
O afastamento de Renan Calheiros (PMDB-AL) do comando do Senado e sua desobediência em respeitar a decisão da Corte máxima do país escancarou a crise institucional que se desenha há meses no país.
As relações já sofriam ruídos desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) passou a tratar de assuntos que não andavam no parlamento, como o reconhecimento do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e a recente decisão de que aborto até o terceiro mês de gravidez não configura crime. Mas a ruptura ocorreu quando o Judiciário e Legislativo bateram de frente em relação ao tema da autonomia entre os poderes.
– O STF entrou na disputa de narrativa de versões e tomou o lado da opinião pública, que hoje navega na direção quase uniforme de apoio ao combate à corrupção, ainda que isso signifique medidas muito duras e criticáveis em tempos de normalidade – observa Michael Mohallem, professor de Direito na Faculdade Getulio Vargas no Rio de Janeiro (FGV-RJ) e especialista em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB).
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O agravamento na relação entre Judiciário e Congresso deu-se com a autorização da prisão do então senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS), em novembro do ano passado. Depois, houve o afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do mandato e da presidência da Câmara dos Deputados. Trataram-se de decisões monocráticas de ministros do STF, mais tarde referendadas pelo plenário da Corte. Frente à mais recente deliberação, Renan decidiu descumpri-la porque “a separação e a independência dos poderes” deveria ser respeitada.
No fundo, o Supremo pode tudo, diz cientista político
Mesmo que se questione a lisura dos parlamentares alvos de decisões judiciais, analistas indicam um perigo nessa queda de braço institucional. Na avaliação do cientista político Rodrigo Stumpf González, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a crise institucional é resultado de acirramento de ânimos políticos iniciado no processo eleitoral de 2014.
– O Supremo pode ter muitas motivações, em termos de processo (para determinar o afastamento de parlamentares) mas, por trás das figuras de Renan e Cunha, está o poder. Cria-se o precedente de que o STF pode retirar a presidência de outro poder, está se quebrando a autonomia entre os poderes. No fundo, temos um poder que pode tudo, que é o Supremo, e dois outros que estão subordinados, o Executivo e o Legislativo – analisa o professor da UFRGS.
Segundo o professor, o fenômeno de instabilidade reflete-se no comportamento de agentes públicos, que, diante de manifestações populares, obrigam-se a agir. Não por acaso, a liminar do ministro do STF Marco Aurélio foi deferida um dia depois de protestos que tiveram Renan entre seus alvos preferenciais. O presidente do Senado responde a 11 inquéritos no STF e é réu em uma ação penal por suspeita de ter contas pessoais pagas por um lobista da empreiteira Mendes Júnior.
Para Barbosa, impeachment de Dilma pode ser origem da tensão

No cenário de tensionamento, as origens da crise entre poderes ainda são discutidas e as consequências, imprevisíveis. Na última semana, o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa indicou que as origens podem se encontrar no impeachment de Dilma Rousseff:
– A sociedade brasileira ainda não acordou para a fragilidade institucional que se criou quando se mexeu num pilar fundamental do nosso sistema de governo, que é a Presidência. Uma das consequências mais graves de todo esse processo foi o seu enfraquecimento. Aquelas lideranças da sociedade que apoiaram com vigor, muitas vezes com ódio, um ato grave como é o impeachment não tinham clareza da desestabilização estrutural que ele provoca – disse, em entrevista à Folha de S. Paulo.
Ainda nesta terça-feira, Gilmar Mendes defendeu o afastamento de Marco Aurélio Mello do STF em entrevista ao jornal O Globo. Mendes disse que a decisão de seu colega contra Renan é um caso de reconhecimento de inimputabilidade ou de impeachment. Mello rebateu:
– Não posso acreditar. Sem comentários – disse.
Judiciário é o menos transparente, diz professor
No pano de fundo da crise, está a incerteza provocada pelo avanço da Operação Lava-Jato e um sentimento de "desespero" entre políticos, opina Michael Mohallem, professor da FGV-RJ.
– A estratégia do Congresso passou a ser o enfrentamento em relação ao Judiciário, como se viu no projeto anticorrupção, que incluiu o abuso de autoridade de juízes e membros do Ministério Público. Parece-me que atingimos um nível problemático. Primeiro, porque o Judiciário é, dos três poderes, o menos transparente e o que mais tem dificuldades em lidar com críticas; segundo, porque é o que mais consegue preservar os seus próprios direitos, como o teto constitucional e a não punição de seus próprios membros. É um poder que está à margem dessas regras próprias – finaliza.
A mais recente crise institucional em cinco atos
25/11/2015
Prisão de Delcídio Amaral

Delcídio Amaral (sem partido-MS) tornou-se o primeiro senador preso durante o exercício do mandato depois de autorização do ministro do STF Teori Zavascki, que atendeu a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). Conforme a investigação, Delcídio tentava interferir no andamento da Operação Lava-Jato.
No dia seguinte, o plenário do Senado manteve a prisão, mas não sem desferir críticas ao Judiciário. "O equilíbrio dos poderes não permite a invasão permanente de um poder no outro, porque isso causará, ao longo dos tempos, um dano muito grande à democracia", disse Renan Calheiros (PMDB-AL), à época.
5/5/2016
Saída de Eduardo Cunha

Relator da Operação Lava-Jato no STF, o ministro Teori Zavascki determinou o afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do mandato de deputado federal e, consequentemente, da presidência da Câmara. O magistrado concedeu liminar em ação pedida pela PGR que argumentava que Cunha tentava atrapalhar o andamento das investigações. No mesmo dia, o plenário do STF ratificou por unanimidade a decisão de Zavascki.
25/10/2016
Cármen Lúcia e a recusa

A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, recusou-se a participar de uma reunião com os presidentes dos três poderes. O encontro tentava pacificar a relação institucional depois de Renan tecer críticas a uma operação da Polícia Federal (PF) que prendeu policiais legislativos do Senado. Ele disse que um "juizeco" de primeira instância não poderia "atentar contra um poder". Em resposta, Cármen Lúcia pediu "respeito" ao Judiciário e declarou que "onde um juiz for destratado, eu também sou".
29/11/2016
Aborto com três meses

A primeira turma do STF decidiu que o aborto não se configura crime aborto nos três primeiros meses de gestação. A decisão ocorre a partir da análise de suspensão da prisão preventiva de cinco pessoas que trabalhavam em uma clínica clandestina no Rio de Janeiro e reabriu a discussão sobre o tema. Na mesma noite, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou a instalação de uma comissão especial para rever a decisão dos magistrados.
5/12/2016
Afastamento de Renan Calheiros

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello concedeu uma liminar que afastou Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado. O magistrado atendeu a um pedido da Rede Sustentabilidade que argumentava que, como Renan tornou-se réu, não poderia continuar no cargo porque estaria na linha sucessória da Presidência da República. Em reação, Renan anunciou que descumpriria a decisão até que o plenário do STF analise o mérito.