Bento Gonçalves vive uma trégua de violência incomum nos últimos dois anos. Neste sábado, a Capital do Vinho completa 31 dias sem assassinatos. É o segundo maior período sem mortes desde 2018, ficando atrás somente dos 35 dias entre 24 de novembro e 30 de dezembro de 2018. Por enquanto, a Capital do Vinho pode dizer que não teve homicídios em 2020 — pode parecer cedo, mas as vizinhas Caxias do Sul e Farroupilha registram três e dois assassinatos, respectivamente.
Nos últimos dois anos, a Capital do Vinho contabilizou 104 mortes por violência e uma média de um assassinato a cada sete dias. O aumento da violência é explicado, pelas forças policiais, em razão das disputas entre organizações criminosas pelo controle da venda de drogas: uma facção com base na Zona Leste de Porto Alegre tentou invadir a cidade e os traficante locais se uniram para evitar.
A redução pode ser explicada justamente pelo cerco a estes grupos criminosos. As investigações policiais evoluíram, com a identificação de líderes criminosos e prisão dos executores dos assassinatos. As apreensões de armas e drogas são destacadas como forma de descapitalizar estas facções e reduzir sua agressividade. Em dezembro, a nova penitenciária de Bento Gonçalves foi inaugurada e dificultou a comunicação entre detentos.
Apesar de considerar positivo o trabalho desenvolvido e torcer pela volta da tranquilidade em Bento Gonçalves, o delegado Álvaro Becker prega cautela na análise dos números.
— Considero cedo para falarmos em redução, pois este é um período de baixa criminalidade. Em razão das férias, sempre há uma redução (em todos os crimes) — lembra.
Para comparação, o primeiro homicídio de 2019 aconteceu "apenas" no dia 29 de janeiro. Já em 2018, o primeiro assassinato do ano foi registrado em 17 de janeiro.
O último homicídio em Bento Gonçalves aconteceu em 18 de dezembro, quando o empresário Camilo Geremia, 54, foi morto a tiros. Neste sábado, por tanto, o município completa 31 dias sem assassinato. O maior período sem mortes em 2019 foram 30 dias entre 14 de fevereiro e 17 de março.
COMO A POLÍCIA EXPLICA REDUÇÃO
:: Reforços e mais abordagens
O crescente número de mortes tornou Bento Gonçalves o oitavo município gaúcho com mais assassinatos. A repercussão fez com que as forças policiais buscassem alternativas. A Polícia Civil preparou uma força-tarefa, com apoio de policiais e um delegado de Caxias do Sul. A BM contou mais horas-extras e apoio do Batalhão de Choque da Serra.
— Fizemos algumas ações direcionadas ao tráfico de drogas e conseguimos aumentar em 47% o número de abordagens. Com nossos PMs abordando mais, aumentou as apreensões de armas e drogas. Também buscamos foragidos e acompanhamos presos em domiciliar, por meio do setor de inteligência. Não só contra os homicídios, pois diminuímos outros índices criminais também — ressalta o tenente-coronel Paulo Cesar de Carvalho.
:: Cerco ao crime organizado
Com o tempo e esforço, as forças policiais começaram a identificar os membros dos dois lados desta guerra pelo tráfico. Em setembro, uma ação da BM prendeu cinco suspeitos de tráfico de drogas e apreendeu um fuzil em um sítio na localidade de Passo Velho. No dia seguinte, a Polícia Civil apontou o mandante e os executores da chacina do Bar dos Amigos, que terminou com cinco mortos em junho.
— Estamos direcionados para identificar quem faz parte destas duas facções que brigam pela isonomia do tráfico. Cada investigação, prisão e as apreensões de armas e drogas descapitalizam e reduzem o poder destes grupos. Todos fatores somam para fazer que estes criminosos retraíssem — aponta o delegado Álvaro Becker.
:: Novo presídio dificulta acesso de presos a celulares
Bento Gonçalves inaugurou a cadeia mais moderna da Serra em outubro. A nova cadeia resolveu o problema da superlotação e dificultou a entrada de celulares. A prova é que a primeira revista geral, no dia 6 de janeiro, apreendeu "apenas" seis celulares em posse dos 175 detentos abrigados.
— A dificuldade de contato inibe muito a prática de crimes. Antes, parecia liberado. O presídio no Centro era uma praça de encontro para estes envolvidos. Agora, há a preocupação deles por se manterem do lado fora. E o único meio é não praticando crimes — ressalta o delegado Becker.
— Antes, não tinha vaga. Muitas vezes, o detido era logo passado para uma prisão domiciliar ou tornozeleira. Agora, estas pessoas estão ficando mais tempo presas — complementa o tenente-coronel Carvalho.