A direção estadual do PDT determinou a criação de chapas de consenso para eleição dos novos diretórios municipais visando evitar votações presenciais e, consequentemente, aglomerações no período de pandemia. A medida, embora protocolar, acabou realçando divergências em "uma meia dúzia de municípios", como reconhece o próprio presidente estadual da sigla, Ciro Simoni. Um deles é Caxias do Sul, onde o partido tem um histórico de dissonâncias internas, em especial desde que perdeu o segundo turno da eleição para a prefeitura com Edson Néspolo (PDT) em 2016.
Na última semana, o atual presidente do PDT municipal, Maurício Flores, garantiu que o consenso estava encaminhado e afirmou o nome da filiada Raquel Rota como uma representação que estaria recebendo apoio de "diferentes matizes" da legenda, incluindo vereadores e lideranças, como o ex-prefeito Alceu Barbosa Velho e Nespolo. A declaração, contudo, surtiu mal. O advogado Lucas Diel contestou as palavras de Flores, mencionando que ele próprio se apresentava como candidato à presidência do partido, em uma chapa que teria Raquel como vice.
— Coloquei meu nome à disposição, falei com Maurício, que disse que ia colocar meu nome. Néspolo e Alceu disseram que me apoiariam, então saí em busca de mais apoio. A ideia era lançar a chapa, eu como presidente e a Raquel de vice. De uma hora para outra, deu uma virada. Estranhei quando Maurício falou o nome da Raquel e nem citou o meu. Queremos buscar consenso, mas construindo consenso e sem se precipitar nas declarações, principalmente quem é presidente do partido — ressalta Diel.
A busca pelo consenso também ocorre em meio a dissidências de figuras reconhecidas do partido, como o ex-candidato a vereador, Vítor Hugo Gomes, e o então integrante do diretório estadual e municipal do PDT Jonatan Fogaça. Ambos confirmaram, nesta semana, filiação ao PSOL, após a saída do PDT. O presidente estadual da sigla, Ciro Simoni, reiterou que a determinação é que sejam criadas chapas de consenso, sem disputas. Caso não haja, a intervenção não é descartada:
— Caxias não é diferente dos outros. Se não houver possibilidade de consenso de eleger diretório, o mandato do atual diretório se extingue, então obviamente vamos nomear uma comissão provisória, se for o caso. Mas vou fazer uma previsão: teremos consenso em Caxias, teremos diretório único. E se tivermos de nomear uma provisória, vamos ouvir as lideranças de Caxias. Não vamos fazer nada de cima para baixo — assegurou.
A eleição do novo diretório ocorre no dia 16 de junho. Além de Diel e Raquel, outro nome que surgia como possibilidade de chapa era o do ex-presidente municipal do partido, Alfredo Paim.
"Tem pessoas na frente"
Ao Pioneiro na última terça (1º/6), Diel relatou que não havia feito contato ou sido contatado por Maurício Flores desde a publicação da reportagem na última semana e disse que não pretende retirar sua candidatura à presidência do partido.
— Meu nome está à disposição. A Raquel é uma excelente pessoa, mas entrou no partido faz pouquíssimo tempo. Eu já tenho história, fui candidato a vereador duas vezes, faço parte do movimento comunitário, dos advogados dentro do partido. Então, pô, tem pessoas na frente — defende.
Raquel Rota admite que havia tratativas com Lucas há cerca de três meses, mas sem a especificação de como seria composta a executiva do possível diretório, afinal, seria o próprio diretório que elegeria as funções na executiva. Após isso, ela reconhece que manteve conversa com a atual executiva e com os vereadores eleitos, quando Rafael Bueno (PDT) sugeriu que ela considerasse assumir a presidência:
— Em diálogo com o Rafael, ele expôs que acredita que meu nome seria ideal para compor diretório e executiva (como presidente). Porque ele acompanhou meu trabalho nos últimos anos, como conselheira da OAB, sou conselheira do Compahc, já estive bastante envolvida com direitos humanos, somado à assessoria jurídica que eu prestei junto aos candidatos no último ano — comenta Raquel.
Segundo ela, Rafael propôs o nome de Raquel a Maurício, que teria dado respaldo.
— Eles resolveram que eu seria o nome mais adequado para compor. Mas em momento algum fui para um lado ou para o outro. Houve conversas, sim, pesquisas com base nisso para saber da aceitação, ou não, do meu nome. Claro que, vindo de pessoas que militam há mais tempo no partido, talvez isso tenha sido negativo — comenta Raquel.
"Não tenho por que criar indisposição"
Raquel diz não se importar em ser presidente e, inclusive, apoia que Diel busque articular o consenso pela presidência.
_ Sendo sincera, como até a agenda é complicada pra mim. E o Lucas Diel optou por esse caminho, idealiza muito a presidência do partido e acho que ele tem de trabalhar em cima disso mesmo, ele está ali há muitos anos. Se ele conseguir construir esse consenso seria extremamente valioso.
