Há 10 anos na luta pela revitalização do Viaduto Otávio Rocha, no Centro Histórico de Porto Alegre, a Associação Representativa e Cultural dos Comerciante do Viaduto Otávio Rocha (Arccov) realiza, neste domingo, um evento cultural em comemoração aos 84 anos da construção da estrutura. Com previsão de atrações musicais, declamações poéticas e teatro de rua, a ação seria uma das justificativas da prefeitura para a remoção dos moradores de rua do local na tarde de sábado.
Realizada pelo Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) e pela Guarda Municipal, a remoção não teve apoio da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) do município. Além disso, a prefeitura não soube informar para onde as pessoas em situação de rua que viviam no local e seus pertences foram levados. O presidente da Arccov, Adacir Flores, alega que a presença dos moradores de rua no local afastava os clientes dos estabelecimentos comerciais, mas que tirá-los dali sem políticas públicas de assistência social, de segurança e de saúde não resolve o problema.
Na manhã deste domingo, enquanto acompanhava a montagem dos equipamentos de som para o evento, ele notou que muitas das pessoas que tinham o viaduto como teto ainda rondavam o local. Na noite de sábado, alguns moradores de rua foram vistos desorientados e andando no entorno do viaduto.
– Tivemos que fechar o comércio mais cedo, às 16h, porque alguns estavam revoltados. Se não tiver uma política publica que una várias secretarias, não vai resolver o problema. Onde está essa triagem? Por que não conduzem os doentes e os dependentes químicos para um hospital? – questiona Flores, que busca desde 2014 uma autorização da prefeitura para que os comerciantes organizem uma feira diariamente no local, semelhante ao Brique da Redenção.
Crítico da presença dos moradores de rua no local, que chegou a chamar de "cracolândia", por causa do consumo de drogas, Flores diz que já acompanhou outras remoções semelhantes.
– Tem gente que nos critica, dizem que não gostamos das pessoas. O problema é que todos têm o direito de ir e vir e, ali, não estávamos mais com esse direito. A situação do patrimônio público estava caótica, mas não quer dizer que apoiamos a retirada deles dali sem políticas públicas – acrescenta o comerciante, definindo a ação como um "elástico": quando são retirados sem assistência, os moradores de rua voltam ao local, porque não têm para onde ir.
Em uma reportagem sobre a situação do viaduto publicada na última sexta-feira, Zero Hora relatou que faltam vagas nos albergues para a população de rua. No sábado, a Fasc divulgou uma nota sobre a remoção, ressaltando que "a Política de Assistência Social trabalha com o estabelecimento de vínculos com as pessoas em situação de rua e não participa de nenhuma ação de retirada dessas pessoas, como forma de higienização". O órgão ainda informou que, assim que foi comunicado do evento pelo aniversário do Viaduto Otávio Rocha, "as ações das equipes de abordagem foram intensificadas durante a semana, na busca da sensibilização para que as pessoas viessem a acessar os serviços da assistência social."
Na tarde deste domingo, equipes do DMLU faziam a limpeza do local, onde apenas uma moradora de rua dormia, sobre um pedaço de papelão. Sem autorização da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) para que a rua fosse fechada para carros durante o evento, inciado ao meio-dia e com previsão de encerramento às 18h, a Arccov fez parte da calçada de palco, onde instalou equipamentos de som.
Por volta das 13h, músicos se apresentavam no local sob sol forte, para um público tímido de menos de 10 pessoas. Parte do comércio também estava aberta, com a venda de livros, quadros, discos de vinil e CDs.
Zero Hora tentou contato com a assessoria de imprensa do DMLU, mas não havia obtido retorno até a publicação dessa reportagem.
Defensora pública afirma que política de remoção é "dura e mal gerida"
Dirigente do Núcleo de Moradia da Defensoria Pública do Estado (DPE), a defensora pública estadual Luciana Artus Schneider afirma que há um expediente instaurado no órgão desde o início do ano por causa das remoções das pessoas em situação de rua realizadas pela prefeitura. A remoção ocorrida no sábado, no viaduto, deve ser tratada no processo.
– A política de remoção da atual administração é dura e mal gerida, principalmente porque quem faz é o DMLU, órgão responsável pela limpeza, e não a Fasc, órgão da assistência social. Ou seja, essas pessoas são tratadas como lixo. Defendemos que a retirada seja feita pela Fasc e pelo Demhab (Departamento Municipal de Habitação) com planos de ação, como o encaminhamento para o aluguel social – afirma.
Um grupo de trabalho, integrado também pela Defensoria Pública da União e por organizações não-governamentais que atuam junto aos moradores de rua, deve se reunir em janeiro e produzir documento para entregar à próxima gestão, pedindo que as remoções cumpram recomendações dos órgãos.
– Não podem ser feitas sem ação judicial, como tem sido recorrente em Porto Alegre desde a Copa do Mundo, de uma forma truculenta – completa Luciana.