No nervoso fluxo sobre rodas da Avenida Assis Brasil, quem desgrudar os olhos por um instante do asfalto pode se surpreender. Perto do viaduto Obirici, um prédio de quatro andares virou obra de arte, com pelo menos 50 tons de cores e figuras que vão do semblante austero de um índio ao que parece um jardim alienígena. Caindo ou não no gosto de quem passa, a transformação – feita há mais de um ano – dá um pouco de vida à selva de pedras.
– O pessoal que passa por aqui para ir ao trabalho está acostumado àquela coisa cinza. Depois disso, teve gente que veio me procurar agradecendo, falando que mudou o cotidiano deles. E eu acho que, se muda o cotidiano da pessoa, de certa forma muda o mundo – diz Jackson Brum, um dos artistas responsáveis.
Essa provocação em cores é promovida pelo grafite, que ganha paredes, muros e mesmo fachadas inteiras pelas ruas de Porto Alegre. São manifestações artísticas de rua, que têm o uso do spray como um símbolo – mas também podem se valer de pincéis, rolos e vários outros equipamentos de pintura, como lembra a artista plástica e professora do Instituto de Artes da UFRGS Marilice Corona. Ela destaca que o grafite se consolidou na Capital ainda na década de 1990 e já é reconhecido no meio acadêmico, entre os galeristas e em grandes exposições.
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– Vê-se que os grafiteiros estão se alimentando, não só com a linguagem da rua, mas com alguns aspectos da história da arte. Antes tinha um tipo de repertório, um tipo de letra e desenho, e hoje se vê uma amplitude muito maior, fazendo referências a um mundo enorme de imagens – complementa.
Essas manifestações inspiraram o geólogo Pércio de Moraes Branco, 69 anos, a criar uma página no Facebook para publicar fotos dos trabalhos mais bacanas que encontra pela cidade.
– Eu me dei conta de como é importante fazer o registro, porque se trata de uma arte efêmera. De repente, aquele muro é demolido para uma obra, ou a casa é reformada e pintam por cima – explica.
Ele já divulgou cerca de cem grafites na página e sonha em transformar o material em livro.
– Me surpreende a originalidade e a qualidade artística de alguns. Na minha opinião, o grafite quebra a monotonia da cidade – destaca.
Um novo céu para a Marechal Floriano
O Centro de Porto Alegre ganhou um pedaço a mais de céu. É um oferecimento de uma dupla de artistas visuais que pintou a fachada de um prédio de sete andares na Rua Marechal Floriano Peixoto com diferentes tons de azul.
– É para ser como se o prédio não existisse – explica Jonathan Peres, 32 anos, conhecido como Jotapê e um dos autores.
Para fazer o grafite, foram utilizadas cerca de 500 latas de spray e 40 litros de tinta. Voando nesse céu de criatividade, com várias figuras abstratas, na lateral do edifício foi desenhada uma figura feminina, que os artistas chamam de "a gigante do Centro". Ela observa, de cima, todos os pequenos humanos passando apressados pela Marechal Floriano.
– O cara soltou a criatividade. Ver isso num lugar histórico como o Centro é muito bacana – avalia o produtor de vídeos Lucas de Lima, 25 anos.
O prédio é sede da escola de formação profissional da Hugo Beauty. Diretora Administrativa da empresa, Gabriela Niederauer destaca que o objetivo ao contratar os jovens artistas visuais foi revitalizar o prédio de mais de meio século para que fique bonito e se mantenha assim, numa tentativa de evitar pichações.
De acordo com o promotor Alexandre Saltz, da Promotoria de Justiça de Defesa de Meio Ambiente de Porto Alegre, diferente da pichação, a prática do grafite não constitui crime no Brasil, desde que consentida pelo proprietário.