Caxias do Sul é uma cidade ímpar. De grande contribuição econômica, política e social para todo o país. Das multinacionais que empregam milhares de pessoas, passando pela rica história de seus clubes esportivos. De legado cultural e gastronômico. E nesta quinta-feira (20) completa 134 anos de emancipação. Com direito a bolo de aniversário feito com o número 134 e nas cores da bandeira do Rio Grande do Sul, que será distribuído para a comunidade, às 16h, na Praça Dante (leia mais abaixo).
Para marcar mais um aniversário de Caxias, o Pioneiro conversou com cinco moradores de diferentes faixas etárias: aqueles que nasceram aqui e viram a cidade crescer, passando pelos que optaram por morar no maior município da Serra e quem ainda é jovem e tem um futuro inteiro pela frente. Confira:
Cidade grande com ar de interior
Caxias do Sul sempre foi o lar do cabeleireiro Saule Pezzi, 64 anos. Nascido e criado por aqui, diz com orgulho que viu o crescimento e a evolução da cidade. Há mais de quatro décadas trabalha na Galeria Central, na Rua Sinimbu, entre a Visconde de Pelotas e a Dr. Montaury, muito próxima à Praça Dante Alighieri, no coração da cidade, o que lhe possibilitou ver diversas faces da cidade.
Gosta de dizer que a cidade é um bom lugar para prosperar, que abre as portas e dá oportunidades para aqueles que vêm de fora. Ao mesmo tempo, acredita que Caxias não perdeu as características de interior.
— Falando do nosso trabalho, por exemplo, cortamos o cabelo da terceira, da quarta geração (de uma mesma família). Então são pessoas que valorizam, vão sempre no mesmo restaurante, vão sempre no mesmo cabeleireiro, vão sempre na mesma lancheria. Nós somos uma cidade que cria esses vínculos — resume.
Entre as inúmeras histórias que presenciou, tem um carinho especial pela inauguração do Shopping Prataviera, em 1993. Na visão dele, o espaço foi fundamental para um crescimento econômico e para uma mudança de mentalidade na cidade.
— Eu levei mais de seis meses para ir ali, da novidade que era. Tinha 15 mil, 20 mil pessoas por dia. Era surreal. Então, acho que ali foi um marco de dizer: “continua com um ar de interior, mas vai crescer” — descreve Pezzi.
Ele é um daqueles caxienses que gostam de valorizar o que construíram por aqui, e não pensa em deixar a cidade. Há alguns anos, os filhos moram em Portugal, e já lhe convidaram para se mudar, mas a resposta sempre foi a mesma: “não”.
— Porque eu tenho uma gratidão muito grande por Caxias, porque me ofereceu todas as oportunidades de eu crescer. Mas em nenhum momento me passou pela cabeça: “eu vou embora de Caxias”. Eu tenho as raízes aqui — conclui.
Segurança e qualidade de vida
Caxias do Sul também é especial para o carioca Leonardo César Chebar, 50. Somando duas passagens, já são quase 10 anos por aqui. A primeira vez que desembarcou no município foi em 2000, quando veio para assumir uma academia e dar aulas de jiu-jitsu. A ex-esposa e namorada da época era caxiense. Só que a adaptação não foi tão fácil, e chegou a enfrentar o receio dos caxienses.
— Mas depois que viram que eu era um cara sério, que não estava a passeio aqui, que vim para ficar, aí (os caxienses) me abraçaram legal — recorda Chebar, sem mágoas.
Em 2004, por um problema de saúde do pai, precisou retornar ao Rio de Janeiro para cuidar da empresa da família. Só que o pensamento de um dia voltar a morar em Caxias ficou na mente.
No ano de 2018, passou por uma experiência delicada, um assalto na Avenida Rui Barbosa, na zona sul da capital fluminense. A segurança e a qualidade de vida proporcionadas pela cidade gaúcha foram fundamentais na decisão de retornar. Além disso, estava namorando com uma caxiense, com quem se casou em 2019, e aproveitou que ainda tinha um apartamento na cidade.
— O que eu curto é que, apesar da cidade ter crescido muito, ainda mantém hábitos. Por exemplo, várias lojas fecham na hora do almoço, então, muita gente vai almoçar em casa, tem essa facilidade de morar perto do trabalho. No Rio, o deslocamento é de carro ou transporte público, não existe isso de você ir caminhando para o trabalho.
Mesmo natural de um local em que os termômetros batem facilmente a marca dos 40°C, diz gostar de presenciar as quatro estações em um único dia. Entre tantas fotos que guarda na galeria do celular, estão registros da neblina na cidade e o pôr do sol que, segundo ele, é único. Atualmente, se sente “o carioca mais caxiense”.
— Eu me sinto parte do povo de Caxias. Me sinto totalmente ambientado. Não penso em sair daqui — finaliza.
“Minha saudade é elegante”
Aos 85 anos, Décio Osmar Bombassaro presenciou muitas mudanças em Caxias. Dois anos após o seu nascimento, a cidade contava com 39 mil habitantes conforme o Censo Demográfico de 1940. No dado mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado no ano passado, eram mais de 463 mil moradores.
A calmaria de outras décadas deu origem a uma cidade agitada, com cara de metrópole. A paisagem também mudou, pouco a pouco as árvores foram dando espaço aos prédios. Hoje, percebe Caxias do Sul de duas formas:
— Eu vejo, por exemplo, a Caxias do Sul que está desaparecendo aos poucos. Ainda persistem alguns prédios, construções antigas, algumas vieram inclusive do tempo da colonização, que conseguiram manter. E eu vejo Caxias com uma série de problemas muito sérios, por exemplo, esse trânsito — descreve Bombassaro sobre o atual cenário.
