorrespiratória completa. O que vamos fazer? Vamos mandar para fazer tomografia do tórax? Não, ele não está respirando. Bota o cara para respirar — compara o responsável por ressuscitar o cais.
"Temos certeza de que o projeto terá sucesso"
Responsável por gerir o fundo de investimentos do Cais Mauá, o sócio-diretor da LAD Capital, Luiz Felipe Favieri, é especializado em socorrer empreendimentos em crise. Desde o ano passado, um de seus desafios é resgatar a recuperação da área portuária da Capital do descrédito e da penúria. Para isso, conta com o impacto do Cais Embarcadero, também chamado de marco zero da revitalização. Veja trechos da entrevista concedida a GaúchaZH sobre o destino do cais.
O projeto Cais Mauá tem um histórico de problemas que os atuais gestores herdaram e de desconfiança da população por promessas descumpridas. À luz disso, qual a situação real do empreendimento hoje?
De fato, a gente herdou tudo. Mas entramos no projeto porque acreditamos nele, somos especializados em trabalhar com ativos estressados (com dificuldades de captação de recursos). O principal trabalho de desestressar é resolver o problema, não só gestão de crise. Não é só apagar o incêndio, mas terminar o projeto todo. Fizemos uma análise de risco antes de entrar nesse projeto. Semanalmente, recebemos propostas de outros fundos que estão estressados, mas não entramos porque entendemos que não conseguiremos resolver. Nesse caso (do Cais Mauá), sim. Como você disse, tem questões do passado que ainda estão sendo olhadas. Mas, desde que trabalhemos de maneira correta, transparente e assertiva, temos certeza de que o projeto terá sucesso.
Que potencial perceberam no cais, já que recusam tantos outros fundos com problemas?
Entendemos, primeiro, que todos os problemas do fundo e do cais, agindo corretamente daqui para frente, não tem problema. Tentamos sempre traçar uma agenda positiva e olhar para frente. Sem dúvida, o passado volta e meia vem, mas se a gente ficar olhando só o passado não vai para frente. Enxergamos isso porque, depois de muito tempo, as licenças (autorizando o empreendimento) finalmente saíram.
O que chama a atenção no caso do cais é justamente que todos veem potencial, e ao mesmo tempo, deparam com sucessivas frustrações. O que vocês diriam para quem está descrente?
Temos de atacar as premissas básicas, que são a credibilidade do projeto, em quem está conduzindo o projeto, e a atratividade, que passa pelo equilíbrio. Investidor gosta de número. Ninguém coloca R$ 600 milhões porque é na beira do Guaíba. É melhor colocar R$ 600 milhões na beira do Guaíba, mas o número tem de fechar. O número tem de ser bom. Investidor quer rentabilidade.
Hoje, quem chega a Porto Alegre vê as telhas quebradas do cais, vidro quebrado, e não é de hoje. Como convencer que agora vai dar certo?
O investidor já sabe que a telha está quebrada. Mas o cais tem ativos, que são as licenças, a localização, isso atrai o investidor desde que o número pare em pé e as pessoas apresentem algo factível.