A provável ascensão de Michel Temer à Presidência representará o apogeu de um seleto grupo de peemedebistas que começou a se articular em Brasília cerca de duas décadas atrás. Em seu caminho rumo ao Planalto, Temer conta com o apoio decisivo de quatro antigos aliados e amigos – Eliseu Padilha, Moreira Franco, Henrique Eduardo Alves e Geddel Vieira Lima – e de um apoiador recente, o senador Romero Jucá.
Os cinco formam o chamado "núcleo duro" do possível novo governo, que se desdobra em missões como garantir votos para o impeachment de Dilma Rousseff, blindar o vice-presidente das acusações de golpe e planejar uma nova gestão nacional.
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A "ponte para o futuro" de que fala o plano de governo do PMDB começou a ser erguida em meados dos anos 1990 com os mesmos pilares que ainda a sustentam. Em 1995, Michel Temer era líder da bancada peemedebista na Câmara. Completavam a composição partidária Geddel Vieira Lima e Henrique Alves como vice-líderes, enquanto Moreira Franco, também deputado federal, comandava o partido no Rio de Janeiro.
Outro membro fundamental desse círculo, o gaúcho Eliseu Padilha, chegara a Brasília no mesmo período para cumprir seu primeiro mandato como deputado federal, mas se licenciara a fim de atuar como secretário do Trabalho no Rio Grande do Sul. Voltou à Câmara ao final do ano, formando o embrião do atual núcleo da gestão Temer. Os cinco fundaram um grupo informal no qual traçaram estratégias comuns para o partido e para suas carreiras.
Ex-prefeito de Tramandaí, Padilha era o integrante com menos peso político. Temer já tinha sido secretário de Segurança em São Paulo, Moreira havia governado o Rio de Janeiro, e Geddel estava no segundo mandato. Novato na Câmara, Padilha procurou Temer e se ofereceu para "fazer algo" pela liderança da sigla. Temer pediu que elaborasse uma radiografia dos deputados daquela legislatura, em um prenúncio dos mapeamentos políticos que tornaram o gaúcho famoso por esquadrinhar o plenário a ponto de prever placares de votações.
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No papel, Padilha documentou a trajetória dos parlamentares, quais suas ligações partidárias, rivais, aliados e padrinhos na base e que setores representavam. O calhamaço surpreendeu Temer, que passou a usá-lo em projeções de votações. Assim, Padilha entrou de vez no time que tinha Moreira como pensador, Alves como amigo mais próximo do atual vice-presidente e Geddel como articulador.
A confraria política cresceu de mãos dadas. Em 1997, Temer se elegeu presidente da Câmara pela primeira vez, deixando Geddel na liderança da bancada do PMDB. No mesmo ano, Padilha tornou-se ministro de Fernando Henrique sob a bênção de Temer. Ao ser recebido pelo presidente, Padilha, advogado, imaginava que seria ministro da Justiça. Levou a poderosa pasta dos Transportes. Em 1999, após uma derrota eleitoral, Moreira Franco assumiu a função de assessor especial de FHC.
– Todos eles têm uma relação pessoal de longo tempo, de 20 e tantos anos. Sempre ocuparam espaços juntos. Quando Padilha era ministro dos Transportes, Michel presidia a Câmara, e o gabinete do Moreira Franco ficava ao lado do de Fernando Henrique no Planalto. Criou-se até um vínculo afetivo entre todos eles – afirma o deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS).
Esse grupo, acrescido do senador Romero Jucá, agora se apronta para assumir o Planalto.
Eliseu Padilha, o braço direito
Desde que deixou a Secretaria da Aviação Civil, em dezembro, o gaúcho Eliseu Padilha despacha em um escritório na ala da presidência do PMDB no Congresso. É uma sala escondida, com acesso por um corredor estreito. A simplicidade das instalações contrasta com a importância das tarefas desempenhadas pelo braço direito de Michel Temer: cotado para assumir a Casa Civil, Padilha recebe pedidos de cargos e de reuniões com o atual vice-presidente.
