O Centro Especializado em Reabilitação Auditiva e Intelectual Clélia Manfro (CER II) celebra o seu primeiro ano de atuação na próxima quinta-feira (4). A estrutura, localizada junto ao Complexo Hospitalar Virvi Ramos, no bairro Madureira, em Caxias do Sul, conta com um prédio de três andares, onde já funcionava desde 2009 a Unidade Auditiva do Centro de Saúde Clélia Manfro, que atende os 49 municípios da macrorregião da Serra.
Em dezembro de 2022, o espaço foi habilitado para atuar também na reabilitação intelectual, atendendo crianças e adolescentes de 32 municípios da região. O serviço já existia desde maio de 2023 e, de lá para cá, após uma reestruturação do espaço, houve reforço da equipe multidisciplinar, com médicos neurologistas e psiquiatras, psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, enfermeiros e assistentes sociais. Hoje, são 40 profissionais atuando no Centro.
Coordenadora do CER II Clélia Manfro, Aline Aita explica que na reabilitação intelectual o enfoque do serviço está no atendimento multidisciplinar de pessoas com atraso global do desenvolvimento, deficiência intelectual e Transtorno do Espectro Autista (TEA). Hoje, são cerca de 210 famílias atendidas, sendo que 95% dos casos são de pessoas com TEA.
— Por que eu falo famílias? Porque aqui não são atendidos só os pacientes. Ao mesmo tempo que as crianças estão com a equipe multidisciplinar, os pais também estão no grupo parental, que a gente chama de grupo focal. Alguns pais e familiares que percebemos que precisam de atendimento, principalmente psicológico individual, nós também oferecemos esse serviço — explica Aline.
Todos os serviços, tanto na área auditiva como intelectual, são regulados pela Central de Regulação de Caxias do Sul e realizados exclusivamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Para cada paciente, uma assistência especial
Inicialmente, as crianças e adolescentes são encaminhadas para o CER II pelas unidades básicas de saúde (UBSs). Os assistentes sociais realizam então a triagem, cadastro e agendamento da avaliação multidisciplinar, que será feita por fonoaudiólogo, fisioterapeuta, psicólogo, enfermeiro, psicomotricista, neurologista, neuropediatra e nutricionista.
Após essas avaliações, a equipe então elabora um plano terapêutico, que é chamado de plano terapêutico singular. Para ser paciente do CER, precisa ter necessidade de pelo menos duas especialidades.
Com o plano individual criado, é hora de iniciar o acolhimento. Os pacientes vão ao CER uma vez na semana e ficam por uma hora, dividida em 30 minutos para cada especialidade, de acordo com as necessidades de cada um.
— O autismo é classificado em três níveis, então para cada paciente é um objetivo diferente. Alguns já chegam aqui usando a língua oral como comunicação, portanto, a demanda dele será psicológica ou de fisioterapia ou de habilidades de vida diária. Entretanto, outros chegam sem se comunicar, então será diferenciado também — explica Aline.
A coordenadora afirma que, à medida em que as crianças e adolescentes vão evoluindo, logo são realocadas para o grupo, para desenvolverem também as questões de socialização, liberando assim outras vagas para o o serviço individual.
— Nós já tivemos alguns pacientes que tiveram alta, alguns por objetivos alcançados e outros buscando diagnóstico. Principalmente os que não são de Caxias do Sul ou às vezes não têm um neurologista de referência. Fazemos a busca de diagnóstico e, após ter o laudo, ele pode retornar para sua cidade e continuar o tratamento com os profissionais específicos — explica a coordenadora do CER II Reabilitação Intelectual, Leandra Soares de Souza.
Mesmo sendo de uma hora por semana, Aline Aita evidencia que os resultados são positivos na vida dos pacientes. A meta agora é atingir 350 atendimentos ao mês. O centro aguarda a liberação de recursos na ordem de R$ 4 milhões do governo federal para reforma, ampliação do serviço e compra de equipamentos. Atualmente, o Ministério da Saúde repassa R$ 189 mil mensais de verbas para a reabilitação intelectual.
— Nós sempre entendemos que essa era uma grande necessidade da região. Foi um grande desafio assumir esse projeto junto com a direção do Hospital Virvi Ramos. Tem sido muito gratificante ver o resultado do trabalho que tem sido feito aqui. O centro mudou a vida das pessoas, com essa possibilidade de conseguirem um atendimento multidisciplinar via SUS — ressalta Aline.
