Perguntado se a Viação Santa Tereza (Visate) pretende participar do processo licitatório que escolherá a empresa — ou as empresas — que vão gerir o transporte coletivo de Caxias do Sul a partir de maio de 2020, o diretor-superintendente da companhia, Fernando Ribeiro, é cauteloso: diz que prefere aguardar o lançamento do edital para uma manifestação definitiva.
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O momento vigente justifica a postura: a concessionária tem três ações judiciais tramitando contra o município, nas quais acusa-o de quebra de contrato. Nesta quinta-feira, a Justiça atendeu pedido da companhia e decretou, em caráter liminar, que a tarifa passará a custar R$ 4,30 a partir de junho.
A Visate defende que o valor é necessário para manter o equilíbrio econômico-financeiro da empresa, mas Ribeiro reconhece que custa caro à população. Como alternativa, aposta na racionalização do serviço, para adequar os custos à demanda decrescente de passageiros.
Confira os principais trechos da entrevista em que o executivo da Visate fala sobre o próximo contrato de concessão, os desafios do transporte coletivo e a relação da empresa com a prefeitura:
Pioneiro: a Visate tem interesse em participar da próxima licitação para a concessão do transporte coletivo de Caxias?
Fernando Ribeiro: em primeiro lugar, a Visate é uma empresa que segue padrões de qualidade e melhores práticas e cumpre com suas obrigações seguindo essa linha. O nosso objetivo maior é cumprir o contrato que foi assinado, que vai até maio de 2020. Só poderemos falar se a Visate concorrerá ou não na próxima licitação depois de lançado o edital. Existe hoje uma quebra, não formal, mas de forma indireta, do contrato de concessão que a empresa detém com o município, que vem repetidamente se negando a cumprir com aquilo que está escrito, especialmente no que diz respeito a tarifa e questões de linhas, racionalizações e adequações que o transporte exige ao longo do tempo.
Depois, nós temos que esperar que o poder público apresente as premissas do edital. Existe um ordenamento legal para esse processo. Primeiro, deve haver um projeto básico para o transporte coletivo da cidade, estipulando uma série de situações, as linhas e como elas serão cumpridas, os itinerários, a própria tarifa, frequência e tipo de ônibus, para que isso sirva de base para o edital. A gente quer aguardar para ver o que o poder público de fato vai apresentar, para ver se isso é viável. Ultimamente, temos visto por exemplo em Porto Alegre: foi feita uma licitação há pouco tempo e as empresas já tem meia dúzia de ações na Justiça contra o poder público.
A gente espera que o poder público faça um bom projeto base, estabelecendo todas as premissas, de maneira clara e transparente. E isso obviamente vai passar pela Câmara de Vereadores. Nós vamos ter uma oportunidade muito boa para debater uma série de itens que hoje estão borbulhando na cidade e que a gente não tem muita oportunidade de debater. O negócio da Visate é esse, exclusivamente a prestação do serviço do transporte coletivo. É bem provável que participaremos, mas não posso responder categoricamente.
A prefeitura manifestou a intenção de ter duas concessionárias operando o serviço na cidade. Como você vê essa ideia?
Vamos ter uma enorme oportunidade para debater a respeito disso. A maioria da população tem uma noção, porque isso acontece em outros segmentos, que mais de uma empresa prestando o serviço significa concorrência. Ou seja, eu vou optar, se moro no São Caetano, por exemplo, se vou de Visate ou com outra companhia. Mas não é o que vai acontecer. Pode ter 10 empresas, cada uma terá seu itinerário, que não competirá com o outro. A concorrência que existe é na licitação. Depois de escolhidas as empresas, elas não concorrem.
E há outro fator: Porto Alegre, por exemplo, tem 11 empresas e uma estatal. Existe uma câmara de compensação tarifária para conseguir ter uma tarifa única, e eu acredito que em Caxias não seria diferente. O contrato estabelece que as empresas operem em diferentes regiões e para cada empresa está previsto o transporte de um número X de passageiros. Se uma empresa não transporta aquele passageiro e ele vai para outra empresa, ela tem que repassar esse valor à outra, para que o custo e o preço se equilibrem. E isso é caro. Se tu optas por não usar a Visate, por exemplo, têm duas situações curiosas: primeiro que a Visate transporta menos, e isso, para efeitos de manutenção dos veículos, é vantajoso. E, em contrapartida, a Visate recebe pelo passageiro que a outra empresa transportou. Quando isso chegar à população, quando as pessoas realmente entenderem que não há concorrência, eu creio que cai esse desejo de ter outra empresa. Nós não temos problema nenhum de enfrentar esse debate. Espero que o poder publico proporcione isso.