Jornalista, radialista, com formação em Letras e mestrado em Filosofia, é escritor com três livros publicados e participação em tantos outros, além de palestrante. Conversar com Décio é uma grande oportunidade para conhecer um pouco mais sobre a cidade.
— Evidentemente que se eu dissesse que não tenho saudades de Caxias do passado, estaria dizendo algo que não é verdadeiro. Quando eu vejo um velho prédio, quando encontro uma pessoa da minha idade. Ou os parentes que já se foram, e sinto às vezes alguma saudade, as crianças que hoje são netos, bisnetos deles, são chegados a mim, eu sou chegado a eles. Eu não sinto aquela saudade neurótica, não é nesse sentido, a minha a saudade é muito mais elegante, vamos dizer assim.
E ele é esperançoso sobre o futuro:
— O que vai ser Caxias? Algo grandioso, pode ter certeza disso.
Por um futuro inovador
Prestes a concluir o Ensino Médio na Caminho Rede de Ensino, Júlia Dellagustinho, 18, reflete sobre o futuro da cidade. Assim como a grande maioria dos jovens de sua idade, ainda tem algumas dúvidas sobre que graduação escolherá. A área de inovação, que teve contato nas aulas de robótica, e a de gestão, motivada pelo que viu na família, são as que mais fazem os seus olhos brilharem. Ela não se imagina fazendo o Ensino Superior na cidade da Serra, o que não quer dizer que não pensa em retornar à terra natal.
— Logo que me vem à mente inovação, eu penso em sair da caixa. Mas existem vários tipos de inovação, não necessariamente precisa criar algo disruptivo, algo totalmente do zero. Até porque hoje em dia é muito difícil que isso aconteça, pelas inúmeras possibilidades. Então, seria desenvolver algo que auxilie o que existe, facilitando de alguma forma as pessoas ou algum local específico — explica Júlia.
Entendedora das oportunidades que teve durante a juventude, ela comemora o fato de que Caxias do Sul ganhará um campus da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— Vai ter uma educação de qualidade acessível a todos, porque muitas vezes uma mensalidade numa faculdade privada é um valor bem absurdo. Com certeza vai incentivar o estudo também, vai desenvolver sim a região.
Na visão de Júlia, os jovens precisam debater mais sobre assuntos de relevância para a sociedade local, como mobilidade urbana, além de segurança e saúde pública. Para ela, o não abordar esses assuntos é "uma falta dessa geração".
— Não sei também como foram as outras, mas eu percebo que falta a visão de mundo. É essa questão de sair da nossa zona de conforto, e tentar viver mais e pensar no nosso futuro, porque está próximo — diz.
Seis meses se tornaram 13 anos para francesa
O ano era 2011 e a francesa Solveig Dufrène, atualmente com 35 anos, chegava em Caxias do Sul. Prestes a concluir o curso de Engenharia de Materiais em uma universidade na cidade de Nancy, teve a oportunidade de fazer um intercâmbio na UCS. Inicialmente, era para ficar somente seis meses, mas apareceu a oportunidade de um mestrado na mesma área, e a permanência acabou se estendendo. Ela ainda chegou a iniciar um doutorado, porém, não concluiu.
— Eu lembro muito bem do trajeto de ônibus entre Porto Alegre e Caxias e eu fiquei muito cativada pela Serra. Não desgrudei da janela e achei muito linda a região, a paisagem — conta Sol, como também é carinhosamente chamada.
Caxias do Sul foi um importante divisor de águas na vida dela. Em 2014, no mesmo ano em que conheceu Vagner Pedroni, com quem se casou, começou a repensar o que gostaria de fazer profissionalmente, chegou a trabalhar no Zarabatana Café, no Centro de Cultura Dr. Henrique Ordovás Filho. No ano seguinte, abriu a sua empresa, a Odyssée, onde dá aulas de francês de forma remota.
— Eu tenho muito carinho por Caxias por ser o lugar onde eu me tornei a pessoa que eu sou hoje. E me possibilitou, por exemplo, mudar de área, de dizer: “não, não quero fazer engenharia”. Não sei se é uma coisa que eu teria conseguido com tanta facilidade estando na França. Acho que é um lugar que eu consigo chamar de casa. É um lugar que hoje me sinto bem, me sinto confortável.
Mesmo feliz em Caxias, pensa no futuro em retornar à França, mas sabe que carregará a cidade da Serra consigo.
— Voltar para a França ou talvez algo entre ficar um pouco aqui e lá. Porque eu sei que se eu voltar para a França, vou ficar com saudade daqui — finaliza.
Tradicional bolo para celebrar com a comunidade
A programação alusiva aos 134 anos do município se nesta quinta-feira (20), com a tradicional distribuição do bolo para a comunidade, às 16h, na Praça Dante Alighieri. O alimento foi confeccionado pelos alunos do Senac. A equipe utilizou 200 pacotes de mistura para bolo sabor baunilha, 600 unidades de ovos, 38 litros de leite integral, 50 quilos de doce de leite com chocolate, seis quilos de açúcar cristal, dentre outros ingredientes. O bolo formará o número 134, terá as cores da bandeira do Rio Grande do Sul em solidariedade ao povo gaúcho após a enchente no Estado. Pesará aproximadamente 300 quilos.
O tema neste ano é “Solidariedade que abraça e constrói caminhos”. O ato também prestará homenagem aos voluntários que se doaram de alguma forma, auxiliando em diversas frentes de trabalho, devido a recentemente catástrofe climática que atingiu o Rio Grande do Sul. O evento contará com apresentação musical de Tita e Rafa.