O plenário que discute a reforma política na Câmara é o que vivenciou o maior número de trocas partidárias nos últimos dez anos. Desde janeiro de 2015, quando iniciou esta legislatura (2015-2019), até agora, um de cada quatro parlamentares mudou de partido. No total, foram 124 deputados "infiéis" e, destes, 31 mudaram mais de uma vez.
O "mercado de vagas" dos partidos escancarou nesta semana uma briga entre DEM e PMDB, com críticas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), às iniciativas do partido do presidente Michel Temer em arrematar deputados que já estavam em negociação com a sua sigla.
Segundo dados da Câmara, foram quase 400 trocas desde 2007, quando o Supremo Tribunal Federal determinou que os mandatos pertencem aos partidos, não a deputados e vereadores. Desde então, só dois deputados perderam o mandato por infidelidade partidária, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ambos eram do DEM. Walter Brito Neto (PB), em 2006, e Robson Rodovalho (DF) dois anos depois. Do total de trocas, 160 foram feitas desde o começo de 2015. E as mudanças devem se intensificar em março, quando está prevista a janela partidária, brecha para a troca sem o risco de perda do mandato.
Apesar de criticadas pelos próprios parlamentares, as propostas relativas à troca de siglas não avançaram nas discussões da reforma política. A supressão dos artigos que tratam de fidelidade partidária será, segundo a deputada Shéridan (PSDB-RR), um dos poucos consensos na votação do segundo turno de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) da qual é relatora, prevista para ocorrer amanhã na Casa.
O relatório da deputada propõe estender a regra da fidelidade partidária para cargos majoritários e seus vices e prevê que o candidato eleito por um partido que não atingir a cláusula de barreira pode mudar de sigla. A cláusula de barreira impõe restrições à legenda que não alcançar determinado porcentual de votos.
— Eu acho que não ficou como queríamos, mas podia ser pior. Foi a construção política que conseguimos — afirmou Shéridan.
Para o cientista político da Arko Advice Murillo Aragão, o levantamento feito com base em informações da Câmara indica uma "indústria de partidos".
— Troca de partido não é necessariamente um problema, mas não pode ser abusivo. O mundo político desmoraliza os partidos ao permitir a criação de legendas sem orientação programática.
Por outro lado, a professora de Ciência Política da Unicamp Andréia Freitas disse ver com naturalidade o aumento das mudanças.
— Em momentos de crise, é normal que haja uma maior movimentação entre os partidos. Neste momento, a (crise) que estamos vivendo é a (Operação) Lava-Jato. Os políticos estão calculando qual o melhor lugar para disputar reeleição, estão se reposicionando.
Janela
Em março de 2016, quando ocorreu a primeira janela partidária, houve 94 trocas de partido. Por meio dela, o parlamentar não tem direito à "portabilidade" — levar tempo de TV e recursos do Fundo Partidário para a nova legenda. Pela regra, a troca durante o mandato, fora da janela, só é permitida se houver "justa causa" — discriminação política pessoal, mudança no programa partidário ou se o parlamentar quiser migrar para um partido recém-criado.
Inicialmente, o relatório de outra PEC sobre reforma política, de autoria do deputado Vicente Cândido (PT-SP), previa antecipar a janela para dezembro, mas, sem consenso, a data foi mantida em março.
Na avaliação do professor de Direito do Mackenzie Diogo Rais, a janela partidária "desrespeita o laço com a sociedade".
— É uma janela casuística. Não é isonômico, pois quem mudou de partido uma semana depois tem de responder por isso — afirmou o professor.