Após dias de negociação intensa e pressões de todos os lados, o parecer do relator da proposta de reforma da Previdência , apresentado nesta quinta-feira (13), na Câmara dos Deputados, alterou itens e reduziu a economia prevista pelo governo federal, de R$ 1,2 trilhão para R$ 913,4 bilhões em 10 anos. Entre as mudanças, estão a retirada do regime de capitalização, considerada a principal derrota da equipe econômica, e a exclusão de Estados e municípios, criticada por prefeitos e governadores, incluindo Eduardo Leite (PSDB), para quem "o Brasil perdeu uma grande oportunidade".
Leite também disse acreditar que há chances de reverter a decisão e evitar o que chamou de "meia reforma":
— O Brasil perdeu uma grande oportunidade. Não jogamos a toalha. Ainda vamos buscar que se garanta uma reforma completa, aquela que vai efetivamente encaminhar solução para a federação como um todo.
Definidas em acordo prévio com líderes partidários, as modificações propostas pelo relator, o deputado federal Samuel Moreira (PSDB-SP), já eram esperadas. Além das medidas acima, foram suavizadas regras de transição e barradas alterações na aposentadoria rural e no benefício assistencial a idosos e deficientes carentes (BPC), entre outros pontos.
Sobre a decisão de extirpar Estados e municípios da proposição, o relator lamentou, no parecer, "que o contexto político tenha criado dificuldades incontornáveis à imediata extensão das alterações às demais unidades federativas". Nas últimas semanas, parlamentares reclamaram de falta de apoio e exigiram o recuo por receio de reflexos eleitorais negativos.
Em reação, 25 governadores – entre eles, Leite – assinaram carta conjunta no último dia 6, em defesa da manutenção de governos municipais e estaduais na reforma. O presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Antonio Cettolin, diz que havia a esperança de superar a resistência.
— Vamos discutir os próximos passos a partir da semana que vem. Faremos o que for preciso para convencer os deputados a nos ajudarem. Do contrário, em poucos anos tudo o que arrecadamos será usado para pagar aposentadorias — ressaltou Cettolin.
Se essa foi a principal decepção para gestores municipais e estaduais, o grande dissabor do ministro da Economia, Paulo Guedes, foi o fracasso envolvendo o regime de capitalização – espécie de poupança que o próprio trabalhador faz para garantir a aposentadoria no futuro. O relator concluiu que "não é o modelo mais adequado para um país cujos trabalhadores têm baixos rendimentos, além de ter elevado custo de transição".
Apesar disso, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, reafirmou, nesta quinta-feira (13), que o governo não abrirá mão da iniciativa. A discussão sobre o tema deve ser retomada.
— Isso foi pouco discutido, ainda está um pouco incompreendido, mas acabei de falar para o presidente da Câmara (Rodrigo Maia), porque é um ponto que defendo muito fortemente. A capitalização é o caminho para as novas gerações — enfatizou o ministro, em entrevista à Rádio Gaúcha.
Para arrefecer o descontentamento do governo frente às alterações, em especial à redução da economia prevista, o relator sugeriu uma alternativa: ampliar os recursos do PIS/Pasep destinados à Previdência. Com isso, as receitas previdenciárias aumentariam R$ 217 bilhões, e o resultado fiscal em uma década seria de R$ 1,13 trilhão, equivalente ao estimado por Guedes.
A discussão do relatório deve começar na próxima semana. Ainda não há data para a votação na comissão especial nem no plenário, mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), quer aprovar a proposta até o recesso de julho. Enquanto o relatório era lido na comissão, o presidente Jair Bolsonaro disse esperar que o texto seja desidratado "o menos possível", mas garantiu que aceitará o resultado.
— O que o parlamento fizer, obviamente acataremos, e é sinal que eles descobriram que tem coisas que podem ser alteradas e vamos aceitar — afirmou Bolsonaro.
O QUE MUDOU
TRANSIÇÃO NO SETOR PRIVADO
O governo havia apresentado três opções de transição para os trabalhadores privados: idade mínima, tempo de contribuição (com pedágio de 50% e aplicação de fator previdenciário no cálculo) e 86/96 (sistema de pontos). Todas essas estão mantidas. O relator criou mais uma regra de transição para trabalhadores privados que quiserem “travar” a idade mínima em 57 anos (mulheres) e 60 anos (homens). É preciso que esteja faltando mais de dois anos para a aposentadoria na data da promulgação da nova lei. Para ter esse direito, será preciso pagar um “pedágio” maior, de 100%. Para professores, essa “trava” é de 55 anos para as mulheres e de 58 anos para homens. Por exemplo, se na data que passar a valer a nova regra, a trabalhadora tiver 51 anos de idade e 27 de contribuição, terá de trabalhar por mais seis anos para receber a aposentadoria pelo valor máximo a que teria direito. O cálculo do benefício será baseado na média de 100% dos salários, com fator previdenciário, o que tende a reduzir o valor a receber.
