Após a divulgação de conversas entre os procuradores da Lava-Jato e o então juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, o editor-executivo do The Intercept Brasil, Leandro Demori, comentou as ações que levaram à publicação do conteúdo. Segundo ele, apenas "1% do material" recebido foi analisado e publicado pelo site.
— A gente não está divulgando o tamanho do arquivo, mas é maior que o arquivo (do Edward) Snowden (ex-agente da Agência de Segurança Nacional dos EUA). Só para vocês terem uma ideia, em uma das reportagens a gente fala de um dos grupos, que é dos procuradores da Lava-Jato em Curitiba, que gerou 1.700 páginas de pesquisas. E tem centenas de grupos e conversas (...) Eu diria que a gente abriu uma janela — disse.
Publicado no domingo (9), o conteúdo inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa da Lava-Jato no aplicativo Telegram, entre 2015 a 2018. Segundo a publicação, Moro teria extrapolado suas funções, tendo ajudado e passado orientações sobre ações da Lava-Jato que depois ele próprio iria julgar.
Leia a entrevista na íntegra
Nos explica o que aconteceu, com foi o trabalho?
A gente recebeu há algumas semanas o material de uma fonte anônima. E quero lembrar que a Constituição prevê a proteção de fontes, por isso não estamos dando detalhes. E é um material avassalador, muito vasto, muito grande, contém conversas, vídeos, áudios, fotos, prints, tudo que a gente faz costumeiramente em um aplicativo.
A gente não está divulgando o tamanho do arquivo, mas é maior que o arquivo Snowden. Só para vocês terem uma ideia, em uma das reportagens a gente fala de um dos grupos, que é dos procuradores da Lava-Jato em Curitiba, gerou 1.700 páginas de pesquisas. E tem centenas de grupos e conversas.
Isso quer dizer que não foi na última semana então? Porque o Sergio Moro disse que foi hackeado... não teria tempo hábil?
Não, impossível. Até porque o Moro declarou que nada do celular dele aparentemente foi subtraído. E deixamos claro no editorial que não tem nada a ver com o hackeamento do celular do ministro. Esse material tinha sido obtido por essa fonte muito tempo antes e vocês sabem, como jornalistas, como demora para trabalhar com um material desse. Estamos há muito tempo no fato.
Quanto tempo vão estar trabalhando nisso?
A gente está trabalhando e não tem como saber. Eu diria que a gente abriu uma janela. A gente não conseguiu olhar tudo ainda, tem muito coisa. Eu diria que a gente olhou 1% do material, é muita coisa. É importante deixar claro que a gente está tendo todo o cuidado para divulgar apenas o que é de interesse público, mas óbvio que não vamos divulgar os outros 99%.
Pode ter coisa pessoal...
Exatamente (...) Salta aos olhos o número de volume de mensagens entre os procuradores sobre o caso do triplex (do Guarujá). A gente olhou então e falou "esse é o grande caso deles, isso que estão perseguindo". Então isso é de interesse político absoluto, porque bem ou mal é um ex-presidente (Lula) que está preso e a população tem direito de saber como operou a operação que o levou para a cadeia.
Essas mensagens são só entre Moro e Dallagnol, quais outros personagens?
A gente tem um tempo de mensagens de mais ou menos três anos, bem no meio da Lava-Jato. Então essa troca de mensagens entre Moro e Dallagnol é o chat privado deles, mas a gente tem grupos que têm procuradores apenas da Lava-Jato, tem outros da Lava-Jato e outros procuradores, do Brasil inteiro, e há também outras conversas.
São três anos?
Sim, mais ou menos, três anos. Acho que começa em 2015.
O ex-procurador da República Rodrigo Janot e alguns ministros do Supremo participam dessas conversas?
A gente ainda não está falando sobre isso, mas possivelmente a gente vai falar sobre isso brevemente.
Tem foto, vídeo, áudio?
Tem de tudo. Os grupos eram muito ativos e eles eram usados para trabalho mesmo. Eles criavam grupos temáticos, até alguns fazendo referências pop. Tinha um chamado "The winter is coming", de Game of Thrones. O outro grupo era "os incendiários". Eles eram temáticos para definir coisa. Cada um foi criado com objetivo diferente, e obviamente tem conversas, prints, fotos, documentos.
Quantas mais revelações têm?
Aparentemente, a gente está trabalhando com um menu de histórias. Estamos fazendo um pré-filtro, para ver se é de interesse público e se elas param em pé. A gente tem uma meia dúzia de histórias que já tínhamos como opção anterior de sair na frente e agora estamos olhando para ver se fazem sentido, se vamos citar os contextos corretamente. O procurador ontem falou que as conversas são descontextualizada, negou veemente. O contexto está absolutamente claro, os chats são detalhados, extensos, com horários, com data. Não há dúvidas sobre o que eles estão falando. Agora estamos olhando para essas outras histórias.
Ontem a esquerda ficou muito feliz, falando "eu avisei". O que vocês tem em mão pode atingir mais gente?
É bastante possível, depende do que formos encontrando. Porque temos que olhar como era a lógica da Operação Lava-Jato. Na própria matéria que publicamos, Moro e Dallagnol falam em trocar a ordem de uma operação pela outra. Isso tinha um objetivo, estratégia que tinha muito mais a ver com a divulgação, a imprensa, do que com a questão jurídica. Eventualmente nessa troca, Moro dando dica pro Deltan ouvir uma pessoa, e o Deltan dizendo que se ela não quiser comparecer ele vai intimidar com base em uma notícia apócrifa, ou seja inventada. Esse tipo de detalhamento que eles combinavam. A gente agora está avaliando o material para saber quais nomes estão envolvidos nisso.
