O resultado de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada por vereadores de Bom Jesus para investigar denúncias contra o ex-secretário municipal de Obras, Alexandre Arcari Becker, é avaliado agora pelo Ministério Público (MP). O relatório final, com mais de 500 páginas, (foi encaminhado ao MP para providências) indiciou o ex-secretário e foi encaminhado ao MP para análise. Também pede que o MP apure a responsabilidade do prefeito de Bom Jesus, Frederico Arcari Becker (PP), e de outros servidores. A CPI apresenta indícios de sete supostas irregularidades que vão desde abastecimento irregular de combustível, aquisição de bens públicos em favorecimento particular, desvio de dinheiro público até compras superfaturadas e sem licitação.
As irregularidades teriam ocorrido entre 2016 e 2017, quando Alexandre ocupou o cargo de secretário. O ex- servidor é irmão do prefeito. O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda vai definir se é inconstitucional ou não a nomeação, para o exercício de cargo de agente político, de familiares da autoridade que nomeia _ como cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau. As investigações da CPI iniciaram-se no final de março, obtendo a aprovação e colaboração de todos os nove vereadores, inclusive os da base aliada ao prefeito, para o seu funcionamento. O relatório final, concluído após quase cinco meses de investigações, foi votado e aprovado por unanimidade, informa o relator da CPI, vereador Diogo Kramer Boeira (PDT). O texto contempla depoimentos de servidores públicos, empresários e moradores de Bom Jesus.
No parecer da comissão, as supostas irregularidades são embasadas até mesmo com postagens das redes sociais do investigado, como a que exibe ele pilotando uma retroescavadeira, tarefa para a qual não teria habilitação, ou fotos com carro da prefeitura em viagens do ex-secretário com suposto uso particular. A investigação partiu de denúncias sobre a construção de um muro no Parque de Máquinas do município. Denunciantes relataram aos vereadores que, apesar de o ex-secretário ter firmado um contrato sem licitação com uma empresa para erguer a obra, ela teria sido feita por servidores da prefeitura. As notas fiscais anexadas ao processo mostram que a prefeitura pagou R$ 5,7 mil para uma empresa de pinturas e serviços gerais para executar a obra.
— Nós fomos no Facebook dele, e as fotos mostravam que, além dele, os servidores foram os que trabalharam na obra. Ouvimos testemunhas e comprovamos o que tinha acontecido ali. E, em princípio, não havia necessidade de contratar mão de obra para isso porque a prefeitura tem — detalha Boeira.
Além dos 120 dias de prazo legal para a conclusão de uma CPI, a Câmara pode pedir prorrogação de mais 90 dias, providência que foi adotada pelo Legislativo de Bom Jesus. Segundo o relator, o processo foi encerrado uma semana antes do prazo final.
MP deverá se manifestar este mês
O Ministério Público (MP) de Vacaria recebeu o relatório final da CPI há duas semanas. A promotora de Justiça Criminal de Vacaria, Bianca Acioly de Araujo estima que deve concluir a análise do material ainda este mês. Segundo a promotora, foi instaurado expediente administrativo para levantamento de dados com base no conteúdo apresentado.
_ Pelo teor da conversa que tive com os vereadores, a responsabilidade direta deve ser do secretário. Nós veremos se tem participação de mais algum servidor e buscaremos informações sobre a nomeação deste secretário_ afirma a promotora.
OS CONTRAPONTOS
O que diz o ex-secretário municipal de Obras de Bom Jesus, Alexandre Arcari Becker
Procurado pelo Pioneiro, o ex-secretário Alexandre Arcari Becker afirma que as denúncias examinadas pela CPI se tratam de "perseguição política", e preferiu não comentar as acusações.
_ Não posso me pronunciar sobre o que não sei _ diz Alexandre.
Ele não quis depor durante o processo e recusou-se a assinar a intimação. Alega desconhecer quais são as denúncias e o teor delas. Alexandre diz que se recusou a assinar a intimação porque a recebeu "fora do prazo legal de 120 dias", tempo previsto pela lei para duração de uma CPI. No entender da Câmara, é possível pedir prorrogação por mais 90 dias, o que foi feito.
Alexandre abriu mão do cargo do secretário em março deste ano, poucos dias após a CPI ser aberta. Ele pretendia concorrer a deputado estadual, o que acabou não acontecendo.
O que diz o prefeito de Bom Jesus, Frederico Arcari Becker
_ É uma ação claramente tendenciosa e de oposição política, de problemas entre vereadores e o ex-secretário de Obras. Daí percebe-se o tom sensacionalista que a oposição quer atingir com a participação do jornal Pioneiro.
AS DENÚNCIAS
MURO DO PARQUE DE MÁQUINAS
:: A CPI aponta a contratação de mão de obra irregular para a construção de um muro no Parque de Máquinas da prefeitura. Ainda que a Secretaria de Obras tenha destinado R$ 5,7 mil para uma empresa construir o muro, servidores públicos entrevistados pelos vereadores afirmam ter sido os responsáveis pela obra. Também afirmaram que nenhum funcionário estranho ao quadro de servidores trabalhou. Há fotos anexadas ao processo que mostram o secretário e os servidores públicos construindo o muro.