Em razão disso, uma romaria de políticos passa pelo corredor que leva à sala do ex-deputado. Na tarde de terça-feira, cinco parlamentares de PMDB, PSB, SD e PP aguardavam para falar com ele. O líder peemedebista na Câmara, Leonardo Picciani (RJ), esteve duas vezes no local. À noite, Padilha vai ao Palácio do Jaburu discutir com Temer a formação do novo governo e as notícias do dia.
– Ele é dinâmico e tem confiança total de Temer – sustenta o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS).
O possível futuro ministro é o operador político do vice, espécie de faz-tudo que se destaca pela capacidade de organização e articulação. Além de ser um exímio mapeador de votos e de inclinações de deputados e senadores, conhece como poucos a vastidão dos cargos federais. Sabe quem ocupa quais vagas, por indicação de quais padrinhos políticos, e quem pode vir a ocupá-las.
Embora seja aliado fiel do vice-presidente desde os anos 1990, estiveram menos próximos durante o primeiro governo Dilma. Na campanha pela reeleição, em 2014, Padilha defendeu a chapa PT-PMDB e coordenou a agenda de Temer no Estado. Garantiu, assim, o retorno ao Planalto e à intimidade do possível próximo presidente.
Moreira Franco, o formulador
Da cabeça ornada pela cabeleira branca que caracteriza a figura do ex-governador fluminense Moreira Franco saem algumas das principais diretrizes do PMDB no país. O experiente político, presidente da Fundação Ulysses Guimarães, instituição dedicada a estudos e formação política do partido, ajuda a elaborar as teses da sigla há vários anos. É um dos responsáveis pelos documentos Ponte para o Futuro e A Travessia Social, que lançaram as bases de um eventual governo Temer em áreas como economia e ação social.
– O Moreira é o formulador. Em 2002, com auxílio de vários intelectuais, já havia elaborado um trabalho sobre a redução das desigualdades sociais – recorda o deputado Osmar Terra (RS), cotado para assumir o ministério de Desenvolvimento Social.
Na eleição de 2010, em companhia do ex-ministro de Lula e Dilma Mangabeira Unger e de Henrique Alves, outro membro do "núcleo duro", elaborou um programa econômico a fim de apresentar as ideias do PMDB sobre o setor à então candidata à Presidência Dilma Rousseff.
Além de cumprir o papel de pensador, Moreira Franco mantém vínculo íntimo com Temer – a quem conhece há mais de 30 anos. O político fluminense chegou a ser citado na célebre carta enviada pelo vice-presidente a Dilma em dezembro. No texto, Temer se queixa:
"A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me".
No eventual governo Temer, o ex-governador deverá cuidar da área de concessões, privatizações e parcerias público-privadas.
Geddel Vieira Lima, o articulador
O rosto redondo e geralmente sorridente do ex-deputado federal Geddel Vieira Lima traduz uma de suas aptidões políticas: a capacidade de angariar simpatia e estabelecer articulações com diferentes interlocutores. Graças à facilidade de trato, é considerado um dos mais hábeis articuladores políticos do Congresso – talento que beneficia Michel Temer na busca de votos pró-impeachment e de apoiadores em uma eventual gestão.
Geddel costuma fazer campanhas pró-Temer há bastante tempo: em 1995, quando o vice-presidente tentava chegar ao comando do PMDB pela primeira vez, o aliado já defendia sua candidatura. Aliás, fazendo jus ao hábito de evitar conflitos abertos, Temer passava férias com uma namorada em Trancoso enquanto seus apoiadores brigavam por votos.
– O Geddel conhece muito bem a máquina do governo e faz um bom meio de campo com o Congresso. Até por isso deverá ficar na Secretaria de Relações Institucionais – comenta um deputado federal peemedebista.
Em cinco mandatos consecutivos na Câmara, já foi oposição ao PT, depois se aliou ao governo, virou ministro da Integração Nacional durante a segunda gestão de Lula e, mais recentemente, recarregou suas baterias contra os petistas após perder eleições para candidatos apoiados pelo governo.
