O nome oficial era "curso básico de mecânica", mas para as 28 mulheres que se inscreveram, as três horas do treinamento têm outro significado: autonomia. Oferecida de graça pela Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), a ação é realizada pela segunda vez — a primeira ocorreu em março, em comemoração ao Dia da Mulher. Para Fabiana Kruse, coordenadora de Educação para Mobilidade da EPTC, é uma forma de assumir espaços.
— É um jeito de colocar a mulher no controle, não só na hora de dirigir, mas para que ela entenda mais sobre seu papel no trânsito, no carro, até na cidade. É para empoderar, sim _ explica Fabiana. — Existe o mito de que mulher não vai entender dessas coisas e a gente pode ficar insegura.
O cenário narrado pela coordenadora também aparece na fala de quem participa do curso. Oficinas e borracharias ainda são espaços geralmente ocupados por homens, e relatos de momentos em que elas se sentiram enganadas aparecem na boca da maioria das presentes.
— Uma vez, comprei um presente pra um sobrinho que mostrava maios ou menos as engrenagens de um carro. Claro que era um brinquedo, mas vinha com ferramentas pra trocar as rodas, mexer nas peças. Ele tinha seis anos e pôde ter uma base sobre isso. Se fosse uma menina, ia acabar ganhando bonecas ou algo relacionado à casa. A gente condiciona as coisas — conta a aluna Ivelise Menezes.
Sonda lambda, válvula canister, arrefecimento não são palavras novas, mas podem causar confusão e fazer um problema simples parecer complexo. Depois de quase duas horas de explicações teóricas, a turma se dirigiu ao estacionamento, onde pôde esclarecer as questões na prática. Foi o momento para que elas colocassem a mão na massa: mexeram nos pneus, ouviram sobre calibragem, funcionamento do motor, lubrificação, economia de gasolina e prazos para manutenção de cada engrenagem do veículo.
Durante a aula, também houve espaço para quebrar mitos. A ideia de que trocar pneu, por exemplo, "pode ser uma grande dificuldade pras mulheres", trazida por um instrutor desavisado, não passou batida.
— Mas e se for um homem pequeninho? Também vai ter que fazer força, não tem a ver. É só mais uma barreira, junto de tantas outras, que nos colocam — defende a jornalista Paula Moizes.
Na visão dela, as aulas se tornam mais acolhedoras quando são restritas às mulheres. Ciclista, ela tem carro, mas utiliza mais a magrela. Vê no curso de mecânica uma forma de buscar conhecimento, entender melhor o trânsito e buscar mais autonomia.
— Nesse meio, a gente precisa mostrar que sabe alguma coisa pra ganhar respeito. Isso é uma questão de gênero. Então é ótimo que a gente seja chamada para esses espaços, para esses debates — defende.
Com habilitação desde 1985, Suani Pires nasceu em meio a debates sobre carros. Valor passado através de gerações, ela lembra da avó, nascida em 1919, também habilitada, que adorava dirigir.
— No interior, quando a gente ainda podia correr, as minhas irmãs e amigas competiam de igual para igual com os meninos — afirma.
Mas nem só de borracharia se faz o curso. A troca de experiências entre as presentes também reflete no conhecimento adquirido. As azulzinhas Katia da Cruz e Tatiane Fontoura contam sobre abordagens que realizaram ao longo do trabalho. Em mais de um momento, ambas precisaram acionar colegas ou mesmo a Brigada Militar para conter situações em que se sentiram desrespeitadas por serem mulheres.
— Uma vez, precisei chamar a polícia e fazer um boletim, porque um motociclista tentou dar um tapa no meu braço pra derrubar o talão de multas. Fora as ofensas verbais, claro.
Tatiane, que trabalhou como fiscal por pelo menos quatro anos nas ruas da Capital, impressionou alunas ao relatar situações pessoais.
— Agressão verbal é todo dia. Mandam ir lavar roupa, dizem não entender porque tem mulheres fazendo esse trabalho, falam que estamos aqui por "estarmos com falta de homem". Ainda hoje, existem homens que não entendem ou aceitam a presença de mulheres no mercado de trabalho.
A dica, na visão das agentes, é mesmo buscar o conhecimento.
— Sempre que preciso mandar o carro pro mecânico, já passo um diagnóstico. Digo: "está acontecendo tal coisa e acho que o problema é tal. Pode verificar?" — explica Tatiane.
Na visão da fiscal, é importante saber do que se está falando, e o curso é uma ferramenta que pode ajudar nisso.
— Isso nos torna mais independentes e nos dá mais força pra continuar lutando, Mas é claro que a gente deve ser respeitada simplesmente por ser uma pessoa, não por entender ou não de algum assunto — lembra Paula.