:: A CPI questiona também o encaminhamento da obra sem licitação e a necessidade desta contratação, já que o município teria mão de obra própria para realizar o serviço.
MÁQUINAS PESADAS
:: A CPI pede responsabilização do ex-secretário Alexandre Arcari Becker por conduzir máquinas pesadas, como retroescavadeira, em via pública.
:: A CPI alega que o ex-secretário possui habilitação na categoria AB, o que não lhe dá condições legais para conduzir e operar máquinas pesadas _ a exigência, segundo o Detran, é de categoria C.
:: Fotos do ex-secretário no centro da cidade conduzindo retroescavadeira estão anexadas ao processo.
CASO DO CORSA
:: Uso de um Corsa Sedan Premium, pertencente à frota da prefeitura. Segundo a investigação, havia desvio de finalidade no uso do carro, porque o ex-secretário usaria o veículo para deslocamentos em cursos fora da cidade e nos fins de semana.
:: Além disso, há infrações por excesso de velocidade, inclusive em fins de semana.
:: A CPI defende que o carro não deveria ser usado aos sábados e domingos _ há registro de abastecimentos fora de Bom Jesus por 23 vezes.
ABASTECIMENTO DE CARRO
:: Abastecimentos feitos em 2017/2018 de um Fiat Elba, de propriedade do município.
:: Foram abastecidos neste período R$ 7.145,24, custeados pela prefeitura. No entanto, o carro permaneceu desde o ano de 2016 em manutenção em uma mecânica, o que é atestado na CPI pelo proprietário do estabelecimento que prestou o serviço.
:: O Pioneiro visitou o Parque de Máquinas em agosto e encontrou a Elba estacionada. Com os pneus furados, vidros quebrados e em péssimo estado de conservação, o carro não tem condições de circulação.
:: O carro é de guarda da Secretaria de Obras, e o abastecimento dele é feito por meio de um cartão exclusivo do carro. Cabe à secretaria a distribuição deste cartão.
PERIMETRAL LUIZ GRAZZIOTIN
:: A Secretaria de Obras fez aquisição de 500 canos de concreto para a canalização de esgoto da Perimetral Luiz Graziottin, sob custo de R$ 88 mil. A compra que é contestada foi feita em 7 de fevereiro do ano passado.
:: A aquisição dos canos foi feita sem licitação, fundamentada em um decreto de calamidade pública, assinada pelo prefeito e o então secretário. No entanto, a via não está citada no decreto, conforme a CPI aponta.
:: Uma perícia contratada pelos vereadores atestou que a obra comportaria somente 295 canos, mostrando que 205 teriam sido adquiridos em excesso. Segundo a investigação, funcionários admitiram ter descarregado somente cerca de 200 canos.
:: A pesquisa de mercado feita pela perícia aponta que o valor pago pelos canos foi superfaturado: em vez de o material custar R$ 88 mil, o preço de mercado aponta para R$ 41,3 mil. A CPI pede o ressarcimento aos cofres públicos de R$ 30.608.
PAGAMENTO DE SERVIÇOS DE MÁQUINAS
:: Morador afirma, em depoimento da CPI, que o secretário chegou em sua propriedade oferecendo máquinas e trabalho dos servidores, desde que o morador pagasse pelo serviço.
:: O morador admite que não foi até a prefeitura prestar pagamento de horas-máquina, procedimento comum em pequenas prefeituras, mas o valor foi pago diretamente aos funcionários. Os servidores é que teriam estabelecido o preço ao morador.
:: Outro morador conta a mesma história: foram pagos R$ 250 pelo serviço feito em um fim de semana na estrada geral da localidade, que é de uso público. Devido às péssimas condições, o morador pagou. A ele, o secretário teria dito que pagasse diretamente aos funcionários. "Se pagasse, seria mais rápido", admitiu o entrevistado à CPI.
CURSO DE BOMBEIROS
:: O secretário de Obras fez um curso de Brigada de Incêndio no valor de R$ 2,8 mil, empenhado pela prefeitura, que lhe dá a profissão de brigadista (bombeiro) civil.
:: O secretário organizou um grupo de voluntários e criou informalmente o grupo de bombeiros Rei Arthur, sem vínculos com a prefeitura.
:: Bom Jesus não conta com corporação de bombeiros, sequer voluntária. Há um caminhão sucateado e em péssimo estado de conservação no Parque de Máquinas. Quando há ocorrências, servidores são acionados e usam o caminhão.
:: A Secretaria de Obras comprou equipamentos de uso de bombeiros por meio de dispensa e compra direta. Segundo a CPI, os equipamentos não estão na prefeitura e nunca foram vistos por servidores.