Há duas semanas, recebemos a visita de um colega inglês, veterano virologista. Durante uma de suas palestras sobre os atuais problemas de epidemias virais, ele mencionou pensativo que estivera presente na primeira reunião de avaliação de projetos de pesquisa sobre aids, quando ainda não se sabia se a síndrome era causada por um vírus. Muitos suspeitavam, mas era difícil estabelecer a conexão: os sintomas eram desconcertantes, e o vírus teria de ser novo, pois não havia nada comparável descrito até então. O vírus HIV acabou sendo isolado na França, rendendo um Nobel a Luc Montaigner e Françoise Barre. Poucos entendem por que essa descoberta não ocorreu nos Estados Unidos, na época líder absoluto de pesquisa em ciências da saúde. Ronald Reagan, então presidente, desencorajou abertamente as pesquisas sobre o assunto, cortando as verbas dos cientistas envolvidos. Sua posição era a de que a doença era um castigo divino a homossexuais e usuários de drogas injetáveis. O tempo rapidamente revelou que o vírus era transmitido por transfusões de sangue e de mãe para filhos, e Reagan viveu para ver o saldo aterrorizante de mortos que sua política deixou no país e no mundo. Conto sempre essa história em aula para ilustrar como ideologia pode influenciar algo aparentemente apolítico como a ciência. A palavra crítica nesse caso é "aparentemente" - porque a ciência não pode ser isolada do contexto histórico e político em uma determinada época ou determinado lugar.
Colunistas
Cristina Bonorino: a verdadeira epidemia
"Porque a verdadeira epidemia no Brasil é a de políticos e governantes que não têm o mínimo conhecimento do valor da pesquisa científica ou do calibre de cientistas que o pais possui"