Frente à incerteza da volta às aulas e às dificuldades financeiras, motoristas de vans de Caxias do Sul se mobilizaram nesta quarta-feira. Eles buscam apoio da prefeitura e Câmara de Vereadores para conseguir uma linha de crédito e ganhar um fôlego diante das restrições contra a pandemia de coronavírus. Mais de 50 transportadores da zona norte da cidade se encontraram no estacionamento dos Pavilhões da Festa da Uva na parte da manhã. De máscaras, o grupo compartilhou angústias, buscou soluções e fez uma oração por dias melhores.
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A preocupação dos motoristas é a mesma dos pais de alunos. Quando e como será a volta às aulas? Os motoristas relatam que mais de 30% dos pais já encerraram os contratos.
— Primeiro, está tudo parado então muitos pais estão com dificuldades em seus trabalhos também. Depois, tem o risco da volta as aulas, né? Os pais têm medo da aglomeração que pode ser na van, então buscam outras formas. Cada dia mais gente está se retirando do nosso transporte. Até normalizar, não sabemos o que fazer — comenta Edson Borges dos Santos, 48 anos, que há 17 anos trabalha com vans escolares.
Os motoristas apontam que só receberam um pagamento nos últimos quatro meses. O contrato feito com pais condiz com o ano letivo, portanto em janeiro e fevereiro não há cobrança. A única prestação paga foi em março, quando tiveram aulas. Em abril, as atividades escolares foram suspensas diante da pandemia e em maio ainda não há uma solução para o calendário escolar.
Pelo outro lado, os pais argumentam que também foram afetados em suas atividades profissionais. Os transportadores afirmam que estão disponíveis para negociar e conceder descontos, mas lembram que não podem ficar sem qualquer receita. Os motoristas mostram incômodo com mensagens de alguns pais que dizem não querer cumprir os acordos simplesmente porque o serviço não está sendo prestado.
— Até nos chamar de vagabundos eu vi nas redes sociais. Tem muita gente colocando nossa categoria para baixo, dizendo que queremos ganhar sem trabalhar. Todos temos famílias, precisamos comer, temos dívidas e contas fixas a pagar. Não é como se não quiséssemos trabalhar. Assim, parece que estamos mendigando. É uma situação muito ruim. Não é fácil manter uma van — afirma Borges, que lembra que há impostos e a documentação que precisam ser regularizados a cada início de ano.
Como trabalhadores autônomos, os motoristas podem ter direito ao auxílio emergencial disponibilizado pelo governo federal. Neste encontro, contudo, só quatro dos 50 presentes havia recebido o benefício. Os demais relatavam que os pedidos continuavam em análise no aplicativo da Caixa Econômica Federal.
Procon pede negociação e bom senso
A pandemia tornou conturbada a relação entre muitos pais e motoristas de van, mas não é uma regra geral. Os transportadores apontam que só foi possível se manter até o momento graças ao apoio destes clientes de anos.
— Conversamos com os pais, sabemos que também está em situação ruim para eles, então não tem muito o que alguém fazer. Felizmente, tenho esses clientes de anos que estão me ajudando. Diria que são uns 30%, que aceitaram pagar metade da parcela — agradece o Luiz Valderes Reis Paim, 59, que atua junto aos colégios da Zona Leste.
Por estar próximo da idade do grupo de risco, Paim optou por se fechar em casa e adotar todas as medidas contra o coronavírus. Entretanto, ele admite que logo precisará voltar a trabalhar.
— Estava pegando as economias que tinha para comer e se manter. Até junho, eu e minha família nos aguentamos. Estou na expectativa grande pela volta às aulas até o mês que vem. Da mesma forma que liberaram comércio, com diversas restrições, mas tenho está convicção. Caso não aconteça, não sei o que fazer.
Esse acordo entre motoristas e pais é um exemplo do bom senso que o Procon tem pregado em todas as relações de consumidor e serviços neste período de pandemia. O coordenador Dagoberto Machado dos Santos ressalta que cada caso envolve uma situação única, por isso não é possível passar uma orientação geral. A empatia recomendaria um desconto por parte do motorista e o entendimento dos pais de que não há culpa do motorista para o serviço não estar sendo prestado.
— Tem o motorista que trabalha sozinho com sua van, mas tem aquele mantém funcionários. É preciso saber que atrás daquele contrato tem uma família, um empresário que precisa se manter. Há uma lei e uma pandemia que impossibilita de trabalhar, os pais também precisam ver este lado. Se tudo for para o judiciário, quantos processos teremos?
Em redes sociais, pais reclamam de ameaças e coação
Neste cenário de incertezas e negociação, surgiram reclamações de pais que disseram ter se sentido ameaçados ou coagidos por transportadores. Em áudios compartilhados em redes sociais, um suposto motorista de Caxias do Sul afirma que está sendo feita uma "lista negra" dos pais que não estão ajudando e que será "complicado" arranjar transporte para eles quando as aulas retornarem.
Os transportadores negam tais ameaças e lembram que a convivência é essencial em sua profissão. Eles lembram que conhecem as famílias e estão negociando com todos.
— Não é um caminhão onde jogamos caixas para dentro e levamos. Encontramos todos os dias (com essas crianças). Se precisa, levamos na mão dos professores. Se estão passando mal, cuidamos. Temos essas crianças como filhos nossos. É uma profissão que exige muito carinho e paciência. Afinal, levamos o bem maior de cada família — afirma Borges.
O problema seriam os calotes, o que é enfrentado em todas as atividades econômicas. Há pais que não honram seus compromissos e trocam a van a cada três meses para evitar o pagamento das mensalidades atrasadas. Contra os chamados "pula-pulas", os motoristas admitem que conversam, trocam informações e buscaram união. Contudo, eles alegam que seria uma situação sem relação com a crise do coronavírus.
O coordenador do Procon aponta que não ter recebido denúncias e que tal coação podem ser palavras fora do tom em razão dos ânimos exaltados pela pandemia. Afinal, nenhum pai irá contratar uma van de uma pessoa que faz ameaças.
— Se existe uma coação, precisa ser feito um boletim de ocorrência (na Polícia Civil). Mas, não consigo acreditar em uma "lista negra". Espero que seja um mal entendido, no calor da emoção, uma frase infeliz. É um momento complicado. Um lado precisa do outro nesta questão — afirma Santos, que lembra que a Secretaria de Transportes é a responsável por autorizar e regularizar o transporte em vans.
— Se há provas de uma ameaça, pode-se levar ao secretário e exigir providências.