Um movimento contrário ao retorno do Foro Regional ao bairro Restinga, no extremo sul de Porto Alegre, começa a crescer entre advogados, promotores e juízes, com aval de quem depende do serviço para atendimento e da Brigada Militar. O motivo alegado é a insegurança desenfreada na região. A retirada do Foro e de outros serviços do bairro foi tema de reportagem do Diário Gaúcho no final de semana passado.
Na semana passada, um abaixo-assinado com 150 assinaturas de advogados que frequentam o Foro foi entregue à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) solicitando apoio para que o Foro permaneça no bairro Tristeza. O mesmo documento será entregue à Ajuris e ao Ministério Público. O presidente da OAB/RS, Ricardo Breier, enviou ofício ao Tribunal de Justiça solicitando informações sobre o Foro da Restinga. Após a análise desses dados e estatísticas, a OAB/RS irá se manifestar.
— O Foro atende pelo menos oito bairros, mas fica numa área com disputa entre facções do tráfico, o que acaba afastando das audiências quem não é do bairro. Para piorar, o transporte também é precário, pois faltam horários e linhas, o que não ocorre no bairro Tristeza. Quem vai de carro fica à mercê de guardadores, na maioria das vezes, violentos — ressalta o advogado Carlos Roberto Zaccaro, um dos que assinou o documento e o entregou à OAB.
O argumento do advogado é reforçado pelo diretor de Promotoria da Restinga, Eduardo Viegas, que vê problemas no retorno. Segundo ele, o número de audiências suspensas por falta de uma das partes era muito maior quando o Foro funcionava no bairro, prejudicando o trabalho da Justiça.
— Mesmo com a vara criminal sendo transferida para a área central, seguiremos tendo problemas. Há relatos de ameaças por traficantes, inclusive, em ações relativas à união estável e pedidos de pensão alimentícia — justifica.
Medo
Os números mostram as mudanças ocorridas desde que o Foro foi transferido. Na Vara Civil, por exemplo, entre julho de 2015 e julho de 2016, quando ele ainda funcionava na Restinga, ocorreram 1.913 audiências com 2.880 pessoas ouvidas. No Juizado 2, havia um rodízio de juízes por falta de um que permanecesse atuando no local. Quando a unidade passou a funcionar em outro bairro, houve um salto nos atendimentos na mesma Vara, já com juiz definido para o Juizado 2. Entre fevereiro de 2017 e fevereiro deste ano, foram realizadas 2.442 audiências com 4.111 comparecimentos às audiências.
— Era comum os processos não andarem por falta de uma das partes. Ainda mais se o caso envolvesse pessoas moradoras do bairro — relata uma juíza, que pediu para não ser identificada.
Numa audiência de março deste ano, por exemplo, uma das partes de uma ação relativa à União Estável declarou, aos prantos, que "não iria ao Foro se estivesse localizado no prédio antigo, uma vez que não se sentia segura de ir ao bairro" por ter sido ameaçada de morte por integrantes de uma facção criminosa. Numa outra audiência envolvendo pensão alimentícia, em agosto de 2017, o autor da ação alegou que "os traficantes o proibiram de entrar de caminhão da avenida para a Rocinha, atrás do Foro. Inclusive, acertaram um tiro na cabine do caminhão para assustá-lo". Apesar de ser morador da Restinga, ele só participou da audiência por ser no bairro Tristeza. Ambas declarações constam nos autos dos processos.
Alerta vindo da Brigada
Em fevereiro deste ano, o comando do 21º BPM, que atua no bairro, encaminhou oito respostas aos questionamentos solicitados pelo Ministério Público relacionados à segurança para o retorno do Foro ao bairro. Num dos trechos do documento a que o Diário Gaúcho teve acesso, o comando ressalta que "o ponto onde encontra-se o prédio em questão é um local de grande vulnerabilidade, pois trata-se de uma zona de confluência e conflito entre três facções. Fatos como disparos de arma de fogo, circulação de pessoas armadas e crimes violentos intencionais contra a vida tem uma intensidade elevada na circunvizinhança".
Em outra parte, o comando cita quatro fatores que impediriam o retorno do Foro ao bairro: não ser um local de fácil acesso ao público que ali acorre, uma vez que as rotas de ônibus da Restinga não passam pelo Foro; não possuir estacionamento nem público nem rotativo; ser limite entre as Restingas Nova e Velha, com rivalidades históricas e, atualmente, envolvidas nas disputas do tráfico; por ser o prédio do Foro o ponto mais alto e visível de todo o bairro, gerando sentimentos conflitantes quanto a sua presença na comunidade, podendo vir a ser alvo de graves e anônimas manifestações e ações de violência.
— Existe divisão, sim, dentro do bairro. Muitas famílias são impedidas pelo tráfico de atravessarem dentro da Tinga. Tem gente que mora na Rocinha (vila) que não pode ir no Barro Vermelho (vila). Outras, moram na Restinga Nova e não podem cruzar a avenida para irem à Tinga Velha — confirma uma moradora, pedindo para não ser identificada.
21° BPM poderá ocupar um andar do prédio
Apesar do alerta local, o Comando-Geral da Brigada Militar afirmou em nota, por meio da assessoria de imprensa, que "em que pese a manifestação técnica do Comando do 21º BPM, que foi realizada com base nos indicadores de criminalidade local e estudos realizados, a Brigada Militar não possui atribuição legal para definir em quais locais e sob quais circunstâncias serão instalados prédios públicos de outras instituições e poderes. Entretanto, independentemente da forma e local de definição, a Brigada Militar, tendo em vista sua atribuição legal e constitucional, utilizará os recursos materiais e humanos disponíveis para garantir as condições de trabalho dos órgãos da Justiça e a tranquilidade da população e comunidade do bairro Restinga. Há contatos preliminares com o Poder Judiciário para se analisar a possibilidade da Brigada Militar, por intermédio do 21º BPM, ocupar um andar do Fórum com uma Companhia daquele Batalhão".
Para TJ, decisão já está tomada
Desde setembro de 2016, o prédio localizado na principal avenida do bairro, em frente à Praça Esplanada, está fechado para reformas. Na época, cerca de 20 mil processos e 80 pessoas (60 integrantes do Judiciário, mais 20 da Defensoria Pública e do Ministério Público) foram transferidos para o Foro do bairro Tristeza. A previsão atual do Departamento de Infraestrutura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), com o aval do terceiro vice-presidente do TJ e presidente do Conselho de Comunicação Social, desembargador Túlio Martins, é de reabrir o prédio reformado no próximo semestre.
Com relação à mobilização da classe jurídica, o desembargador reiterou que o tema já foi discutido pelo Tribunal e que a decisão já está tomada, não havendo possibilidade de recuo na decisão.