No papel e em discursos, Porto Alegre já recebeu linhas de metrô com diferentes percursos e extensões, corredores de ônibus modernos com estações climatizadas e terminais confortáveis parecidos com shopping centers.
Na prática, em três décadas de estudos, promessas e alterações de rumo, nenhum dos dois planos de transporte público que concentraram esforços nesse período deslanchou. Agora, depois de sucessivos prazos anunciados para revolucionar a mobilidade, a cidade ficou sem nenhum.
Uma nova mudança de planos – criar uma rede de BRTs integrada à Região Metropolitana – deixou o projeto sem data e motiva debate entre especialistas sobre o melhor caminho a seguir. Na semana passada, a prefeitura revelou uma negociação com a Caixa a fim de destinar R$ 115 milhões originalmente reservados ao sistema de BRT (Bus Rapid Transit) para concluir obras viárias da Copa e de pavimentação e drenagem de mais duas vias (veja abaixo).
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Como resultado, a iniciativa prometida para desafogar ruas e avenidas antes da Copa 2014 não tem cronograma à vista. No começo do ano, o governo federal já havia enterrado o sonho do metrô ao vetar repasses públicos de R$ 3,5 bilhões para o projeto em razão da crise econômica.
A prefeitura argumentou, ao justificar a decisão de desidratar a verba do BRT, que a implantação integral do sistema custaria cerca de R$ 1 bilhão – bem mais do que a cifra anterior estimada em até R$ 285 milhões para criar corredores nas avenidas João Pessoa, Protásio Alves e Bento Gonçalves, mais terminais e estações complementares. Mas a comparação entre essas cifras é imprópria: o bilhão citado pela prefeitura se refere ao custo estimado para implantar uma rede de BRTs em 74 quilômetros de vias no município (com base em um preço médio de R$ 16 milhões por quilômetro), bem mais do que os cerca de 18 quilômetros dos três corredores acertados com a Caixa.
O titular da Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão, José Alfredo Parode, lembra ainda que não foram deixados projetos executivos para os terminais e estações do BRT, o que impediria a aplicação imediata dos recursos. Segundo ele, a transferência de verba foi a saída encontrada para terminar as obras da Copa:
– Tínhamos a responsabilidade de encontrar uma solução para essas obras.
O gerente de Planejamento Estratégico de Transportes da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Luís Ribeiro, apresenta outro argumento para colocar o projeto dos ônibus em marcha lenta: a ideia é montar um plano de mobilidade – que deve ser feito pelas grandes cidades do país até abril de 2018 – e, a partir das diretrizes desse documento, recriar o projeto dos BRTs.
– A intenção é formar uma rede integrada à Região Metropolitana. Mas ainda será detalhado como será feita essa integração, como será a operação, a tarifa – diz Ribeiro.
Especialista em transporte, o engenheiro Renato Petry, sócio-diretor da Cibertran Engenharia Consultiva, aponta que o atraso na implantação das vias rápidas complica ainda mais a mobilidade na Capital.
– Não aplicar esses recursos no sistema de transporte coletivo implicará na continuidade da deterioração e da sua inviabilização. O sistema vem em queda constante de qualidade associada à incapacidade dos usuários, única fonte de financiamento, suportarem o aumento do custo – analisa o especialista.
Diretor-presidente da EPTC na gestão anterior, Vanderlei Cappellari avalia que o município poderia dar sinal verde aos BRTs, já que as repavimentações dos três primeiros eixos estão em andamento e as áreas para a construção dos terminais tinham poucas pendências de desapropriações.
– Tu podes adequar o projeto dos terminais e das estações ao recurso que tu tens, garantindo o mínimo para o sistema funcionar. Hoje, não temos alternativa ao BRT – opina Cappellari.
A prefeitura pretende iniciar o projeto executivo dos primeiros BRTs até o final da atual gestão, mas não há mais previsão de quando o sistema pode começar a operar.
O QUE É O BRT
A sigla significa Transporte Rápido por Ônibus e é um sistema semelhante ao de um metrô. Os veículos se deslocam por corredores exclusivos e contam com um sistema próprio de estações e terminais. O passageiro paga a passagem ao ingressar no sistema, e não ao entrar no ônibus, o que reduz o tempo de parada.
PARA ONDE VAI O DINHEIRO DO BRT
Destinação dos R$ 115 milhões retirados dos corredores de ônibus (valores aproximados):
Trincheira da Plínio Brasil Milano: R$ 2 milhões
Trecho 2 da Voluntários da Pátria: R$ 48 milhões
Severo Dullius: R$ 15 milhões
Macrodrenagem e pavimentação da Avenida Ernesto Neugebauer: R$ 33 milhões
Macrodrenagem e pavimentação da Rua José Pedro Boésio: R$ 16 milhões