TRANSIÇÃO PARA SERVIDORES
Pela nova regra criada pelo relator, o servidor pagará pedágio de 100% sobre o tempo que faltar para ter direito a aposentadoria integral pelas regras atuais, desde que tenha pelo menos 60 anos (homem) e 57 anos (mulher). Dessa forma, o funcionário que está a dois anos de aposentar-se com benefício integral terá de trabalhar mais dois anos, totalizando quatro anos, para ter direito ao benefício com integralidade e paridade – na proposta original do governo, esses dois benefícios só seriam atendidos com 65 anos (homem) e 62 (mulher).
ECONOMIA TOTAL
O texto original do governo Bolsonaro previa economia de R$ 1,2 trilhão ao longo de 10 anos. A versão do relator ficou em R$ 913,4 bilhões. Para evitar críticas, o relator sugeriu ampliar os recursos do PIS/Pasep destinados à Previdência, elevando as receitas previdenciárias em R$ 217 bilhões. Com isso, o resultado fiscal em uma década seria de R$ 1,13 trilhão.
IDOSOS CARENTES
Foi excluída da proposta a mudança no Benefício de Prestação Continuada (BPC), que paga um salário mínimo a idosos com mais de 65 anos e a deficientes carentes (sem limite de idade). O governo queria pagar R$ 400 para idosos a partir de 60 anos, elevando o valor até chegar a um salário aos 70 anos.
APOSENTADORIA RURAL
O relator decidiu manter as regras atuais, sem alterações. Isso significa que mulheres continuarão podendo se aposentar com 55 anos de idade e homens com 60 anos, com no mínimo 15 anos de atividade rural. A proposta igualava a idade mínima de homens e mulheres em 60 anos, com 20 anos de trabalho no campo.
SISTEMA DE CAPITALIZAÇÃO
Inicialmente, a equipe econômica e o relator queriam manter a criação de um novo regime de Previdência, a capitalização, no qual cada trabalhador faz a própria poupança. Diante da resistência dos partidos, o relator retirou a medida do texto. O governo diz que não desistiu e vai tentar reverter a derrota.
ESTADOS E MUNICÍPIOS
O projeto retirou servidores estaduais e municipais da reforma. A ideia original do governo federal era adotar as mudanças propostas aos servidores federais para os demais funcionários públicos, posição defendida por prefeitos e governadores, que prometem manter a pressão sobre os deputados.
GATILHO DA IDADE MÍNIMA
O relator derrubou o gatilho que corrigia as idades mínimas definidas no texto, de 62 anos (mulher) e 65 anos (homem), a cada quatro anos. A proposta original previa que, nesse intervalo, a idade mínima de aposentadoria seria elevada em 75% sobre o aumento apurado na expectativa de sobrevida do brasileiro aos 65 anos.
TRABALHADOR URBANO
Foi mantida a idade mínima para aposentadoria urbana conforme a proposta do governo (62 anos para mulheres e 65 para homens), mas o tempo de contribuição mudou para as mulheres. No texto original, seria de 20 anos para ambos os sexos. Agora, serão 20 anos para homens e 15 para mulheres.
PROFESSORES
A proposta do governo previa 60 anos como idade mínima para aposentadoria de professores e professoras, com 30 anos de contribuição _ hoje, não há idade mínima e são exigidos 25 anos de trabalho de mulheres. O relator decidiu exigir 57 anos para a aposentadoria de professoras, mantendo o restante das regras propostas pelo governo.
ABONO SALARIAL E OUTROS
O relator determinou que o pagamento do abono salarial (espécie de 14º para trabalhadores de baixa renda) seja válido para quem ganha até R$ 1.364,43 por mês. Pela proposta do governo, o benefício ficaria restrito aos trabalhadores com renda de até um salário mínimo. O mesmo vale para o salário-família e o auxílio-reclusão.
REAJUSTE DA APOSENTADORIA
O parecer do relator sugeriu a volta do reajuste de aposentadorias pela variação da inflação. A proposta do governo limava da Constituição o trecho que assegurava reajuste dos benefícios para preservar o valor real, isto é, para compensar perdas inflacionárias.