E acrescenta:
— (Minha participação) seria mais a título colaborativo mesmo, estar à disposição do partido. Como há uma resistência e uma não-aceitação de determinados filiados, que entendem que sou muito jovem dentro do partido, não tenho por que criar indisposição e forçar alguma coisa. O que pode acontecer também é o próprio Rafael Bueno e o Alceu consolidarem isso (a chapa de consenso).
Raquel afirma que a proposta de seu nome seria no sentido de reconstrução da legenda, que admite estar rachada:
— O partido tem de se reconstruir no meu entendimento pessoal. Viemos de uma sucessão de eventos em que cada um diz uma versão, e isso não está unificando. (..) Infelizmente, há uma ruptura partidária que é visível.
Ela também se reafirma alinhada com a ideologia partidária de centro-esquerda.
Sem espaço para bolsonaristas
Se um aspecto é alegado consensual dentro do partido é o "aparo dos extremos". Com isso, o partido quer declarar sem espaço para lulistas ou bolsonaristas.
— Se alguém está na extrema-esquerda e não se sente confortável com posição de centro-esquerda nossa, procure seu caminho à esquerda. Quem está muito à direita, ou que acha que tem de apoiar o (presidente Jair) Bolsonaro, que procure seu partido, não tem problema nenhum. O PDT não admite o apoio a Bolsonaro. Estão no lugar errado (quem apoia o Bolsonaro). Tem de tomar o caminho deles — afirma Ciro Simoni, presidente estadual da sigla.
Internamente, a orientação conflita com a filiação de Ricardo Daneluz, apoiador de Bolsonaro assumido e que, para parte dos filiados, "não tem posição trabalhista". As crises causadas por Daneluz em seu mandato anterior ainda não foram superadas por boa parte dos correligionários, especialmente a apresentação do projeto propondo fim do passe livre, benefício instituído no governo de Alceu Barbosa Velho.
Recentemente, entretanto, o presidente Maurício Flores disse que as questões com o vereador já foram superadas.
DISSIDÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS
- A desarmonia no PDT se deflagrou especialmente após a perda de Edson Néspolo para Daniel Guerra (na época PRB) nas eleições municipais de 2016. O grande grupo do qual o partido fazia parte (composto por 21 siglas) se esfacelou. O PDT perdeu aliança com MDB, com quem possuía vínculo sólido desde a primeira eleição de José Ivo Sartori (MDB) para a prefeitura.
- Antes das eleições de 2018, tornaram-se públicas divergências entre a direção do partido e vereadores para definir os CCs da bancada da sigla na Câmara.
- Também enfrentou crises internas para a definição na disputa à Assembleia Legislativa. Saiu com candidatura única, tanto para deputado federal quanto para deputado estadual, mas não elegeu nenhum.
- Nas eleições de 2018, a orientação era o PDT se firmar como ideologia de centro-esquerda. No entanto, figuras como Alceu Barbosa Velho e o vereador Ricardo Daneluz (PDT) declararam apoio ao então candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro (sem partido). A situação gerou crise entre as alas do partido. Alguns grupos, inclusive, pediram expulsão das lideranças.
- Em 2019, um impasse para o comando do partido: Alceu Barbosa Velho e Vinicius Ribeiro se licenciaram da presidência (Alceu enfrentava ameaça de expulsão), e Edson Néspolo estava no comando da Gramadotur. Restou à liderança comunitária Maria Aparecida Stecca, a Cida, assumir o diretório. Cida, no entanto, viria a falecer em maio do mesmo ano. Logo depois, Maurício Flores foi eleito presidente do partido com a promessa de apaziguar os rachas existentes. Na época, também se contestava a falta de participação dos vereadores nas atividades do diretório.
- A eleição de Maurício Flores representaria um intermédio para a retomada do consenso no partido, incluindo as alas de esquerda e direita.
- Episódio simbólico foi a dissidência de Vinicius Ribeiro em 2019, então uma das lideranças, que se desfiliou do partido. Ele, inclusive, coordenou campanha de Néspolo em 2016.
- A permanência de Ricardo Daneluz tornou-se crítica contínua de parte dos filiados, especialmente pelo fato de o vereador reiterar apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Daneluz também defendeu fim do passe-livre, benefício defendido pelo partido e criado inclusive durante a gestão de Alceu, o que causou mal-estar com alas do PDT.
- Em 2020, apesar de reeleger dois vereadores (Bueno e Daneluz), o PDT perdeu outras duas vagas com a dissidência de Velocino Uez (foi para PTB) e o distanciamento de Gustavo Toigo (decidiu não concorrer).
- Com a determinação de chapa de consenso nas eleições de diretório neste ano, novamente a crise se aflorou: críticas ao presidente, dissidência de figuras reconhecidas e contestações sobre posicionamento ideológico do partido.