Foi derrotado na disputa pelo governo baiano por Jaques Wagner (PT), em 2010, e por Otto Alencar (PSD-BA) na corrida ao Senado em 2014. Foi um dos primeiros a defender o rompimento com Dilma junto a Temer.
– Acabou esse constrangimento de silenciar por amizade e respeito ao Temer – disse Geddel, em julho de 2015, em entrevista ao blog do jornalista Josias de Souza.
Henrique Eduardo Alves, o amigo
Do grupo de fiéis escudeiros montado por Temer ao longo das últimas décadas, e que se aproxima de seu maior feito às vésperas do julgamento do impeachment de Dilma no Senado, o homem apontado como o mais próximo do vice-presidente é o ex-deputado federal por 11 mandatos Henrique Eduardo Alves, do Rio Grande do Norte. Embora sejam amigos desde muito tempo, ficaram ainda mais íntimos a partir de 2007, quando Temer presidia a Câmara, e Alves era líder do PMDB.
– Essa amizade cresceu quando atuamos juntos na Câmara, no dia a dia daquela Casa – afirmou Alves em entrevista ao portal UOL.
A proximidade entre ambos se estende para além do Congresso ou do Planalto. Em 2011, por exemplo, Temer e a família elegeram o Rio Grande do Norte para descansar durante o feriadão de 7 de Setembro. Refugiaram-se na casa de Henrique Alves na praia de Graçandu. A relação também resultou em facilidades para o ex-parlamentar chegar ao primeiro escalão do governo.
Após perder a eleição para o governo do Rio Grande do Norte em 2014, o ex-deputado foi convidado para ocupar o Ministério do Turismo no ano seguinte e, assim, tentar ampliar o apoio do governo entre o PMDB no Congresso. A nomeação foi sacramentada após uma reunião entre Dilma Rousseff e Michel Temer. O ministro deixou o cargo em março após o agravamento da crise entre o partido e o governo Dilma, e poderá retomar a pasta no provável novo governo peemedebista.
Henrique Alves e Geddel Vieira Lima são alvos de investigações da Operação Lava-Jato, e a Polícia Federal chegou a cumprir um mandado de busca em um apartamento de Alves. Temer já disse publicamente que investigações não impedem a nomeação.
Romero Jucá, o escudo
O senador peemedebista Romero Jucá é o "recém-chegado" do núcleo de apoio a Michel Temer. A brevidade da aliança com o vice, porém, não reduz seu peso no plano traçado para o PMDB conquistar o Planalto.
O político de Roraima é uma das principais vozes escaladas para defender Temer das acusações de articular um golpe enquanto paga as críticas na mesma moeda ao subir o tom contra o atual governo.
– O Jucá era mais alinhado ao Renan Calheiros, mas, no ano passado, desgostoso com os rumos da economia, começou a se aproximar mais do Temer. Essa aproximação aumentou depois da divulgação da carta (escrita pelo vice-presidente para Dilma em dezembro) – comenta uma pessoa ligada ao gabinete de Romero Jucá.
No meio do ano, ainda ao lado de Renan, tentou manter protagonismo ao participar do lançamento da chamada "Agenda Brasil" com propostas apresentadas pelo presidente do Senado para retomar o crescimento. A iniciativa não prosperou. Ao testemunhar o esfacelamento da base de Dilma, ocupou de vez um lugar junto ao vice. O senador assumiu a presidência do PMDB, em abril, livrando Temer da obrigação de falar em nome do partido.
– Isso retira o presidente Michel Temer da tentativa de alguns setores de trazê-lo para uma briga de rua – afirmou Jucá logo após receber o comando nacional da sigla.
Além disso, o senador liderou o desembarque do PMDB do governo e articulou votos pró-impeachment com carta branca para negociar cargos no futuro governo. O aliado é cotado para o Ministério do Planejamento, mas pesa contra ele o fato de ser investigado na Lava-Jato.