Agora, de fato, sabe-se que tinha um componente político absurdo ligado à operação.
Agora, o site O Antagonista diz que um hacker israelense vivia em uma casa de José Dirceu. É isso?
As maluquices que a gente tem que ver todo dia. Ontem vi uma também de um site de esquerda que a próxima notícia vai ser sobre um site de notícias. Apuraram onde? Agora todo mundo começa a inventar coisa e surfar na onda. Agora, de fato, sabe-se que tinha um componente político absurdo ligado à operação.
Deixa eu falar uma coisa, você falou que os petistas estavam muito felizes. No fim das contas, tem um juiz que diz que até pode ter nulidade de processos. Quero deixar uma coisa clara: até ontem as pessoas podiam ter convicções pessoais sobre a Lava-Jato, que operava politicamente, mas ninguém podia dizer que isso era um fato. Porque essas conversas não tinham vindo à tona.
O que eu vejo é a torcida para que não houvesse a ascensão política. Além das irregularidades, porque se um juiz está agindo para uma parte, ele perdeu sua imparcialidade
A questão é a seguinte, eles poderiam ter a convicção de que o PT era uma quadrilha, o que...
Acho que não é o PT, é o sistema dentro do poder, que por acaso era o PT que comandava...
Mas nada explica que eles estivessem preocupados com a renovação do PT, que seria o Haddad, que era um cara totalmente fora desse esquema.
Mas não era com a pessoa, era o medo com o grupo, PT. Eu não vejo questões ideológicas. No momento em que Moro assume o Ministério, ele tem uma missão, ele se coloca em uma luta contra a corrupção.
É. Vamos lembrar que ele foi beneficiado com tudo isso, inclusive com um cargo de ministro. Então a gente pode imaginar que tiveram interesses pessoais ali. A história do triplex por exemplo, é muito emblemática. (...) Quatro dias antes da denúncia, o próprio Dallagnol tinha dúvidas se tinha relação com a Petrobras, eles blefam com o Supremo. Então, tudo isso parecia um caso muito fácil. O ex-presidente está preso justamente por esse caso, que agora possivelmente pode ser reaberto.
Tu, como editor, que pontos tu destaca para o nosso ouvinte?
Acho que são três pontos principais que norteiam as reportagens. O primeiro é a grande convicção que a Lava-Jato tinha publicamente que o triplex que seria do ex-presidente e teria envolvendo com propina da Petrobras, caiu absolutamente por terra com a revelação dessas conversas, porque horas antes o procurador tinha essa dúvida. Então isso é muito importante. O ponto número dois é se preocupar com a entrevista do (ex) presidente preso durante a campanha. Eles politicamente bolaram um esquema para evitar que o Lula desse entrevista para ajudar o Haddad. E a parte número três, que para mim, é a parte mais forte, é a relação entre o juiz e o procurador. Eu, amanhã, se eu tiver um acidente de trânsito e o Ministério Público é obrigado a oferecer denúncia, eu não quero que o juiz e o procurador fique conversando e eu chegue na sala do júri que nem um pateta. O juiz precisa ficar em cima da pirâmide, a defesa de um lado e a acusação de outro. O juiz não pode se achegar mais. Imagina se essas conversas fossem entre o Moro e o advogado do Lula?
A gente não pode imaginar que um Poder Judiciário cometa irregularidades sobre o manto de combater irregularidades.
Não pode haver combinação.
Seria absolutamente escandaloso se o advogado do Lula conversasse por dois anos com o juiz Sergio Moro, ele dizendo "olha faz isso, faz aquilo". Ele antecipou uma sentença pelo Telegram. Isso é escandaloso. Em qualquer país sério isso teria uma sentença séria.
O que tu acha que pode acontecer?
A gente vive num Brasil em que tudo é permitido. Um país de golden shower. Acho que a tendência é se encastelar, mas espero que tenha reflexos. Porque isso é pedagógico para toda a sociedade. A gente não pode imaginar que um poder judiciário cometa irregularidades sobre o manto de combater irregularidades.
Qual é a tua opinião pessoal sobre a Lava-Jato?
Quando ela começou, eu vivia na Itália, e estudava a lavagem de dinheiro na máfia local, e conheci o Falconi, juiz que inspira o Sergio Moro. No começo da Lava-Jato, eu fiquei muito empolgado, pensei "finalmente, que sopro de bons ares", e a gente foi vendo as coisas acontecerem, a gente pensava que cadeia era só pobre. Fui entrando em contato mais intimamente com operação e comecei a questionar muitas coisas, principalmente as prisões forçadas, que joga o cara na cadeia até ele confessar. E pra mim, a sentença do triplex, que não quer dizer que ex-presidente não tenha suas eventuais culpas, mas a sentença é absolutamente risível. Antes, a minha opinião, e de muita gente séria, é que não tinha envolvimento, isso não está na sentença. Eu vi que a Lava-Jato estava partindo para tudo ou nada, custe o que custar.
Mutos críticos dizem que vocês são de esquerda. O que tu diz para eles?
Ser de esquerda é doença? Somos um site sui generis, digamos assim. Nossos repórteres têm total liberdade para opinar, somos um site progressista sim, que acredita em direitos humanos. E basicamente nosso trabalho se direciona para investigar os poderosos. Eu acho que esse material, caísse na mão de quem caísse, a pessoa teria que ser muito anti-jornalismo para não dar. A gente olhando o que tem, qualquer veículo daria.