Hoje, a Assutran (Associação dos Usuários do Transporte de Passageiros) diz que as pessoas desejam um transporte de qualidade, confiável, e de menor preço. Acho que está bem. Mas é difícil de entender, racionalmente, que mais empresas vão ter um custo menor. O preço é estipulado pelo poder publico. As linhas, os itinerários, a frequência, as paradas, é o poder publico quem determina. Hoje, se existe um monopólio em Caxias, ele é do poder público. A Visate não tem direito ao preço, não consegue dizer quais opções de roteiro ou horários vai oferecer para a população.
A gente está muito tranquilo com relação a isso. Queremos debater e informar a população da melhor forma possível e temos a certeza que vamos discutir com as pessoas que têm a responsabilidade de decidir sobre isso, o Executivo, a Câmara de Vereadores e os principais seguimentos da sociedade, para que as pessoas tenham consciência do que significa isso.
O número de passageiros de ônibus vem caindo e as reclamações sobre o serviço são constantes, especialmente sobre o preço da tarifa. Como recuperar a credibilidade do transporte coletivo?
É um desafio enorme. Primeiro, não há como evoluir um sistema de transporte publico numa cidade do tamanho de Caxias sem que haja uma harmonia muito grande entre o poder público, que detém essa prerrogativa, e as empresas que operam o sistema. É inconcebível que se tenha uma desavença ou uma contrariedade como nos estamos vivendo hoje, com um poder público absolutamente agressivo em relação à empresa. Não conseguimos admitir isso. Poder público e concessionaria tem que trabalhar juntos, com metas a serem atingidas, cobranças e fiscalização. Isso é o primeiro passo.
Eu temo que um projeto básico para o transporte de Caxias, sendo elaborado nesse clima, seja muito danoso para a cidade, a longo prazo. Eu espero que essa situação mude, para que possamos construir um transporte mais eficiente, eliminando as ineficiências. A gente, infelizmente, não pode mexer nisso. Tivemos uma queda, nos últimos três ou quatro anos, em torno de 23% a 25% no número de passageiros. E as linhas continuam as mesmas. Os ônibus continuam os mesmos. Hoje, a Visate presta o serviço com 335 ônibus. Eu afirmo que poderíamos prestar esse serviço com qualidade com uma frota não superior a 280 veículos. A população está pagando essa conta. Isso é urgente, a adequação entre a demanda e a oferta de transporte. E num clima hostil, como estamos tendo, essas coisas são relegadas a um terceiro plano. Isso torna a tarifa mais cara. Não é a Visate que quer uma tarifa a R$ 4,30. É o sistema que esta montado em Caxias que exige. Os itinerários que existem há mais de 20 anos. Quem sabe a população precisa ir mais rápido ao destino, de forma direta, não mais fazendo tantas voltas? O transporte de hoje, que de inúmeras maneiras se apresenta como concorrência ao transporte regular público, mostra que as pessoas querem mais agilidade, ir direto ao ponto. Nós temos linhas absurdas, que são praticamente um passeio, para quem não tem nada para fazer. E, ao contrário, o transporte publico é para quem tem muito o que fazer.
Essas melhorias a gente só consegue com debate sério e conjunto, entre o poder público e quem opera. Porque não há ninguém melhor do que nós para sugerir o que fazer. A Visate conhece as demandas e tem integração e contato direto com a população. Então, muito antes de querer trazer uma empresa de fora, a cidade tem que entender que tem uma ótima opção de transporte na cidade. Mas o poder público tem que ser parceiro para isso. Mas o ônibus atrasa? Sim, atrasa e vai continuar atrasando. A cidade tem sérios problemas em relação à isso. Precisa procurar alternativas que melhorem esse sistema. Mas, mesmo assim, eu afirmo que temos um dos melhores transportes do Estado. O que não pode é essa demagogia de empurrar para cima da concessionaria algo que não é dela.
Outro dado: somente 20% das 77 linhas e 400 itinerários que temos hoje são rentáveis. Temos que gerir esses 20% para dar conta das outras. São grandes desafios, nossos e do poder público. Vamos abrir (para outras empresas), será que vamos ter alguma vantagem com isso? O serviço encolheu muito, está desafiador.
