Tudo sobe de preço, mas as passagens de ônibus aumentam mais. Essa tem sido a tônica nos últimos 10 anos em Porto Alegre. Na maioria das vezes (seis anos em uma década), a tarifa do transporte superou a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
O cenário fica claro em medição realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) a pedido de Zero Hora. Desde 2004, a passagem foi elevada em 90,32%, enquanto o INPC no mesmo período registrou alta de 72,04%, uma diferença de praticamente 20 pontos percentuais.
O último pedido de reajuste pelo Sindicato das Empresas de Ônibus de Porto Alegre (Seopa), de 18,3%, será o maior nesses 10 anos, se for confirmado. A passagem passaria dos atuais R$ 2,95 para R$ 3,49. Caso o prefeito José Fortunati sancione esse valor, a capital gaúcha se tornará a segunda capital mais cara para se andar de ônibus no Brasil, atrás apenas de São Paulo - e por um centavo de diferença.
O histórico de aumentos da tarifa demonstra, porém, que sempre há uma redução do valor pedido pelas empresas de ônibus, determinada pela prefeitura em sua decisão final. Nos últimos 10 anos, a média de reduções ficou entre cinco e 10 centavos. Se for assim mais uma vez, o prefeito poderá determinar que a passagem fique entre R$ 3,45 e R$ 3,40, com o arredondamento que sempre ocorre para facilitar o troco. Ainda assim, Porto Alegre seria a segunda mais cara - no nível dos R$ 3,40, empataria com o Rio de Janeiro.
Defasagem explica o percentual mais alto, dizem empresas
O Seopa defende que o aumento é reflexo do represamento da tarifa desde 2013, defasada em 15,47% - o aumento salarial dos rodoviários e a recente alta do diesel aproximam esse percentual dos 18% pedidos. Ainda assim, mesmo em 20 anos houve somente dois reajustes tão altos, em junho de 1995, de 29,73%, e em junho de 2000, quando a passagem subiu 21,43%.
O diretor-presidente da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Vanderlei Cappellari, pondera que os cálculos do transporte são um campo à parte, descolado da inflação. O vilão é o IPK, o Índice de Passageiros por Quilômetro. Resumidamente, quanto menos passageiros entrarem nos ônibus, maior será o preço da passagem.
- Só em 2014, o número de passageiros de ônibus em Porto Alegre caiu 6%, mas o IPK acabou sendo reduzido em 1,95%, devido aos seus critérios de cálculo. Tem que atrair mais passageiros, e uma forma é restringindo o uso do automóvel - afirmou Cappellari.
Melhora na qualidade deve ser gradual, segundo a EPTC
Gerente de benchmarking da Associação Latino-Americana de Sistemas Integrados e BRT (SIBRT), André Jacobsen não é contra o aumento de tarifa, desde que a qualidade seja compatível. Mas não se trata somente de pagar o serviço, e sim de desenvolvê-lo na cidade, investindo no setor como um todo, ao ponto de convencer as pessoas a deixarem os carros para utilizar o transporte público.
- Se não tem um bom nível de remuneração, não gera emprego, as unversidades não desenvolvem pessoas para o transporte público e não se desenvolve o setor. O que temos de engenheiros de transporte capacitados para fazer bons contratos, para fazer uma otimização das linhas de ônibus para baixar custos, e assim por diante? Nós não temos. E se não se investe no setor, seja por subsídios, seja por tarifas um pouco mais altas ou investimentos na EPTC, não se desenvolve o setor e vamos ficar sempre nessa discussão boba de contratos com fragilidades e nesse debate sobre não colocar subsídios, não aumentar a qualidade do transporte - argumenta.
O valor do subsídio anual projetado para São Paulo em 2015 ultrapassa R$ 1,4 bilhão, e, segundo Jacobsen, a prefeitura tem conseguido conter a debandada dos passageiros para os veículos particulares. Ainda assim, trata-se da passagem mais cara do país. Em Porto Alegre, se parte para a terceira licitação. Nas duas tentativas anteriores, o prazo de concessão era de 20 anos, um tempo longo demais, aponta Jacobsen:
- Quando se tem contratos de concessão de 20 anos, com poucas empresas, a empresa diz: ó, não tem dinheiro para pagar a folha e para trocar a frota. Aí a prefeitura não tem caminhos legais para punir ou colocar outra no lugar. A cidade sai perdendo de qualquer jeito em contratos superlongos e sem mecanismos para substituir uma empresa que não cumpre com as metas de qualidade.
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Em Londres, lembra Jacobsen, a contratação é por quatro anos, renováveis por mais dois. Na capital inglesa, os contratos são feitos por cada linha de ônibus, formato que Porto Alegre pretende assumir com a nova licitação que está em confecção.
Assumir um transporte top como o londrino assim de cara, porém, não é uma boa decisão, segundo Cappellari, porque aumentaria o preço da passagem a um nível estratosférico. Ele defende a gradual melhoria do transporte.