Evolução percebida pelas mães
Pelos corredores do Centro Clélia Manfro, dona Alba Leopoldina, 57 anos, esbanja simpatia. Para cada profissional de saúde, um “boa tarde” em alto e bom som. E, claro, sempre com o sorriso no rosto.
— Viu só como aqui todo mundo me conhece — orgulha-se.
Dona Alba é mãe de criação de Elso de Moraes, 17 anos, diagnosticado com o nível 3 de autismo, quando apresentam dificuldades na comunicação, deficiência intelectual e ausência de linguagem funcional. A família descobriu a condição do jovem quando ele tinha dois anos de idade. As consultas de Elso no CER II são todas as quintas-feiras.
— Se ele gosta de vir para cá? Ele ama! Todo dia ele me pergunta quando é que é quinta-feira. Melhorou bastante e está sendo muito bom para ele. O pessoal trata muito bem o Elso e a mim também. Eu gosto daqui. Foi a melhor coisa que aconteceu — revela Alba.
Em outra sala, aguardando o filho ser atendido, está Tatiane Lopes, 39 anos. Ela é mãe do pequeno Emanuel, de seis anos, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno Opositor do Projeto (TOD) (caracterizado por sintomas como comportamento agressivo e humor irritável), além de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
— Faz uns três anos que descobrimos que ele tinha autismo. Como ele nasceu prematuro, tudo foi diferente. Ele tinha muitas crises e chorava dia e noite. Eu sentia que tinha alguma coisa diferente. Fomos então atrás de um neurologista e de uma psicóloga e tivemos o diagnóstico. Depois que conhecemos o CER II, o Emanuel já se desenvolveu muito bem. A gente percebe que já consegue se relacionar com outras crianças também. Ele ama vir aqui — conta a mãe.
E o serviço direcionado aos pais também ajuda Tatiane a renovar a esperança.
— Quando as coisas estão difíceis, a gente pensa que não vai aguentar. Mas aí quando a gente se encontra com as outras mães que estão passando pela mesma situação, nós conversamos e nos ajudamos. Os psicólogos também nos prestam um apoio indispensável — elogia Tatiane.
O que é o Transtorno do Espectro Autista?
A Associação de Pais e Amigos do Autista de Caxias do Sul (AMA) criou "Um e-book sobre o TEA", no qual explica que o Transtorno do Espectro Autista, ou autismo, é uma condição do neurodesenvolvimento na qual o indivíduo apresenta dificuldades na comunicação social e comportamentos restritivos com movimentos estereotipados. Ainda não se sabe exatamente as causas do TEA, mas já se sabe que em alguns casos a genética ou a hereditariedade são as causadoras e, em outros casos, questões do ambiente em que a criança vive ou é exposta.
— Os diferentes graus de autismo, por vezes, também são acompanhados de graus de comorbidades, como convulsão, ansiedade ou depressão. É importante sabermos o grau justamente para conseguirmos dar um suporte adequado ao paciente — destaca o médico neurologista Eduardo Schuch, que também atua no CER II.
Quais os sintomas?
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - 5a Edição (DSM 5, 2014) traz como principais sintomas os déficits persistentes na comunicação e interação social em múltiplos contextos, padrões restritivos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, e enfatiza que os sintomas devem estar presentes precocemente e causar prejuízo significativo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas.
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico deve ser feito por um profissional adequado e é muito importante que, aos primeiros sinais, se possa iniciar um tratamento para as principais dificuldades, mesmo sem o diagnóstico, já que quando antes a intervenção for feita, mais chances de a criança desenvolver habilidades que talvez não desenvolvesse com uma intervenção tardia.
— Como o espectro autista tem relação com epilepsia e convulsões, nós solicitamos exames para diagnosticar se o paciente tem o risco dessas comorbidades e fazemos o acompanhamento. Em outros casos, pode ser necessária uma medicação para o paciente conseguir se concentrar melhor ou ficar mais calmo para fazer as atividades propostas, conseguir interagir melhor com os pais, ter uma relação melhor com os amigos e com outras crianças — finaliza o neurologista.