Com três ações judiciais em andamento questionando praticamente todo o período da concessão atual, é difícil visualizar uma empresa sentando com o município para assinar um novo contrato em 2020. Como você projeta esse cenário?
Se eu disser que tu estás equivocado, não estou sendo honesto. Quando essa licitação acontecerá, eu não sei. Por causa dessa questão toda, da truculência da administração atual, da falta de dialogo, a tentativa não de conciliar, e sim de atritar. Só a população perde com isso. Eu vou dar um exemplo na cidade: o táxi-lotação teve seu contrato de concessão anulado pelo Tribunal de Justiça. Com ordem expressa para fazer nova licitação. Mas, em seis anos, não vimos empresas sentarem e assinarem um novo contrato. Eu não sei o que vai acontecer, mas teremos algumas etapas a serem vencidas até que um novo contrato de prestação do serviço de transporte coletivo seja assinado.
*Algumas perguntas e respostas foram condensadas para evitar repetições e proporcionar melhor entendimento.
EXPECTATIVAS
Confira a posição do diretor-superintendente da Visate sobre questões que devem nortear os próximos anos da concessão:
:: Fiscalização:
O Secretário Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade, Cristiano de Abreu Soares, manifestou a intenção de levar para o município a estrutura de acompanhamento dos ônibus por GPS e de bilhetagem eletrônica. A medida é bem vista por Fernando Ribeiro.
— Acho que o controle da operação tem que ser em conjunto. Isso tem um custo, e não é pouco. A prefeitura deve dar essas informações para o usuário. Temos todas as condições de fazer isso, mas o poder público tem que querer fazer — aponta.
Ao contrário do que o secretário declarou anteriormente, os gastos da concessionária com o monitoramento e a estrutura de venda de passagens não é repassado para a tarifa, conforme o executivo.
— Isso sai do faturamento da empresa, temos que contornar esse custo com mais eficiência. Se a Secretaria quer ter o controle da venda das passagens, nós podemos fazer isso hoje, mesmo sem estar no contrato.
:: Duração do contrato:
A prefeitura considera um contrato de dez anos adequado para o próximo edital. Para Ribeiro, no entanto, a medida é inviável.
— Me parece impossível, um período totalmente insuficiente. As licitações costumam ser de 20 anos. Eu desafio o poder público a achar uma formula de pagar, com a tarifa, um investimento desse tamanho em 10 anos. Não é o comum — alerta.
:: Reajuste da tarifa:
A prefeitura estuda substituir a planilha Geipot, usada no contrato atual para calcular os custos de operação do serviço, por outro sistema. O diretor-superintendente da Visate concorda que a Geipot está ultrapassada, mas defende que tem que ser seguida até o fim do contrato. Após, ele aposta na planilha lançada pela Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), em 2017, que deve ser usada em todo o Brasil em futuras licitações. No entanto, simulações da empresa já apontaram que a tarifa poderia subir pelo novo cálculo.
— Se continuar com as ineficiências que existem hoje, talvez a tarifa fique ainda maior. Essas questões são sérias e têm que ser encaradas — projeta.
:: Consulta popular:
O executivo da Visate defende uma consulta à população sobre os parâmetros do novo contrato. Desta maneira, a comunidade poderia decidir por quais serviços estaria realmente disposta a pagar.
:: Racionalização do serviço:
Uma das sugestões de Ribeiro para o futuro do transporte é retirar cobradores dos ônibus, ao menos fora dos horários de pico. Segundo ele, o custo com os profissionais representa 23% do valor da passagem. Alguns itinerários também poderiam ser simplificados para passar apenas em vias principais:
— Só isso reduziria o preço do transporte absurdamente. Nós sabemos como fazer, mas temos que ter chance — defende.
:: Subsídios:
A Visate defende que subsídios são a única solução para que a passagem se mantenha em um preço módico, ou seja, com custo razoável com base na renda da população.
— Eu não consigo, como operador do sistema, enxergar a curto prazo uma saída para um transporte eficiente, de qualidade, com preço módico, sem subsidio.
:: Gratuidades:
A empresa defende a redução das gratuidades vigentes.
— Temos que ter um trabalho sério de discussão, para somente manter a gratuidade para alguns segmentos, muito bem justificados. Que a população saiba que vai pagar por eles — aponta Ribeiro.